(...) A volúpia carnal é uma experiência dos sentidos, análoga ao simples olhar ou à simples sensação com que um belo fruto enche a língua. É uma grande experiência sem fim que nos é dada; um conhecimento do mundo; a plenitude e o esplendor de todo o saber. O mal não é que nós a aceitemos; o mal consiste em quase todos abusarem dessa experiência, malbaratando-a fazendo dela um mero estímulo para os momentos cansados de sua existência, uma simples distração, em vez de uma concentração interior para as alturas. Até o comer, os homens transformaram em algo diferente: a carência de um lado, o excesso de outro perturbaram a clareza desta necessidade; e todas as necessidades elementares em que a vida se renova tornaram-se igualmente turvas.
O indivíduo, porém, pode esclarecê-las para si mesmo e vivê-las às claras (não todos os indivíduos, demasiados dependentes, mas pelo menos os solitários). Estes podem lembrar-se de que toda beleza em animais e plantas é uma forma silenciosa e durável de amor e desejo; e podem ver o animal como a planta, unindo-se, multiplicando-se e crescendo paciente e docilmente, não por gozo físico nem por dor física, mas curvando-se diante de necessidade maiores que a volúpia e a resistência.
Pudesse o homem acolher com maior humildade este segredo de que a terra está cheia até em suas coisas mais ínfimas; carregá-lo e suportá-lo com mais gravidade, sentindo-lhe o peso, em vez de o tratar com leviandade (...).
Nota de Sofia: Essa maravilhosa visão sobre a volúpia e seu papel na vida do homem lembra um texto do apóstolo Paulo, que diz: "Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas me convém. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas".
Rainer mostra, na carta a Kappus, a distorção humana sobre a volúpia e em como os exageros em tudo que fazemos na vida pode tirar o belo e desviar o verdadeiro papel daquilo que nos é presenteado pelo divino. Ao tratar da questão das plantas e animais, Rainer nos faz meditar que é exatamente o privilégio de sermos os únicos seres racionais e emotivos que nos prejudica, por não sabermos usar essa tão grande benção.
A ilustração é uma fotomontagem de José Luis Sanz, "Marylin Distorcida".
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