Friday, December 28, 2012



Penina

Ana e Penina eram duas mulheres que tinham algo, ou melhor, tinham alguém em comum: Elcana, esposo de ambas. O homem foi um dos polígamos mais desconhecedores do universo feminino de que se tem notícia, aliás, todo polígamo é leigo quando o assunto é o mundo das mulheres, mundo complexo e cheio de nuances. O corpo de Elcana, pela lei da época, pertencia às duas mulheres, seu coração era somente de Ana e seu espírito somente de Deus, ou seja, dá para perceber que para Penina não sobrava quase nada, o pouco a que tinha direito era dividido. Penina amava Elcana que amava Ana. Desde os tempos mais remotos o coração humano é “terra que ninguém manda”. Há quem diga que naqueles tempos as mulheres esposas de um mesmo homem se davam muito bem (estamos falando de mais ou menos 1000 a. C.). A história de Ana e Penina diz não ser bem assim. Penina odiava Ana porque Elcana a amava e Ana vivia amargurada porque era estéril, enquanto Penina tinha uma penca de filhos. Ana chorava e Elcana lhe perguntava por que ela chorava tanto, pois segundo o próprio, ele era melhor que dez filhos, daí o motivo de eu dizer que Elcana não entendia patavina de mulher . Penina possuía o que Ana mais queria: filhos; Ana possuía o que Penina mais desejava: o amor de Elcana.  
Triste, depressiva e amargurada, Ana chorava todos os dias. Além de conviver com a realidade de ser estéril numa época em que esterilidade era maldição divina e ter filho era a grande realização das mulheres, Ana tinha de enfrentar o deboche de Penina, fruto da sua despeita e ciúme. Podemos imaginar Penina como aquela menina rica e feia, cheia de inveja e raiva da menina pobre e linda, a qual os garotos da rua cantam em verso e prosa. Ela aponta para suas várias bonecas - sonho de consumo da menina pobre -, e canta: “Eu tenho e você não teem, eu tenho e você não teem....lárálárálá”. Assim Penina fazia com os filhos. Mostrava-os a Ana e dizia: Eu tenho e você não tem! E Ana se consumia em tristeza e dor.
Mas este texto não é sobre Ana, coloquemos um pouco da nossa atenção em Penina, a anti-heroína. Todos os holofotes evangélicos geralmente estão voltados para Ana, um nome gravado para sempre na calçada das grandes estrelas bíblicas, inspiração para sermões memoráveis e campanhas de avivamento, enquanto Penina vem sendo exposta por pregadores do evangelho durante anos como símbolo da maldade, excomungada e expulsa dos púlpitos, personagem que talvez tenha inspirado a música “Sabor de Mel”, consumida pela mídia evangélica à exaustão. Penina, uma mulher apaixonada a quem foi negado o amor do seu homem. Tem-se a impressão que servia apenas como uma máquina de fabricar filhos, uma máquina potente, mas apenas uma máquina. Naquele tempo cuidar bem de uma mulher era alimentá-la, vesti-la e não abandoná-la e Penina era uma máquina bem cuidada, pois era das boas, gerava filhos, símbolo máximo da benção de Deus. Só que Penina queria mesmo era o amor de Elcana e como não o tinha tornou-se irritada, briguenta e geniosa. Todo mundo tá careca de saber que mulher mal-amada torna-se nervosa, irritadiça e infeliz, aliás, qualquer ser humano. Imagine uma mulher não-amada. A mulher mal-amada ainda tem esperança, é mal-amada, mas talvez com um pouco de paciência as coisas possam mudar; Penina não era mal-amada, Penina era NÃO AMADA, o que é pior. Para ela não havia esperança nenhuma e onde não há esperança há amargura, para o ódio chegar é apenas uma questão de tempo. Penina tornou-se cruel, cheia de rancor e ressentimento, um fruto azedo de sua época. Penina é a prova cabal de que o universo feminino não mudou tanto assim. Mil anos antes de Cristo as mulheres já ansiavam por amor. Penina talvez fosse uma mulher romântica que se tornou amargurada, cheia de ódio do amor, exatamente por não tê-lo. Se vivesse nos dias de hoje seria fã de Herivelto Martins e no tanque, lavando a roupa de seus muitos filhos, cantaria o clássico “Bom Dia”, cuja letra diz ser o amor “o ridículo da vida”.
A ausência do amor tão desejado fez Penina criar casca grossa. Tornou-se aquele tipo de personalidade forte que não leva desaforo pra casa nem mede as consequências dos seus atos. Era infeliz e decidiu que Ana também o seria. A única coisa que a deixava feliz, que lhe dava prazer era ver o desespero de Ana por ser estéril. A felicidade de Penina ao ver Ana não engravidar é comparável aquele torcedor que vibra mais com a derrota do time adversário do que com a vitória do próprio time. Não lhe bastava o fato de possuir a benção de ter filhos, de ter sido agraciada com um útero fértil, a infelicidade de Ana era o seu prazer. Saber que as noites com Elcana que lhe eram roubadas se convertiam em lágrimas e frustrações para Ana. A fratura do ódio exposta para quem quisesse ver, o fruto amargo desse sentimento autodestrutivo sendo consumido dia-a-dia. Pobre Penina! Consumida pela paixão, enferma de amor. Elcana era o centro da sua vida. Sua paixão pelo marido não permitiu que ela percebesse a existência de um Deus que pode tudo. Paixão é um troço perigoso, até mesmo a grandeza de Deus fica submersa na escuridão, por isso concordo que ela cega. Cegou Penina. Deus não existia para ela, só o Elcana, o gostosão de Ramá.
A história de Penina me comove. Nem posso dizer que é uma história, pois não se sabe quase nada dela, sua presença na trama se esvai já no início do primeiro capítulo do primeiro livro de Samuel. Seu nome é pronunciado apenas três vezes, uma delas para narrar a humilhação de receber apenas uma porção pequeníssima na refeição sacrificial que o trio fazia anualmente quando ía à cidade de Siló, adorar O Senhor, pois a maior parte, é claro, Elcana colocava no prato de Ana e a maior porção dava-se a pessoa mais importante da mesa. Nas outras duas vezes em que ela é citada, é chamada de “competidora” e “a outra” – pelo menos na versão que tenho agora em minhas mãos. Daí em diante o nome Penina é varrido da face da Bíblia, desaparece por completo, só reaparecendo nas guilhotinas dos púlpitos evangélicos e isso por apenas alguns minutos porque depois só dá Ana, Ana e Ana.
Gosto muito de fazer especulações bíblicas. Acredito que nas especulações as verdades podem vir á tona e libertar. Acho que grandes desfechos não foram contados, estão ocultos, escondidos, esperando serem libertados por nossa imaginação. Gosto de imaginar Penina reencontrando Deus, de especular que a gravidez de Ana a fez descer o mais profundo possível no poço da amargura, do ódio, do ciúme, da despeita e ela não se aguentou mais. Foi-lhe tirado tudo, o amor de Elcana, a esterilidade de Ana, o prazer mórbido do deboche. O círculo do fracasso se fechou. Ana estava grávida. E agora? O que fazer da vida? O que fazer na vida? Para ela estava mais que provado que ter filho não era a grande realização de uma mulher e que o amor humano era a coisa mais incerta do mundo. Foi aí, penso eu, que Penina se desarmou e desabou por completo. E foi também aí que Ele, o Deus que ama incondicionalmente e que tem obsessão por salvar, estendeu a Sua mão. O Deus dos cansados e oprimidos deve ter ido, sim, ao encontro de Penina e lhe oferecido aquilo que realmente é melhor do que o amor de dez Elcanas. Penina, a filha pródiga que investiu o seu coração no sentimento humano, que gastou todo o seu estoque de amor e chafurdava na lama do ódio, da amargura, do ressentimento, estava de volta e Deus foi ao seu encontro. Imagino Penina à mesa de Deus, junto com Ana, sendo agraciada com a porção igual de amor incondicional que é dada a qualquer um, com a porção igual do Amor que está acima de todos os amores. 

Rosane de Castro/Dezembro/2012

Ilustração: "A Mulher que Chora", by Pablo Picasso

Monday, April 18, 2011

Faz-se Monstro!

Vi o vídeo onde Wellington de Oliveira, o assassino das 12 crianças da escola em Realengo (RJ), fala sobre “os corruptos, falsos e impuros”. Havia muita raiva em seu olhar. Através dos seus olhos dá para perceber o ódio que Wellington nutria pela humanidade. Quando seu rosto se aproxima da câmera para desligá-la, seus olhos são assustadores. Na matéria da revista Veja, um dos rapazes que estudou com Wellington, confessa que ele e outros meninos (na época) “zoavam” dele “até não aguentarem mais” e chegaram a colocá-lo dentro de uma lata de lixo. Uma pessoa que leu a matéria ao meu lado disse que esse era exatamente o lugar dele, só que essa pessoa esqueceu que nessa época Wellington tinha apenas dez anos de idade. Wellington era um garoto tímido, reservado, não falava com ninguém. Lembro-me de uma amiga que tive numa das escolas que estudei, a Rosa. Ela simplesmente não falava. Era arredia, excessivamente tímida, vivia num silêncio estranho. No meio de tanto barulho (éramos 40 meninas e meninos dentro de uma sala de aula) o silêncio da Rosa incomodava e a turma a ridicularizava. Menos eu. Devagar, aproximei-me da Rosa e consegui fazer com que ela conversasse comigo. Rosa era filha de uma católica fundamentalista e recebeu ordens para não se misturar com “a ralé do mundo”. Pobre Rosa! Eu era a única menina que ela conversava. Era excessivamente calada, magra e pálida. Não gostava de comer, por isso tinha os ossos salientes e as meninas caiam em cima dela com mil apelidos humilhantes. Eu sentia uma necessidade inexplicável de proteger a Rosa. Discuti com muita colega por causa dela. Na época não sabia o porquê, mas hoje sei que foi por causa das humilhações que sofri num certo colégio de freiras onde estudei antes de conhecer a Rosa. Todos nesse colégio sabiam que meu pai era espírita e quando a turma descobriu, passou a me chamar em alto e bom som, para quem quisesse ouvir de “filha do feiticeiro”. As irmãs não faziam nada e eu me sentia profundamente humilhada. Por causa disso passei a ter um comportamento agressivo e sentir um ódio muito grande da menina que liderava a humilhação. Há uns quatro anos atrás, no auge de uma grande crise de depressão, estava no Shopping Iguatemi quando avistei aquele rosto tão negativamente conhecido. Era ela nos seus quarenta e tantos anos. As lembranças das humilhações vieram e eu não pude evitar a raiva dela e de mim mesma (por ter permitido aquilo). Fiquei olhando de longe, com uma vontade enorme de ir falar com ela e dizer-lhe de todo o sofrimento que ela e aquelas outas crianças me causaram. Mas não fiz. Entrei no banheiro do shopping e chorei. De acordo com depoimentos de familiares e conhecidos, Wellington foi um garoto muito “triturado” na escola, sem contar que sua mãe biológica sofria de esquizofrenia, e por ser incapacitada de cria-lo, teve que entregá-lo a outra pessoa. Será que Wellington herdou os problemas mentais da mãe? Acho que sim. Ninguém, em sua sã consciência, entra numa escola e mata doze crianças só para se divertir. Disseram que ele era terrorista devido a sua admiração ao atentado do 11 de Setembro. Não acho que ele era terrorista, acho que ele era “aterrorizado” com o mundo. Acho que herdou os distúrbios da mãe, misturado com o sentimento de ódio - consequência dos anos de bullying - e do qual não conseguiu se libertar, acabando por tirar a vida de doze adolescentes inocentes, que nada tinham a ver com sua triste história. Pobres meninos e meninas. Pobre Wellington. Pobre sociedade em que vivemos. O mais triste e apavorante de tudo isso é saber que existem muitos wellingtons por aí sendo invadidos pelo sentimento mais destruidor da história humana: o ódio. Existem monstros sendo alimentados, nutridos, não em laboratórios científicos nem pelas mãos de algum Victor Frankenstein, mas no coração de muitos wellingtons espalhados por esse planeta. O ódio não gosta de frios laboratórios nem de robôs. Ele gosta é do coração humano, o seu objeto de maior desejo; vive em busca de gente que sente, pensa e que tem sangue nas veias.

Friday, January 14, 2011

FOI-SE O TEMPO!


Foi-se o tempo em que chuva era sinônimo de alegria. Lembro que eu ficava no portão da minha casa, olhando pro céu cinza, pesado, esperando ansiosamente que ele decidisse abrir as compotas e derramar a chuva tão esperada. Quando os primeiros pingos d’água caíam, ouvia-se a voz de alguém em algum lugar, gritando: “Lá vem chuvaaaaaa!”. Tava tocada a trombeta. Era uma coisa medonha. Dava pra sentir o frenesi do bairro em movimento. Abria o portão quase em desespero e saía correndo pra biqueira que tinha na parede da frente da minha casa. Tinha que ser rápida porque um bando de meninos e meninas ensandecidos, enlouquecidos, afoitos, corria pra debaixo dela, disputando cada pedaço. Ela era bem alta e enorme. Como naquele tempo ainda não tínhamos chuveiro em casa, banhar-se com as mãos livres, sem a cuia, era novidade. Não adiantava argumentar que eu e somente eu tinha direito a ela, pois estava na parede da minha casa. As biqueiras eram os brinquedos mais desejados em dias de chuva e como no Ceará não tem inverno, e sim, chuva de verão, a gente sabia que o aguaceiro terminaria logo, por isso, a disputa pela biqueira se tornava tão acirrada. Tinha também o corre-corre das mulheres em direção ao quintal. Corriam com baldes, bacias, panelas, para aparar água da chuva. Essa água era armazenada, guardada com carinho, pois tinha a importante função de lavar cabelos. Diziam que era água pura, limpa, pois vinha de Nosso Senhor. Eu não entendia porque elas não faziam comida ou remédio, afinal, era água diretamente da fonte divina, devia ser milagrosa. Ainda tenho nas minhas lembranças olfativas o cheiro do Neutrox, o condicionador mais famoso da época. Enquanto as mulheres corriam pros quintais, os homens corriam pros balcões das bodegas, onde bebiam cachaça com tira-gosto de avoante, numa irmandade poucas vezes vista. Também não entendia porque tiravam o gosto da cachaça se gostavam tanto dela. Chuva era festa. Trazia alegria, diversão, feijão verde, milho, fruta, fartura. E quando terminava o ciclo das chuvas, vinham as festas juninas e as chuvas do caju. Meu pai, nascido no Cariri, ficava tão contente que contratava cantadores de viola para se apresentar na sala da minha casa, transformando-a num auditório. Quase todo o bairro vinha ouvir a dupla de repentistas que se confrontava com muita criatividade. Colocavam uma bacia de alumínio diante dos dois violeiros. Quem gostasse atirava moedas. Ainda ouço o barulho delas caindo na bacia. Foi-se o tempo. Hoje, chuva dá medo, gripe, dengue, leptospirose, casa desabando, gente desabrigada, revolta, morte. Hoje, chuva mata, quem podia imaginar uma coisa dessas? As biqueiras altas, aquelas que pareciam cascatas, não existem mais, estão rente ao chão, humilhadas. Não são mais brinquedos, nenhuma criança disputa seu espaço, a função delas é simplesmente jogar a água da chuva na calçada, não são mais canais de alegria, são meros objetos de necessidade. As mulheres dessa nova geração nem sabem que um dia suas mães e avós lavaram os cabelos com a santa água que descia do céu e que a noite chuvosa foi testemunha de cabelos cheirosos que seduziam, produzindo suspiros de amor e muito menino.

Rosane de Castro/Janeiro/2011

Tuesday, January 11, 2011

DESCALÇA E DIVERTIDA


Ler “Fortaleza Descalça”, de Otacílio de Azevedo, é qualquer coisa de muito bom. Crônicas leves e divertidas, cheias de informações sobre Fortaleza antiga, ainda do tempo que a cidade nem calçamento tinha, daí o título. A cidade nem chinelos possuía, mas era dona de um balaio de histórias engraçadas. Uma delas é sobre o Bembém, dono de uma garapeira situada na Praça José de Alencar. Garapeira era onde se vendia caldo-de-cana, naquele tempo chamado de garapa. O Bembém juntou grana durante anos e realizou seu sonho de conhecer Paris. Voltou impressionado por todo mundo lá falar francês, até as crianças, e a única pessoa que falava português como ele era um homem chamado Cicerone, que o acompanhava por tudo quanto era lugar e a única palavra em português que ouvia sair da boca do povo era “mercibocu”. Quando voltou, tratou de mandar fazer uns cartões com o nome do estabelecimento afrancesado. A Bembém Garapeira virou “Bien Bien Garapière”. E tem a crônica do “Cajueiro Botador”. A árvore ficava na Praça do Ferreira. Nela se pregava no tronco (e pendurava em seus galhos) tabuletas com anúncios, endereços de lojas, declarações de amor, protestos, etc. À sombra do Cajueiro Botador havia encontros de intelectuais, políticos, desocupados, ricos e pobres; todos se tornavam iguais quando se viam sob o velho cajueiro, retirado da praça por ordem do prefeito Godofredo Maciel, em 1920. Conta o cronista que todo ano, no primeiro de abril, dia da mentira, havia uma festa de arromba debaixo da famosa árvore, com direito a Banda da Polícia e tudo. Como era o dia da mentira, as tabuletas traziam as mais mentirosas e estapafúrdias notícias. Era um divertimento só. Outra crônica interessante é a descrição da primeira versão da Igreja Coração de Jesus. Um luxo! Foi construída pelo Barão de Aratanha, cunhado de Juvenal Galeno, a pedido de D. Luís, primeiro arcebispo de Fortaleza. Otacílio de Azevedo fala com muito carinho do sino da igreja e do Frei Marcelino de Milão, que, coincidentemente, mamãe conheceu. Conta a minha mãe que freqüentava os bastidores da igreja porque minha bisavó, Maria de Castro, era da Ordem Terceira. Não sei do que se trata essa “Ordem Terceira”. Nem minha mãe lembra. Só sabe que sua avó dizia com muito orgulho que era desse negócio aí. Frei Macelino era bem velhinho e mamãe, bem novinha, tinha cinco anos. A família estava dividida entre católicos e espíritas, coisa que preocupava muito minha bisavó. Em uma das visitas, o velho frei perguntou a minha mãe:
- Isoldinha, minha filha, você é espírita ou católica?
- Sou paulista! - respondeu mamãe inocentemente, pois sabia que nascera em São Paulo.
- Tá vendo, Mariazinha, ela não é nem católica nem espírita, é paulista – divertia-se o frei.
by Rosane de Castro/Janeiro/2011

CHOQUE DE PROMOTORES

Abri a porta da secretaria da faculdade e ela estava lá, sentada de frente pro computador, um ancião cansado, de passos lentos e memória quase parando. O próprio velho PC já não se suporta mais, vive clamando aposentadoria, desejando com ardor ser encostado e esquecido em um canto qualquer. E o modo como protesta é simplesmente não funcionando em momentos de extrema necessidade. No entanto ela o olhava com conformada paciência, esperando ele desistir da rebeldia e iniciar o trabalho. Nem o velho PC resiste aos encantos da dona Socorro. A paciência é uma das virtudes perceptíveis dessa mulher que tanto admiro e a quem, carinhosamente chamo de professora. Há anos está à frente da direção da Faculdade Contemporânea do Ceará e é respeitadíssima, não somente devido à inteligência, delicadeza e à disposição em ajudar, mas por ser um dos maiores testemunhos vivos de coragem que conheci. A professora Socorro lutou contra um câncer de mama por alguns anos e venceu. Nunca se deixou abater e nos tempos de quimioterapia ia trabalhar cheia de alegria, se dizendo feliz por ter condições psicológicas de lutar contra a enfermidade enquanto muitos, só com a notícia, mergulham na mais absoluta depressão. Jurou que o câncer não a venceria e cumpriu. É o tipo que ri de tudo e por ter enfrentado tudo que enfrentou, leva a vida na “maciota”, sempre dizendo que pra tudo há solução. Acredita que não existe problema “irresolvível” e diz que até mesmo a morte pode ser adiada por longo tempo (ela que o diga).
Dia desses chegou à faculdade às gargalhadas. Estacionou seu possante cor prata e desceu com cara de menina sapeca, com aquela expressão infantil de quem aprontou algo. Contou que vinha na Santos Dumont, dirigindo meio distraída, com a atenção levemente afastada da realidade, quando sentiu seu carro “dar um selinho” na traseira de um importadão preto, quatro portas, vidro fumê, carro de gente com bastante grana. Tomou um susto, mas percebeu que não fora nada, apenas uma encostadinha de leve. A porta do importado abriu e desceu um homem elegante, de paletó e gravata, com cara de poucos amigos. A professora desceu disposta a mostrar que não havia acontecido nada, que foi apenas uma encostada, nada demais. Os dois olharam a traseira do carro e ela viu que estava tudo bem. Porém, o sujeito tava estressado, afobado, indignado por alguém ter encostado no seu belo carro, sem falar que eles estavam no meio da avenida, parados, atrapalhando o trânsito que já se impacientava.
- Ô minha senhora, olha só o que a senhora fez! – disse o ricaço, meio afetado.
- Ô moço, foi só uma encostadinha de nada! Tá tudo bem! – respondeu a professora na maior calma.
- Tudo bem??? A senhora bateu na traseira de um carro do ano, importado, caríssimo. Vamos chamar a perícia!
- Que é isso, rapaz, deixa de besteira, não aconteceu nada com seu carro. Se fosse o contrário eu nem ia perder meu tempo discutindo!
- Besteira? A senhora tá me chamando de besta? – o homem ficou nervoso de verdade – A senhora sabe com quem está falando? Saiba que eu sou promotor!
Tranquilamente, dona Socorro respondeu:
- Se for por isso, também sou promotora. O senhor é promotor de quê?
- De justiça, claro! E a senhora?
E a dona Socorro, na maior cara de pau: - Da Avon!
O estressado simplesmente foi mais um que não resistiu. Caiu na gargalhada. E a dona Socorro também, claro. Os dois ficaram por um bom tempo rindo, deixando os transeuntes sem entender o que estava acontecendo com aqueles dois malucos se acabando de rir em plena Santos Dumont, alheios às buzinas insistentes e nervosas.


by Rosane de Castro/Janeiro/2011

Sunday, November 28, 2010

MORTE AO PRECONCEITO E À INTOLERÂNCIA!


A foto ao lado (uma de muitas outras) mostra pichação agressiva e ameaçadora feita na parede de uma igreja inclusiva localizada perto da minha casa. Para quem não sabe, as igrejas “inclusivas” (a palavra já se faz entender) incluem, acolhem pessoas excluídas das camadas sociais tradicionais. No caso dessa igreja da foto, 90% dos seus membros são homossexuais. O templo tem sido vítima de manifestações preconceituosas na calada da noite, portanto, covardes. Quem quer que esteja por trás de tais agressões sabe que tal atitude vai contra a liberdade religiosa oferecida pela constituição brasileira, caso contrário, se faria conhecer. Particularmente, sou a favor da liberdade que todo cidadão tem em discordar sobre algo, porém, de forma pacífica e respeitosa. Ninguém, por lei, pode proibir que pessoas livres se reúnam para expressar sua fé, seja quem for. Luther King uma vez falou que a injustiça em um lugar pode ameaçar a justiça em todos os lugares. Calar em relação à manifestação agressiva sofrida pela igreja inclusiva pelo fato de ser uma “igreja para gays” abre a porteira da intolerância em todos os setores. Por isso o meu repúdio e o meu protesto. A igreja inclusiva tem todo o direito de existir!

Thursday, October 28, 2010

INTOLERÂNCIA NÃO, MAMÃE!

As igrejas evangélicas estão virando “curral eleitoral” e desenvolvendo silenciosamente, cada uma ao seu modo, uma tirania, uma espécie de “ditadura gospel”. Tenho conversado com evangélicos que irão votar na candidata do PT, Dilma Rousseff, mas não assumem de jeito nenhum. Estão calados, acabrunhados, com receio de serem rechaçados dentro de suas respectivas denominações. Nas igrejas pentecostais o medo está na disciplina pastoral, no afastamento de cargos, caso a “blasfêmia” que é votar em Dilma Rousseff venha a ser descoberta, sem contar com a crítica e rejeição dos irmãos (o mai doloroso de tudo), ou seja, discriminação ampla, geral e irrestrita. Nas igrejas batistas o medo não reside no pastor (na que eu congrego, por exemplo, o pastor deu liberdade de voto), e sim, em membros antigos, bem conceituados, mas que, infelizmente, não se deixaram moldar no quesito democracia, liberdade, respeito por aquele que pensa diferente. Estava com adesivos do PT dentro da mochila e tive a idéia de fazer um teste. Ofereci a alguns que eu sei que votarão no PT e eles não aceitaram, dizendo que “fulano e sicrano” ficam com raiva quando alguém na igreja manifesta a intenção de votar em Dilma Rousseff e não querem confusão com essas pessoas. Fulano e sicrano são os membros bem conceituados que citei há pouco; fulano e sicrano são pessoas que eu gosto; fulano e sicrano não são pessoas ruins, muito pelo contrário... Por que será que isso acontece? Minha melhor amiga tem horror ao PT, mas eu a amo assim mesmo, afinal, ninguém é perfeito... rsrs... Quando a gente se encontra nesses dias de campanha eleitoral, simplesmente não tocamos no assunto política, a gente só fala de Jesus, o exemplo único de tolerância que este planeta já teve o prazer e o privilégio de conhecer. Sei que existem petistas intolerantes e desrespeitosos, assim como psdbistas. Não estou aqui para elogiar e criticar um ou outro, mas para defender a liberdade, a amizade, o respeito. Na Bíblia existem quatro evangelhos escritos por quatro evangelistas, Mateus, Marcos, Lucas e João, respectivamente. Cada um apresenta Jesus de forma diferente, apesar das semelhanças; cada um tem seu ponto de vista sobre Jesus. Será que discutiam acerca das diferenças? Será que compreendiam a harmonia que havia em tais diferenças? Acho que sim e acho também que havia rspeito.
Outro caso notório na Bíblia era a diferença entre Pedro e Paulo. Pedro teimou em pregar somente para judeus, enquanto Paulo pregou para os gentios. Por causa da sua intolerância, Pedro não teve condições de sair de Israel, enquanto Paulo ganhou o mundo para Jesus. Mas nem por isso O Senhor abandonou Pedro ou deixou de usá-lo em Israel. Jesus usou os dois na Sua obra, mas é notório que o que teve mais tolerância (Paulo) deixou um legado muito maior, fez mais amizades, conheceu outras culturas, viajou muuuuuuito e teve oportunidade de falar de Jesus de forma absolutamente abrangente. Eu voto Dilma, mas se o Serra ganhar vou ficar triste, claro, porém, essa tristeza vai durar somente alguns dias. Sei que como cristã tenho que orar por quem estiver no poder, seja direita ou esquerda, pois a vida continua e sei também que Jesus é O Senhor da minha vida, meu Candidato Eterno, em quem voto todos os dias, pedindo para que Ele reine em mim pra sempre.

Viva a Democracia! Viva a liberdade que Deus nos deu!

Rosane de Castro/Outubro/2010

Tuesday, October 19, 2010

COVARDIA

O modo como pastores e padres andam espalhando calúnias a respeito da candidata do PT, Dilma Rousseff, é VERGONHOSO. Dizem que a igreja cristã brasileira tem FÉ DEMAIS. Pra mim, ela FEDE MAIS do que nunca. Mais do que quando apoiou a Ditadura Militar - pois comunista era coisa do demônio - e calou sobre a morte por tortura de milhares de brasileiros; mais do que quando apoiou Adolf Hitler na Alemanha, fazendo vista grossa para a morte de milhões de judeus e dando apoio total a prisão e morte por enforcamento do teólogo Dietrich Bonhoeffer, que foi um dos poucos a não aceitar o Nazismo.
Sempre que a igreja se mete em política, é somente para colocar no poder gente retrógrada, preconceituosa e desonesta.
O Brasil não pode voltar ao passado. É pra frente que se caminha.

Rosane de Castro/Outubro/2010