Aninha percebeu meu carinho pelo fogão da sua mãe e me convidou a ir até a casa onde seu pai nasceu e ver um típico fogão à lenha. É que o fogão da Raimundinha foi revestido de cerâmica. Você já viu um matuto de verdade, metido num terno e gravata, no meio do roçado? É o fogão à lenha da Raimundinha. Todo arrumado, todo querendo ser moderno, porém, adornado por aquelas panelas “carimbadas” pelo tempo, amassadas, com resquícios de carvão, que fazem a comida parecer mais gostosa.
A Ana quis me mostrar um original, com a idade de 84 anos, um matuto vestido de matuto. Descemos uma ladeira íngreme, cheia de pedras, por entre o bananal e tocamos pra lá. Que casa maravilhosa surgiu diante dos meus olhos deslumbrados. Absolutamente sertaneja; preservada em quase tudo. Digo em quase tudo, porque quando fomos para a cozinha ver o fogão à lenha já ancião, ele não estava mais lá, não existia mais. Alguém mandou demolir o velhinho. Os olhos da tia da Ana se encheram de lágrimas quando contou como e porque ele foi demolido. O olho dela não via mais o velho fogão e a saudade ruim, aquela que dói, remoia seu peito. Falou do fogão como se fala de um bom amigo, de um bom companheiro que morreu e deixou muitas saudades. Às vezes, o que os olhos não vêem o coração sente dobrado. A casa é linda, mas sem o fogão é como se ela não tivesse alma. Roubaram a alma da pobre casa. Ele se foi e deixou como prova de sua existência o preto da fumaça nas telhas, o cheiro de lenha queimando e embriagando o ar. Pobre casa desfalcada! Como adentrar no céu das iguarias, da comida cheirosa e gostosa sem um fogão à lenha? Mas Deus é Pai, Bom e Misericordioso, pois adornou as mãos da Dona Fransquinha (tia da Ana e moradora da casa) e as fez independente de fogões. Não é que ela nos ofereceu uma galinha caipira com pirão de farinha feito do caldo, daqueles de fazer nego chorar de alegria? E feito num fogão a gás? Que delícia, meu Deus! Depois peguei um caneco de alumínio bem areado, mergulhei no fundo do pote e bebi a água mais gostosa da minha existência. Podia dizer do Salmo 23 “preparas uma galinha caipira para mim na presença dos meus amigos, unges o meu coração de alegria, o meu copo transborda de prazer”.
A ausência do fogão foi compensada pelo restante da casa. Portas com trancas de madeira; piso de antigas lajotas de barro, daquelas que se tem que “aguar” quando o dia tá quente. A pia de lavar louça ainda é a janela da cozinha que dá para o quintal, com a bacia de alumínio sustentada por uma mesa de ripas de madeira. As esponjas de lavar panelas ainda são as buchas vegetais e as cabaças ainda servem de recipientes. “Ainda” é uma palavra que cabe muito bem na velha casa da Serra do Lajedo. Lá, as coisa boas e antigas “ainda” funcionam, menos o velho e saudoso fogão à lenha.
Quando a gente conversa com a dona Fransquinha, a gente entende que modernidade não a impressiona, não a escraviza. Ela é livre. A geladeira está lá e ajuda a preservar os alimentos, mas quando a goela pede água é o pote que reina. E por falar em reinado, bem no alto do monte coberto de bananeiras que fica ao lado da casa, impera soberana e absoluta uma gigantesca rocha, que mais parece um altar judaico. A gente olha para o alto e ela está lá, imponente, soberba, nos lembrando da nossa pequenez. Parece que flutua e temos a impressão que ela poderá rolar na primeira chuvarada que der, mas está lá há anos, escultural e bela. Fiquei com vontade de subir, deitar óleo nela e adorar ao Criador. Jesus diz que devemos construir nossa casa sobre a rocha, pois só assim as tempestades não a derrubam. O avô da Ana levou esse conselho ao pé da letra. A senhora casa de 84 anos foi construída sobre pedras imensas, sobre os lajedos ofertados pela Natureza. A casa é simples. Suas paredes são brancas, seu chão e teto, de barro, matéria-prima que Deus usou para fabricar o Homem, mas seus alicerces são rochas. Parece com aquela pessoa que ama O Senhor de coração. Tem aparência frágil e simples, mas sua vida é alicerçada nos lajedos divinos, na Rocha Viva que está no céu.
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