Thursday, June 28, 2007

Gotas de Sofia - O Bêbado e a Equilibrista


Estava, como sempre, na Praça do Ferreira, num fim de tarde maravilhoso. Esperava Mirna. Tínhamos combinado um cappucino e eu sentei no lugar onde costumamos nos encontrar. De repente, sentou ao meu lado um bêbado, daqueles sujos, mal cheirosos, indesejáveis. Sentou e ficou. Aos poucos, as pessoas que estavam sentadas foram levantando e só eu fiquei. Eu tenho a mania de gostar de conversar com pessoas desconhecidas, saber o que elas pensam; gosto de ouvir, afinal, tem um pensamento que diz se temos dois ouvidos e uma boca é porque devemos ouvir mais e falar menos. Sempre aprendemos quando paramos para ouvir, mesmo que seja aprender o que NAO devemos fazer. O escritor Rubem Alves disse numa entrevista que poucas pessoas sabem ouvir porque ouvir é complicado, pois exige que os outros sentidos sejam silenciados. Estranhamente senti vontade de conversar com o sujeito completamente embriagado que estava do meu lado. Iniciei o diálogo com um olhar. Ele já foi me pedindo um real para comer alguma coisa, argumentei que não acreditava que ele fosse comer e que sabia que iria beber. Ele disse que eu estava certa, queria mesmo era beber uma. Iniciamos a conversa. Falei pra ele do AA (Alcoólicos Anônimos) e ele disse que não tinha a menor vontade de parar de beber. Contou-me que já tinha sido do exército e muito bem casado. No inicio bebia socialmente; como morava numa casa grande, nos finais de semana recebia os amigos em casa para churrascadas e, claro, muita cerveja. Era tudo muito bom, ele disse, ganhava bem, tinha regalias por ser do exército, uma boa esposa e um filhinho que amava muito. Um dia, ele bebeu umas cervejas e saiu com o filho no carro. O garoto, que ia no assento do lado, pediu pra ele correr, no que ele atendeu. No desejo de brincar com o filho, de mostrar que era "o cara", meteu o pé no acelerador e só lembra do carro virando e do garoto ser cuspido para fora. O menino morreu na hora. Tinha oito anos. Por causa desse acidente seu casamento acabou - a esposa o acusava - e ele caiu de vez na bebida. Abandonou o exército e a vida. Disse que não se matava porque era covarde. Perdeu tudo, filho, esposa, e dos irmãos não queria saber, queria, sim, beber até morrer. Sentia-se culpado e a única coisa que aliviava seu sentimento de culpa era álcool. Confidenciou que praticava pequenos furtos para garantir a bebida e sempre se dava mal. Dei a idéia de ele buscar a Deus e ele disse que Deus não existia. Percebi que ao tocar no assunto sobre Deus, ele ficou com expressão de revolta que depois foi se transformando e seu rosto foi ficando mais sereno. Falei que eu também tinha sido alcoólatra, que tinha perdido pessoas que amava e ele chorou. Nessas alturas da conversa o efeito da bebida havia passado. Ele confessou que havia no seu coração um pouquinho de vontade de ver sua vida reestruturada, mas achava impossível. Ele tinha sonhos. Mirna chegou e fomos tomar o cappucino combinado. Quando eu saía, o homem disse: - Obrigada por conversar comigo; Deus lhe abençoe! - Fiquei tocada e não me saiu da cabeça o fato de saber que ninguém, por pior que seja a situação, deixa de sonhar, condição inerente ao ser humano. Eu tenho os meus sonhos. Aquele homem me ajudou. Ficava me perguntando pra que sonhar, se meus sonhos não irão realizar-se mesmo. Quem disse que não? O sol ainda nasce, a chuva ainda cai, eu ainda respiro. Isso traz á realidade a velha frase "enquanto houver vida, há esperança".Também aprendi outra coisa: cada bêbado, mendigo ou desvalido que encontramos, neles existe uma historia a ser contada, a ser ouvida, a ser aprendida. A vida é uma corda bamba e necessitamos de equilíbrio. Todos somos equilibristas e, como somos imperfeitos, precisamos de algo que nos ampare, pois quedas sao inevitaveis. Deus tem de ser o equilibrio da nossa vida e o nosso ajudador quando cairmos. Com Deus nos equilibrando, não haverá quedas fatais e sim, um novo começo de algo bom que estará para acontecer.

Wednesday, June 27, 2007

Gotas de Sofia - Defeito Necessário


O prédio em que trabalho tem vinte andares e dois elevadores (foto). Eles estao sempre em manutenção, isto quer dizer que quase sempre há longas filas de espera. É irritante, dá um desânimo ter que descer para fazer uma coisa simples como lanchar, por exemplo. Mas tudo bem, já tô acostumada.
Outro dia soube que o elevador de um outro prédio despencou do segundo andar devido o cabo ter quebrado. O homem que se encontrava no elevador estava muito mal na U.T.I. Fiquei impressionada. Sempre reclamo dos elevadores do meu prédio que só vivem dando defeito, mas agora dou graças a Deus.
É que conversei com um técnico em elevador e ele disse que o elevador que caiu “nunca dava defeito”, por isso mesmo eles não davam manutenção, afinal não precisava.
Segundo o mecânico de elevadores, este foi exatamente o erro do síndico, como o elevador não apresentava defeito, a manutenção não era acionada. Quis economizar e acabou tendo um prejuízo maior.
Por dar muito defeito, os elevadores do prédio em que trabalho estão sempre em manutenção, daí eles nunca terem caído, pois todas as vezes que eles enguiçam, o mecânico sabe se tem algum outro defeito grave. Fiquei tranqüila e agora quando o elevador demora muito a quebrar, fico preocupada, ansiosa por um defeitinho.
Acho que assim acontece com as pessoas. Quando aparentam perfeição demais temos que desconfiar. No dia que der defeito, a coisa é feia. Do mesmo modo que não existem elevadores perfeitos, também não existem pessoas perfeitas.
Pensando bem, sou que nem o elevador do meu prédio: preciso estar sempre em manutenção, fazer introspecções dos meus defeitos e procurar vencê-los. Tenho sorte de ter acesso rápido e confiante ao fabricante. Deus me conhece e sabe onde preciso de conserto. Por isso, todas as vezes que enguiço em alguma área da minha vida, fecho os meus olhos e peço ajuda a Deus. Mesmo que demore, o conserto vem. É só esperar.
Nota de Sofia: Olha aí o prédio que trabalho. Dá pra imaginar o elevador despencando lá de cima? Quem fotografou fui eu.

Rapidíssimas - Frases


"Somente onde há sepulturas há também ressurreições" (Nietzsche).

"Dizer que tudo um dia ficará bem é nossa esperança. Dizer que tudo vai bem hoje é nossa ilusão" (Voltaire).

"Não lemos o que lemos. Lemos o que somos" (Bernardo Soares).

"'Carp Diem' quer dizer 'colha o dia'. Colha o dia como se fosse um fruto maduro que amanhã estará podre. A vida não pode ser economizada para amanhã. Ela acontece sempre no presente" (Rubem Alves).

Tuesday, June 26, 2007

Gotas de Sofia com Ledo Ivo

Sou um sobrevivente na passagem entre o dia e a noite. Onde estão as figuras de antigamente, em que estrelas, em que túmulos se esconderam? Gari implacável, a vida varre os sonhos dos homens e, na praça vazia, vagam os fantasmas dos fracassos dissimulados e dos gordos perjúrios. Sozinho na grande cidade que engole as promessas dos homens, vejo-me passar de repente no jovem poeta desconhecido que atravessa o meu caminho. Deixo de ser eu mesmo para ser, por um instante, o jovem poeta sem nome. Que ele seja fiel à sua promessa de agora, eis o que peço. Que ele seja uma dessas criaturas para as quais nada é perdido, segundo a lição de Henry James. Mas a quem dirigir esse pedido ? Os deuses inexistentes não me ouvem. À vida cega e surda? Ao mar longínquo e mudo? O jovem poeta Ledo Ivo dilui-se na sombra da tarde. E anoitece.

Saturday, June 23, 2007

Gotas de Sofia com Jacques Prévert - O Gato e o Pássaro

Uma cidade escuta desolada
O canto de um pássaro ferido
É o único pássaro da cidade
E foi o único gato da cidade
Que o devorou pela metade
E o pássaro deixa de cantar
O gato deixa de ronronar
E de lamber o focinho
E a cidade prepara para o pássaro
Funerais maravilhosos
E o gato que foi convidado
Segue o caixãozinho de palha
Em que deitado está o pássaro morto
Levado por uma menina
Que não pára de chorar
Se soubesse que você ia sofrer tanto
Lhe diz o gato
Teria comido ele todinho
E depois teria te dito
Que tinha visto ele voar
Voar até o fim do mundo
Lá onde o longe é tão longe
Que de lá não volta mais
Você teria sofrido menos
Só tristeza e saudades
É preciso nunca fazer as coisas pela metade
Nota de Sofia: O título desta foto é "Asas da Imaginação".

Thursday, June 21, 2007

Gotas de Sofia - Não Foi Nada Engraçado!

Quando eu era menina, adorava "andar de carro" com o Dim, meu irmão por parte de pai. Ele era divertido, moleque, brincalhão, mulherengo e bebedor. Lembro que quando íamos no carro, ele cantava alto e pedia pra eu acompanhar fazendo percursão improvisada: a porta do carro. Dizia que eu tinha jeito pra tocar bateria.
Eu cresci e me tornei boêmia como o Dim. Por causa dessa boemia em comum nos tornamos muito amigos e saíamos juntos vez por outra. Uma vez, doidos pra farrear, roubamos o carro do nosso pai; de volta da farra, vinhamos na "Zeba" (como é hoje conhecida a Av. José Bastos), tínhamos enchido a cara com "batida de banana" (arghhh) e o Dim meteu o pé no acelerador, fazendo o carro voar. Ele cantava alto e eu, como sempre, acompanhava na percursão improvisada. De repente, a direção do carro se escondeu em algum lugar, o Dim a perdeu e o carrinho, um Fiat azul, (daqueles primeiros), abraçou uma árvore "zebastiana" com todo o gás. Lembro que quando o carro estava correndo pros braços da árvore, senti o braço do Dim segurar meu peito como um cinto de segurança, pois naquele tempo ninguém usava cinto e se usasse, era um tremendo "zé mané". Como ele me protegeu com seu braço, nao sofri nenhum dano, já ele...
Veio a pancada, estilhaços de vidro e o rosto do Dim coberto de sangue. Quando vi a cara do Dim toda vermelha, toda ensanguentada, tive uma crise de riso. Ri tanto que o pessoal que correu pra ajudar achou que eu tava doida, mas eu tava era muito nervosa.
Fomos levados para o hospital e o Dim teve que amargar dias de cama sem mulher e sem bebida. Jejum sexual e alcoólico total.
A lembrança dessa batida de carro me trouxe á memória um incidente (não acidente) quase igual, só que com pessoas diferentes. Minha amiga Jô me levou pra passear de jeep pela recém-inaugurada Beira-Mar. Éramos adolescentes e fomos uma turma no jeep de um amigo, do qual não recordo o nome neste momento. Estava eu, Jô, Jaqueline, Geny e o motorista do jeep de capota aberta - um desbunde pra época - passeando na praia. A gente ía pra cima e pra baixo, rindo, gritando naquela algazarra de gente demasiadamente jovem, quando a direção quebrou. Olhei e vi o tal rapaz literalmente com a direção na mão, solta no ar. Foi um desespero coletivo, menos da Jô, é claro. Sabe o que aconteceu? A Jô teve uma das suas sádicas crises de riso; ria da minha cara vermelha de medo e da Geny, que chorava dizendo: - Oh, meu Deus... Vou morrer sem a tia saber...
A tia da Geny era a Dona Dulce, que a criava.
Não sei como aquela direção voltou ao lugar. O jeep foi controlado e graças a Deus, não houve nada, mas a Jô passou anos rindo da frase desesperada e desconexa da Geny.
Voltando ao Dim, a maneira como ele me protegeu na noite da batida sempre esteve na minha memória e no meu coração. Isso aconteceu no ano de 1981, eu tinha dezenove anos.
Eu deixei de beber, larguei as farras e por isso o Dim deu uma afastada de mim, os nossos mundos tornaram-se muito diferentes, mas eu sei que ele nunca deixou de me amar.
Hoje é quinta-feira, 21 de junho de 2007. De segunda para terça, ás 1:30 da madrugada, acordei com o grito da minha irmã, que mora ao lado. "Meti os pés" e quando saí na rua, vi o Dim deitado na calçada, em frente a casa dela, morrendo numa parada cárdio-respiratória. Tentamos reanimá-lo, enquanto vizinhos que também ouviram o grito, chamavam táxi e ambulância, mas quando chegaram era tarde demais, o Dim estava morto.
Dias atrás ele havia saído do hospital. Devido á bebida alcoólica, ganhou uma cirrose e por causa do cigarro, um efizema pulmonar. Parou de beber, mas continuou fumando, disse que o cigarro, não largaria nunca. Pobre Dim. Fez a escolha errada.
A memória tem o dom de ressuscitar palavras, ações, que julgamos ter esquecido. Enquanto tentava reanimá-lo, lembrei quando ele, há muito tempo atrás, me disse que gostaria de morrer ao ar livre, olhando para as estrelas, não num hospital. Seu pedido foi atendido.
Meu coração tá muito apertado. O Dim me protegeu colocando seu braço no meu peito na noite da batida e eu nada pude fazer com o meu braço em seu peito na noite da sua morte. O coração do Dim não quis saber, parou de bater e dessa vez não houve crise de riso, e sim, de choro, de profunda tristeza e pesar.

Dessa vez, não foi nada engraçado!

Friday, June 15, 2007

Gotas de Sofia com Adélia Prado - O Sempre Amor


Amor é a coisa mais alegre,
amor é a coisa mais triste,
amor é coisa que mais quero.
Por causa dele falo palavras como lanças.
Amor é a coisa mais alegre,
amor é a coisa mais triste,
amor é coisa que mais quero.
Por causa dele podem entalhar-me,
sou de pedra sabão.
Alegre ou triste,
amor é coisa que mais quero.


Nota de Sofia: Adélia, Adélia, Adélia!
Adega, Adega, Adega
de palavras,
que o tempo torna melhor.
Ilustração: Foto da lua feita por Sofia.

Wednesday, June 13, 2007

Gotas de Sofia - O Parto


Elas moravam na "rua dos trilhos", hoje Tristão Gonçalves, bem no centro de Fortaleza. Segundo minha mãe, o bonde passava bem em frente à casa que fora herança do pai das três irmãs solteironas, e mulher solteira naquela época ou seria freira ou ficava no "caritó".
Pois bem, Estela, Isa e Cora eram três moças solteiras que moravam na mesma casa e as histórias de suas solteirices eram das cômicas às dramáticas. Uns diziam que a primeira fora abandonada no altar e assim perdeu o gosto pelo amor; a segunda não tendo o consentimento do pai para casar-se com o homem amado, decidiu não querer conhecer as delícias e as dores do matrimônio com outro; e a terceira, por livre-arbítrio (que Deus a todos dá), resolveu ficar solteira, e assim, sem o saber, foi uma das pioneiras na emancipação feminina cearense.
Cora era uma moça solteira por livre e espontânea vontade, em plena Fortaleza provinciana, arcaica e de população faladeira. Ainda no tempo em que a Praça da Lagoinha era uma pequena lagoa (daí a origem do nome) onde vacas e cavalos iam matar a sede, e que abacaxi era chamado de "ananás".
Cora, a mais nova e a única extrovertida e alegre do trio, com esse "gesto de liberdade", mostrava que tinha o sangue do pai, Theodorico de Castro, abolicionista convicto, que comprava escravos (os poucos que existiam no Ceará) e os alforriava, para espanto dos amigos e preocupação da família, pois o antiescravocrata, um dos fundadores da Sociedade "Liberdade e Porvir", não era homem de muitos recursos. Ficavam espantados com o ato, no que ele respondia:
- Que é que tem? O dinheiro não é meu? - E assim, em nome da liberdade dos negros, a família foi ficando mais pobre.
Um dia, as três ficaram sem o pai abolicionista, sem a mãe, casaram-se os irmãos e a solteirice tornou-se o elo que unia Estela, Isa e Cora. Continuaram morando na rua dos trilhos iluminada por lampião à gás, vendo o tempo embranquiçar-lhes os cabelos e assistindo a chegada do progresso que, para quem começa a viver é essencial e motivo de orgulho, mas para quem está a meio caminho da vida, é o comboio onde se vê partir a própria história e os velhos e cômodos costumes.
As irmãs, rodeadas pelas mudanças que foram pouco a pouco tomando conta de Fortaleza, mantinham-se resistentes na velha casa de quintal diminuído, devido a venda da metade do terreno para que o pai custeasse seu sonho de liberdade. Então, a primeira coisa que viram ir embora foram os pés de sapoti, manga-rosa, genipapo, manguita, siriguela, goiaba, abacate, cajarana, romã, cajá e tantas outras frutas que diariamente viravam saborosos sucos. Logo depois foi a vez da bodega do Chico Ramos, que ficava na esquina da Pedro Pereira, onde crianças saboreavam alfinins e rapazes conquistavam as moças de família comprando tijolinhos em forma de coração, por 400 réis e os enviavam às beldades, junto com românticos bilhetinhos. A velha bodega fechava suas portas para dar lugar e uma das primeiras lojas de tecido.
Já não mais se ouvia o grito da negra velha, filha de escravo, rainha do congo, que já caduca, acusando o filho de lhe ter roubado e vendido a folclórica coroa para beber cachaça, gritava ensandecida:
---- Chicoooooooo, me dá minha coroa, Chico!!!
Ou a voz estridente do vendedor de mel que gritava a plenos pulmões:
---- Meeeeeeeellll, olha o meeeeeel!
A Praça da Lagoinha também foi sendo lapidada pelo progresso, não para ser transformada numa jóia da arquitetura urbana, mas para tornar-se uma escultura grotesca e de extremo mau gosto.
Estela, a saudosista, sentava-se na sala da casa, na mesma cadeira que o pai costumava sentar para falar dos malefícios da escravidão e ficava a lembrar-se e a quase ouvir a banda de música da polícia que tocava no coreto da praça todos os domingos. Chamavam esse acontecimento de "retreta".
---- Vai ter retreta hoje na praça - avisavam os transeuntes, felizes da vida.
As três irmãs ouviam a retreta sentadas num banco de madeira bem no centro da praça, que era divida. O centro da praça era exclusivo às famílias, e lá, as domésticas não podiam transitar. Eram-lhes permitidas somente as pontas da praça, onde não havia bancos.
A música vinha inocente, misturada ao perfume das boas-noite brancas e das patiulís, que impregnavam o ar das noites cálidas de Fortaleza.
Assim, Estela, Isa e Cora foram envelhecendo, envelhecendo e não se sabe se feliz ou infelizmente, foram ficando para ver a rua dos trilhos tornar-se Avenida Tristão Gonçalves, os automóveis tomando o lugar do bonde, o asfalto chegando, a praça tornar-se a "praça dos malandros" e as lojas aglomerando-se qual uma favela comercial.
Estela era vegetariana convicta, defensora exagerada do sexto mandamento "Não matarás". Não admitia assassinato nem de barata, para desespero de Cora e Isa, que viviam às turras com a irmã, porque esta se recusava a matar o repugnante inseto. Quando via Isa com um chinelo na mão, pronta para começar o holocausto, corria e segurava os braços da carrasca de baratas.
---- Você não quer viver, Isa? Não gosta de viver? Então deixe nossas irmãs inferiores viverem também -- bradava defendendo o estranho parentesco.
---- Irmãs inferiores? Só se forem suas, porque minhas não são, não! -- respondia Isa indignada, com chinelo em punho, disposta mais do que nunca à carnificina.
Um dia, Estela caiu doente de velhice. Estava com quase cem anos, farta de dias. Todos nós sabemos que a inevitável morte, mais cedo ou mais tarde chegará, o que não foi diferente com nossa querida vegetariana, defensora da vida. Uma doencinha aqui, outro probleminha ali, não teve alimentação saudável, à base de frutas e verduras, que pudesse fazer alguma coisa por "Nenê" (assim chamada carinhosamente), apesar da dieta especial de tantos anos ter ajudado na preservação da espécie.
Isa e Cora cuidavam de Estela com carinho. Cora era figura extremamente divertida, possuía o dom de animá-la e estava sempre ao seu lado, enquanto Isa dedicava-se à administração da casa, pois naqueles dias, devido à idade avançada das três, era-lhes necessário ter uma diarista, vista no início com muita desconfiança, mas com o tempo aceita com carinho pelos três bons corações que habitavam a velha casa da Tristão Gonçalves.
Uma tarde, Estela sentiu uma forte dor de barriga. Fortes cólicas agitavam seu corpo magro e enfraquecido pelos anos. Já não podia levantar-se e andar até o banheiro e recusava-se a usar a "aparadeira". Dizia que enquanto tivesse lucidez, jamais usaria humilhante indumentária, e justamente por causa disto foi providenciado uma cadeira de rodas com uma abertura no assento para que assim nossa querida vegetariana pudesse sentar-se e fazer suas necessidades sem precisar caminhar até o banheiro.
As cólicas apertavam mais e mais. Neste dia, Isa e Cora estavam na cozinha conversando e ouvindo rádio. Prestavam atenção na voz desafinada do moço que cantava "Chega de Saudade" e comentavam sobre as mudanças na música popular brasileira. Reclamavam porque no rádio não se ouvia mais Augusto Calheiros e Orlando Silva, que segundo elas, foram substituídos pela tal Bossa-Nova. O volume da música não lhes permitiam ouvir os apelos desesperados de Estela, que esforçava-se para não fazer as necessidades na cama, pois outra característica sua era a higiene extremada.
A diarista, que acabara de chegar da feira, entrou esbaforida na cozinha, chamando aflita:
---- Dona Cora, a dona Estela tá feito uma desesperada gritando por vocês. Acho que ela tá sentindo alguma coisa.
Todas acudiram ao quarto, onde encontraram Estela se contorcendo de dor.
----- Cora... Cora -- chamava Estela aflita -- Eu quero ir ao banheiro... Quero ir ao banheiro -- gemia com voz sumida, pálida de dor.
A diarista correu a buscar a cadeira de rodas. As três, com muito esforço, colocaram-na sentada e já empurravam a cadeira em direção ao banheiro que ficava perto da cozinha, quando Cora percebeu que não daria tempo. Olhou para a jovem diarista e pediu numa aperreação só:
----- Corra e traga o penico depressa!!!!
A diarista saiu tumultuada e trouxe o penico que foi imediatamente colocado em baixo da cadeira de rodas, em lugar estratégico.
Estela contorcia-se de dor cada vez mais. Grandes gotas de suor escorriam de sua testa pálida, afinal, completavam quase cinco dias que não fazia aquele tipo de necessidade fisiológica, devido a prisão de ventre.
Isa segurou num braço e a diarista no outro, enquanto Cora a observava de frente, esperando ansiosa que a irmã mais velha vencesse a difícil batalha. A pobre mulher espremia-se fazendo uma força descomunal, além da capacidade de seu pequenino e frágil corpo. O rosto branco tornou-se vermelho, devido ao esforço, deixando Cora apreensiva.
Com os olhos esbugalhados, Estela espremia-se, parecendo que seu corpo estava prestes a explodir.
De repente sua fisionomia mudou drasticamente. O que antes era a face do terror tornou-se paz, enquanto no pequeno quarto pairava um fedor inacreditável.
Isa, Cora e a diarista levaram, simultaneamente, as mãos ao nariz. O mau cheiro impestava o ar. A diarista inventou uma desculpa e saiu. Estela, tranqüila, mas ofegante, chamou pela irmã:
------ Cora... Cora...!!!
------ O que é Estela? -- perguntou curiosa.
Ainda ofegante e sem forças, Estela estendeu as frágeis e trêmulas mãos para Cora e a segurou pelo braço com as poucas forças que lhe restavam, implorando chorosamente:
------ Por favor, Cora... Cuide do meu filho... Cuide do meu filho... --- delirava.
As duas irmãs entreolharam-se espantadas. Cora olhou para dentro do recipiente que estava embaixo da cadeira de rodas, sem acreditar como algo tão grande saíra de um corpo tão magro.
Apontou para o penico e com dedo em riste, exclamou alto e bom som:
----- Desse fedorento aí??? NUNCA!!!!!

Thursday, June 07, 2007

Gotas de Sofia - "Homocausos" 3

O ano era 1973. Na Praça do Jardim América havia chegado uma “quermesse”. Eu tinha onze anos e estava deslumbradíssima com a Roda Gigante; para mim não havia aventura maior que dar uma volta naquela coisa gigantesca, que nos elevava ás alturas e provava por A+B que menina era corajosa. Eu não era lá um poço de coragem, muito pelo contrário. Eu era aquela que as meninas tinham que ajudar a subir em árvores e em muros. Juntávamos uma turma pra ir roubar manga em um terreno próximo da nossa casa e elas nunca me deixavam subir porque a subida tomaria muito tempo, se por acaso o dono do terreno aparecesse eu não conseguiria descer rápido, então eu segurava o saco e ficava recebendo as mangas que eram jogadas pelas muito corajosas Jô, Jaqueline e Celsa. Que rapidez para subir na árvore e roubar manga, meu Deus. Eu as invejava profundamente. A mais rápida e corajosa era Jô, pois era pequena e magra, o que facilitava muito.
Conheci Jô aos dez anos, em novembro de 1972 e digo com convicção que ela foi um dos grandes presentes de Deus para mim. Foi uma companheira maravilhosa e esteve comigo nos momentos mais difíceis da minha vida. Pena que Deus a tenha chamado tão cedo. Como eu disse, Jô esteve ao meu lado em tempos difíceis e era “expert” em encorajar, consolar e apoiar um amigo sob qualquer circunstância. Sob QUALQUER circunstância MESMO.
Foi nesse parque, na Roda Gigante, que deparei pela primeira vez com a coragem e com o apoio dessa grande e inesquecível amiga, apoio esse que se repetiria por trinta e dois anos e coragem essa que não ficava apenas nas subidas ás árvores.
Chegamos ao parque e ela foi logo chamando pra gente dar uma volta na Roda Gigante. Minhas pernas tremeram só em pensar de estar lá no alto. Perguntei se ela não preferia o carrossel e recebi um olhar que dizia ser eu uma idiota, então sugeri os barquinhos de madeira e ela me chamou de babaca com os olhos. Tinha doze anos.
- Deixa de frescura, Rosane... Tu num tem vergonha, não? Ter medo duma besteira dessas? Anda logo!!!! – E foi me puxando praticamente a força para a fila que se formava na bilheteria.
Ingresso na mão, roda gigante parando e o coração também. Eu tava tão nervosa que mal podia respirar. Quando chegou a nossa vez de subir, quis desistir, mas ela me segurou pelo braço e me sentou no banco da Roda Gigante. O rapaz que punha a roda para girar fechou nosso banco e subimos um pouco para que outro banco fosse ocupado. A roda começou a subir, subir, subir e o meu coração a descer para os pés. E ela ria da minha cara vermelha, do meu olhar de desespero. Eu olhava para baixo, as pessoas iam diminuindo e meu medo aumentando e a risada da sádica cada vez mais forte. Ainda não satisfeita com meu sofrimento, começou a balançar o banco, a ficar em pé e a gargalhar quando a Roda Gigante descia de uma vez.
Eu já tava pra pedir socorro quando notei que ela ficou séria de repente.
- Que foi, Jô? - O pavor tomou conta de mim. Achei que estava acontecendo alguma coisa com a Roda Gigante.
- O que foi??? – Insisti – Fala logo!!!
O movimento da roda começou a diminuir. Ela me olhou nos olhos e me pediu para olhar para baixo, para uma pequena aglomeração de pessoas que se formava de frente para a bilheteria. Olhei e percebi o tumulto de uma multidão que aumentava. A Roda Gigante deu uma parada para descer a primeira dupla e eu, lá de cima, pude ver que bem no meio da multidão estava meu irmão e junto dele estava Raquel, um dos primeiros travestis de Fortaleza. Os dois eram muito amigos, meu irmão havia a algum tempo assumido sua sexualidade homo e nessa noite levou a Raquel para passear no parque, achando que as pessoas não sabiam que era um homem, mas alguém que conhecia a Raquel deu com a língua nos dentes e o boato que havia um travesti no parque foi se espalhando. Pois bem, olhei um pouco mais e vi que vários homens tinham pedras na mão. Meu coração quase parou de vez. Eles queriam linchar a Raquel e meu irmão não deixava, protegia o amigo que chorava apavorado e como os linchadores conheciam minha família, queriam somente a Raquel e tentavam arrancá-la pela força; como ele insistia em não entregá-la, alguns já estavam ficando irados e já o ameaçavam.
Finalmente chegou nossa vez de descer. Nem sequer colocamos o pé em terra e Jô correu para o lado do tumulto. Eu fui atrás. Como era magra e pequena, foi abrindo passagem “na marra” e se posicionou ao lado do meu irmão.
Dois conhecidos do bairro estavam muito enfurecidos e acusavam meu irmão de trazer para o parque um “degenerado”. Tentavam puxar a Raquel e meu irmão não deixava. Olhei para meu mano e vi pavor em seus olhos. Nessas alturas do campeonato, todo o parque parou para ver o desfecho. Gritos, uivos, xingamentos vinham de todos os lados. Lembro que tocava a música “Meu amigo Charles Brown”, do Benito Di Paula e até hoje tenho horror de ouvi-la.
De repente meu irmão saiu puxando Raquel. A multidão saiu atrás xingando, e Jô e eu fomos juntas. Nós quatro caminhávamos rapidamente e a multidão continuava nos acompanhando. Queríamos chegar na Av. João Pessoa e tomar um táxi, mas tava difícil, os rapazes queriam Raquel de qualquer jeito. Começamos a correr. Eu ouvia gritos de “Pega! Pega!” e senti um gosto de morte, uma sensação de que ali era o fim. Olhei e vi um fusca-táxi. Dei a mão e ele, milagrosamente, parou. Os táxis que passavam não paravam com medo do que viam. A porta abriu. Meu irmão rapidamente subiu e Raquel foi atrás. Um dos rapazes segurou Raquel pelos cabelos longos e loiros. Meu irmão a puxava para dentro do fusca e o motorista, aflito, não sabia o que fazer. Eu olhava sem poder fazer nada. A dor, a raiva e o medo eram tão intensos que me paralisaram quando vi a violência. Comecei a chorar, gritando.
Repentinamente ouvi um urro. Olhei para ver o que havia acontecido e não acreditei na cena. Minha amiga Jô achou um pedaço de pau, não sei onde e deu uma paulada nos testículos do sujeito que agredia a Raquel. Como era pequena e magra, não foi muito difícil acertar o alvo.
O cara caiu no chão urrando de dor. Raquel subiu e o fusca saiu chispando. Ficamos eu e ela.
Uma mistura de alívio e gosto de vingança me invadiu. O amigo do rapaz agressor olhou pra Jô e disse:
- Vou contar pra tua mãe o que tu fez, Celinha. Se tu fosse minha irmã te metia a chibata. Deste tamanho e defendendo baitola. Vou falar pro teu irmão, o Joarilson.
- Pode falar até pro Papa. Se vier vai levar paulada nos ovos também.
Ficou parada com o pedaço de pau na mão e a multidão voltou ao parque. O espetáculo havia acabado. Olhou pra mim e falou:
- Deixa de frescura, mulher. Fica aí parada chorando feito besta.
Saímos caminhando de volta para casa. Íamos em silêncio e de repente ela começou a rir. Ria tanto que me contagiou e eu também caí na gargalhada.
- Tu precisava ver a tua cara vermelha, Rô! Muito engraçada, eu num agüento.
E sempre foi assim. Sempre que a sádica me via em situação de medo, caía na gargalhada. Foi desse jeito até quando estava no hospital para operar-se de um tumor no intestino. Quando as enfermeiras chegaram para levá-la á sala de cirurgia, eu estava junto e meu coração se encheu de medo. Ela olhou pra mim e começou a rir, mostrando as enfermeiras minha cara vermelha. Me fitou o olho e disse:
- Pensa que vai se livrar de mim, hein? Eu vou voltar, cara de tomate! - E se foi.

Naquela noite da tentativa de linchamento quase não dormi. Adrenalina pura. Mas uma coisa eu tinha certeza, apesar dos meus poucos anos: Havia ganho um tesouro de valor inquestionável: minha pequena grande amiga sádica Joaricele, a Jô.

Gotas de Sofia - Coisas de Cearense

Dia desses tomei o ônibus Parangaba/Mucuripe, na altura da Av. João Pessoa. Era um sábado quente, o calor sufocante das duas da tarde, aquelas tardes onde todo mundo se encontra na parada da desimpaciência.
Notei que na parte de trás do ônibus se posicionavam em direção à roleta umas oito pessoas, esperando o cobrador que não se encontrava no seu local de trabalho.
Percebi uma mulher morena, baixinha, troncuda, batendo o pé rapidamente, naquele gesto nordestino de espera indesejável. E o cobrador, nada. Uns foram sentando e nas paradas seguintes o ônibus foi parando para pegar mais passageiros, e o cobrador...Nada.
Todos os rostos estavam voltados para o lado do motorista, todos esperavam que surgisse o desejado cobrador, pois o espaço já estava mais que apertado.
Já chegando na Av. 13 de Maio, a mulher baixinha, troncuda e com cara de típica cearense, mostrou ser mesmo do Ceará através do linguajar. Ora, todos sabemos que cearense adora, venera palavrão, que linguajar de baixo calão é lugar comum aqui na terrinha. Dizem que cearense parece com judeu, tem em todo lugar e que judeu gosta de dinheiro, cearense gosta de palavrão. Não pode viver sem ele.
Lembro de uma ex-vizinha minha (ex, graças a Deus), onde sua casa era parede-com-parede com a minha. Nossas casas eram do mesmo tamanho e modelo, aquelas casas compridas de vila; onde ficava o meu quarto, ficava o dela e aí, já viu, né? Se ela desse um espirro alto pela madrugada, a gripe se instalava no meu lado.
Esta vizinha tinha um linguajar terrível. De dez palavras, onze era palavrão. E tinha uma mania que me deixava desesperada. Ela e o marido, depois de brigas homéricas, curtiam um filminho pornô e tinham a mania de ouvir a TV no último volume...No quarto, é claro.
Aí vocês podem imaginar a esculhambação que rolava.
Eu, pobre solteira, carente e solitária, ficava ouvindo nitidamente aqueles gemidos americanos. Se o leitor não conhece gemido americano, vá a uma locadora próxima e alugue um filme pornô e aí você saberá a diferença. Não sei se é proposital, mas atriz pornô americana quando está atuando lembra mais uma sirene de carro de bombeiro do que uma mulher sentindo prazer. Então, dentro de minutos de película erótica, os gemidos da terra do Tio Sam se misturavam aos urros da terra da “Burra Preta”, lembram dela?
Pois bem, eu passava as noites ouvindo aqueles “Ooooh, yesssss...Fuck me...Fuck me” unido a gritos de “Aiiiiiii...é agora...é agora”.... E o pior: depois que eles terminavam, adormeciam, esqueciam-se da vida e... De desligar a TV.
Dá pra imaginar aquele típico chiado televisivo, alto e bom som, em plena madrugada? E sem falar nos roncos do maridão saciado. Eu, coitada, com os dois travesseiros, um em cada ouvido, tentava, em vão, dormir e caía no choro, não sei se de raiva ou solidão. Só sei que sexo, para mim, não foi mais a mesma coisa.
Esta vizinha tinha um filho de mais ou menos seis anos, chamado Carlinhos. Posso garantir ao caríssimo leitor que sei o nome do Carlinhos porque ele mesmo me disse, mas pela boca da mãe eu o conhecia como “porra”. E posso garantir também que o nome do marido não sei até o dia de hoje, só o conheci pela alcunha de “bicho nojento”.
Era um tal de “Vem cá, porra; vem tomar banho, porra; anda comer, porra”, que fiquei curiosa pra saber o nome daquela criança. Aproveitei um dia em que ele brincava na calçada e perguntei: - Qual o seu nome, garoto? (quase que o chamo “porra”). E ele respondeu, para minha surpresa:
--- Carlinhos!
Entrei em casa satisfeita de saber que o menino tinha um nome, quando, estupefata, ouvi a vizinha chamar do quintal de sua casa: - Carliiiiiimmmm....! E o menino nada de responder. Ela chamou a segunda vez mais alto: - Carliiiiiiiiiiimmm!... E nada. Eu torcia que o garoto respondesse, pois havia acontecido um milagre: a mãe do Carlinhos o chamava pelo seu verdadeiro nome. Pensei cá com meus botões: é o aniversário dele, talvez.
Com a voz já se esguelando, gritou a terceira vez: - Carliiiiiiimmmm... E o Carlinhos lá na calçada, brincando...
A mulher largou o que tava fazendo e, aos berros, esbravejou da cozinha: - Pau no cúúúúú, vem cáááááá... E o Carlinhos, lá da calçada, respondeu choroso e calmo: - Quiééé, mãe?
Aí eu pensei: Deve ser o sobrenome dele.
Agora voltando ao ônibus, a mulher baixinha e troncuda abriu o verbo "palavrear".
Gritou da roleta a plenos pulmões: - Motoriiiiiistaaaaa, cadê o "carai" do trocador? A gente tem mais o que fazer... Eu num posso ficar nessa porra em pé a tarde toda, não!
O motorista olhou pelo retrovisor com os olhos espantados e perguntou: - O trocador num tá aí, não????
E todos responderam em uníssono: - Nãããooo!
O homem parou o ônibus, botou a mão na cabeça e disse: - Valha, esqueci o trocador no terminal.
A gargalhada foi unânime. Ficamos uns cinco minutos esperando o esquecido e aflito trocador chegar num ônibus que vinha atrás.
Desci no meu itinerário pensando: Coisas de cearense.