Monday, August 23, 2010
Lembranças e Saudades Inesperadas - Texto 2
Quando chegamos, fomos direto para a casa do Marcos, irmão da Ana, onde tomamos café e depois seguimos para a casa da sua mãe que fica bem em cima da serra. Nem bem cheguei e a singeleza da casa, o cheiro do bananal, o céu profundamente azul e a simpatia da dona da casa me conquistaram. Adentrei até a cozinha e me deparei com um fogão à lenha em pleno funcionamento. O fogão me reportou à infância, onde no quintal de casa, em plena capital, meu pai mandou construir um fogão à lenha. Nele se cozinhava feijão, um remédio chamado Cibazol e doces. A memória também reviu o “quarto do carvão”, bem ao lado do fogão e que eu achava super misterioso. É impressionante como a memória pode ressuscitar odores. A mente humana é recipiente de cheiros, nenhum se perde, todos ficam guardados, esperando o olho ver alguma coisa que traga lembrança e que abra a porta, aí eles podem sair e festejar.
No fogão da Raimundinha (mãe da Ana), uma panela cheia de favas cozinhava pacientemente. O cheiro era bom, mas por minutos o cheiro do Cibazol, do quarto do carvão e dos doces rivalizou com as favas. Por uns minutos apenas, esses odores passearam pelas minhas narinas e trouxeram uma saudade que eu nem sabia que tinha. Fiquei quieta, sem querer sair da cozinha, me sentei num banquinho de madeira, de frente pra janela que dá para o terreiro e esperei os odores se acalmarem. Eles foram embora, mas deixaram as primeiras lembranças puxando outras lembranças que, por sua vez, traziam saudades diferentes. Todo esse furdunço emocional foi só porque o olho viu. Saudade boa, gostosa. Bem que Jesus falou que “se o teu olho for bom, todo o teu corpo terá luz”. Meu olho pousou num fogão à lenha e o meu coração foi iluminado de saudade boa.
Quando os odores da infância foram embora, satisfeitos, o cheiro da fava reinou. Cheiro bom. Fiquei com água na boca, doida pra provar da iguaria típica da Serra do Lajedo, porém, os felizardos eram os porcos que chafurdavam no quintal. Na casa da Raimundinha não há acepção do que quer que seja. Onde se cozinha comida de gente se faz comida de bicho também. O fogão à lenha é para todos. A fava de cheiro bom era para os porcos. Me deu vontade de comer delas, mas fiquei com vergonha de confessar. Tive vontade de parodiar Jesus e dizer pra Raimundinha “não lanceis vossas favas aos porcos”! Disseram-me que as favas para os porcos são amargas, só eles conseguem comer. Aí me conformei. Sendo assim...
De repente, surgiu uma panela de batata doce, colocada no fogão pra cozinhar, depois outra com carne de porco pra assar; uma garrafa de café quentinho e tomates minúsculos apanhado no terreiro. Em poucos minutos estávamos bebendo café com batata doce e carne de porco assada com farofa e cebola. Isso era apenas pra “forrar o bucho”, pois a festa ia começar ao meio-dia. Ficamos ali, jogando conversa fora e trazendo alegria pra dentro do peito.
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