Acordei cedinho. Era mais ou menos 5:30 da manhã. Assim que acordo gosto de conversar com Deus antes de conversar com qualquer pessoa. Sento na minha cadeira de balanço e abro meu coração para Ele. As vezes fico um tanto quanto confusa sobre essa nossa relação (minha com Deus). Convenhamos, é uma relação desigual. Veja bem, é um ser imperfeito (eu) tentando compreender um Perfeito (Deus); um ser finito querendo ouvir um Infinito; um ser que não tem poder nem pra saber o que vai acontecer daqui a um minuto desejando ter comunhão com um que conhece toda a Eternidade. Não é covardia? Pois bem, o que me dá coragem e ânimo para apostar nessa relação é que a Bíblia diz que esse Deus quis ser mais que Deus, quis ser Pai e Amigo meu, e eu acredito. A Bíblia também diz que Ele não ficou esperando que eu mudasse, que eu me tornasse uma pessoa melhor, que tivesse um caráter perfeito para que Ele pudesse me aceitar, mas a Bíblia diz que Ele quis ser meu Pai e Amigo apesar de todas as minhas debilidades, fraquezas e falhas. E ponha debilidades, fraquezas e falhas nisso. Não sei como Ele ainda não perdeu a paciência comigo; sou reclamona, questionadora, apressada (a
causa de eu "comer cru" muitas vezes) e minha fé não é das melhores. Me surpreende perceber que Ele não desiste de mim e que todas as vezes que eu converso com Ele, a Paz que Ele promete na Bíblia desce imediatamente. É verdade, num é conversa mole, não! Experimente ficar um tempo na presença Dele. Mesmo que o problema demore a ser resolvido, Deus, nosso Pai e Amigo nos dá uma tranquilidade incondicional. Ninguém fica dependendo de ter paz só se o problema for resolvido. A famosa "paz do Senhor" invade o mais turbulento dos corações; a mais atormentada das mentes; e para isso é preciso só ter um tiquinho de fé, num precisa ser coisa muito grande, não. Basta essa fé ser do tamanho de uma semente de mostarda. Você já viu uma semente de mostarda? É do tamanho da cabeça de um alfinete. Jesus diz que se a nossa fé for do tamanho dessa semente, seremos capaz de transportar montanhas. Quando leio essa passagem, imagino Deus com um microscópio tentando enxergar a minha fé e gritando: "Achei!!!! Aqui está a fé da Rosane!" (rrss). Deus quer só um motivozinho pra ajudar, pra curar, pra derramar paz. Aposte nessa relação! Ele não requer coisas impossíveis e cá pra nós, se fosse necessário explicar a questão da fé, não seria fé, seria ciência; e você já pensou nos milhares de anos que isso demoraria? Não conseguimos nem acabar com uma simples gripe através da ciência, imagine encontrar e provar a existência de Deus.
A fé é o meio mais rápido e eficaz para se ter um contato verdadeiro com Deus.
Basta apenas virar criança outra vez.
Monday, September 10, 2007
Thursday, August 16, 2007
Gota de Sofia com Lêdo Ivo - Cama e Mesa
No Banheiro do Cego
amamos sobre tábuas duras.
É o amor sem conforto
de dois animais vivos.
Amamos sem lençol
e sem travesseiro.
O sol que ilumina
nossos gestos obcenos
é a luz do candeeiro.
Ó sol de querosene
nos peitos molengos
de uma peniqueira!
Hei de morrer cativo
a esta lengalenga
que faz mover o sol
- o sol e as estrelas.
Hei de morrer impuro.
Que sabão lavará
a minha infância suja
que nessa comilança
já hoje se lambuza?
Sou um bicho. E me escondo
numa gruta de Vênus.
Sou como os caranguejos
que afundam na lama
dos mangues. E amo
depressa como os galos.
E relincho na noite
igual aos cavalos.
E amo desengonçado
como todos os homens.
Na cama que é uma mesa
no Banheiro do Cego
mato a minha fome.
Tiro a roupa. E como.
Tuesday, August 07, 2007
Gotas de Sofia com C.S.Lewis - Só Um Pedaço de Papel Colorido?
Lembro-me de certa vez quando dei uma palestra para a Força Aérea e que um velho e experiente oficial levantou-se e disse: "Não sei qual a utilidade disso tudo. Veja bem, eu também sou um homem religioso. Sei que há um Deus. Eu o senti quando estava sozinho, no deserto, á noite:um grande mistério. E esta é precisamente a razão porque eu não acredito nos seus dogmas e nas suas fórmulas reducionistas e bem comportadas sobre Deus. Para qualquer um que já o tenha encontrado, tudo isso parace tão mesquinho, pedante e irreal!"
De certa forma eu até concordei com aquele homem. Penso que ele deve ter tido alguma experiência real com Deus no deserto. E quando ele voltou dessa experiência para os credos cristãos, acredito que ele voltou de algo real para algo menos real. Assim, também, se uma pessoa olha da praia para o oceano Atlântico e, depois olha o Atlântico no mapa, ele também estará voltando de algo real para alguma coisa menos real: das ondas do mar para um pedaço de papel colorido. Mas é aí que está o ponto. O mapa é reconhecidamente um pedaço de papel colorido, mas há duas coisas que você deve lembrar. Primeiro, ele é baseado no que milhares de pessoas descobriram navegando o Atlântico de verdade. Dessa forma, um indíviduo tem atrás de si milhares de experiências tão reais quanto a que você poderia ter tido na praia; com a diferença de que, enquanto a sua seria um vislumbre único, o mapa dá conta de todas as variadas experiências juntas. Segundo, se você quer chegar a algum lugar, o mapa é absolutamente necessário. Para quem está interessado em apenas fazer algumas caminhadas na praia, a visão de tudo é muito mais agradável do que olhar para um mapa. Acontece que o mapa terá mais utilidade do que as caminhadas pela praia se você deseja chegar a outro continente.
A teologia é como um mapa - nada mais do que aprender e pensar sobre as doutrinas cristãs. Ficar nisso é menos real e menos emocionante do que o que aconteceu com o meu amigo no deserto. As doutrinas não são Deus; elas não passam de uma espécie de mapa. Acontece que esse mapa é baseado na experiência de centenas de pessoas que realmente estiveram em contato com Deus; experiências comparadas com quaisquer emoções ou sentimemtos piedosos que você e eu poderíamos experimentar, considerados elementares e até confusos. Se você quiser chegar mais longe, terá de usar o mapa. Veja bem, o que aconteceu com meu amigo no deserto pode ter sido verdadeiro, e certamente foi empolgante, mas isso não resulta em nada. Não há nada que se possa fazer a respeito. Na verdade, eis aí a razão por que uma religião vaga, algo como sentir Deus na natureza e assim por diante, é tão atraente. É só emoção, sem qualquer trabalho; é como observar as ondas do mar a partir da praia. Mas você jamais chegará a outro continente estudando o oceano Atlântico dessa maneira, e jamais conhecerá Deus só sentindo a Sua presença nas flores e na música. Nem chegará a lugar nenhum apenas olhando os mapas, sem ir para o mar. Tampouco estará seguro se entrar no mar sem um mapa.
De certa forma eu até concordei com aquele homem. Penso que ele deve ter tido alguma experiência real com Deus no deserto. E quando ele voltou dessa experiência para os credos cristãos, acredito que ele voltou de algo real para algo menos real. Assim, também, se uma pessoa olha da praia para o oceano Atlântico e, depois olha o Atlântico no mapa, ele também estará voltando de algo real para alguma coisa menos real: das ondas do mar para um pedaço de papel colorido. Mas é aí que está o ponto. O mapa é reconhecidamente um pedaço de papel colorido, mas há duas coisas que você deve lembrar. Primeiro, ele é baseado no que milhares de pessoas descobriram navegando o Atlântico de verdade. Dessa forma, um indíviduo tem atrás de si milhares de experiências tão reais quanto a que você poderia ter tido na praia; com a diferença de que, enquanto a sua seria um vislumbre único, o mapa dá conta de todas as variadas experiências juntas. Segundo, se você quer chegar a algum lugar, o mapa é absolutamente necessário. Para quem está interessado em apenas fazer algumas caminhadas na praia, a visão de tudo é muito mais agradável do que olhar para um mapa. Acontece que o mapa terá mais utilidade do que as caminhadas pela praia se você deseja chegar a outro continente.
A teologia é como um mapa - nada mais do que aprender e pensar sobre as doutrinas cristãs. Ficar nisso é menos real e menos emocionante do que o que aconteceu com o meu amigo no deserto. As doutrinas não são Deus; elas não passam de uma espécie de mapa. Acontece que esse mapa é baseado na experiência de centenas de pessoas que realmente estiveram em contato com Deus; experiências comparadas com quaisquer emoções ou sentimemtos piedosos que você e eu poderíamos experimentar, considerados elementares e até confusos. Se você quiser chegar mais longe, terá de usar o mapa. Veja bem, o que aconteceu com meu amigo no deserto pode ter sido verdadeiro, e certamente foi empolgante, mas isso não resulta em nada. Não há nada que se possa fazer a respeito. Na verdade, eis aí a razão por que uma religião vaga, algo como sentir Deus na natureza e assim por diante, é tão atraente. É só emoção, sem qualquer trabalho; é como observar as ondas do mar a partir da praia. Mas você jamais chegará a outro continente estudando o oceano Atlântico dessa maneira, e jamais conhecerá Deus só sentindo a Sua presença nas flores e na música. Nem chegará a lugar nenhum apenas olhando os mapas, sem ir para o mar. Tampouco estará seguro se entrar no mar sem um mapa.
Monday, July 30, 2007
Gotas de Sofia...
Todos nós conhecemos as quatro estações: Primavera, Verão, Outono e Inverno. É sabido também que cada estação traz um modo de vida diferente. No verão, por exemplo, não nos comportamos como nos comportamos no inverno; o consumo de água aumenta quase 100%, vamos mais á praia, vestimos roupas mais leves e saímos mais para passeios.
Já no inverno é diferente, nos recolhemos mais em casa, sentimos mais sono,
nos vestimos com roupas quentes, etc..
Na vida espiritual acontece o mesmo. Passamos por "estações" diferentes. Existem invernos, verões, outonos e primaveras. A mais temida dessas estações é o inverno espiritual. Tempestades como desemprego, enfermidade, perda de um ente querido, pode, de uma hora para outra, assolar a vida, tornando-a insuportável.
Apesar de tudo, o inverno passa e no final vem o resultado maravilhoso: fartura de comida, água que enche açudes e rios, e muitas outras bênçãos que só chegam depois de uma boa invernada.
É incrível, mas só nascem flores, frutos e há água em abundância, se houver inverno. O mesmo acontece no reino espiritual. É assim que crescemos, que amadurecemos e conseguimos vitórias maravilhosas. Tempo de inverno é tempo de plantar. Não desista dos seus sonhos, por mais difícil que esteja, por mais frio que faça na sua alma. Aqueça-se nos braços de Jesus e não esmoreça. O Salmo 126 nos promete: "aquele que leva a preciosa semente, andando e chorando, voltará com alegria, trazendo consigo os seus molhos."
Já no inverno é diferente, nos recolhemos mais em casa, sentimos mais sono,
nos vestimos com roupas quentes, etc..
Na vida espiritual acontece o mesmo. Passamos por "estações" diferentes. Existem invernos, verões, outonos e primaveras. A mais temida dessas estações é o inverno espiritual. Tempestades como desemprego, enfermidade, perda de um ente querido, pode, de uma hora para outra, assolar a vida, tornando-a insuportável.
Apesar de tudo, o inverno passa e no final vem o resultado maravilhoso: fartura de comida, água que enche açudes e rios, e muitas outras bênçãos que só chegam depois de uma boa invernada.
É incrível, mas só nascem flores, frutos e há água em abundância, se houver inverno. O mesmo acontece no reino espiritual. É assim que crescemos, que amadurecemos e conseguimos vitórias maravilhosas. Tempo de inverno é tempo de plantar. Não desista dos seus sonhos, por mais difícil que esteja, por mais frio que faça na sua alma. Aqueça-se nos braços de Jesus e não esmoreça. O Salmo 126 nos promete: "aquele que leva a preciosa semente, andando e chorando, voltará com alegria, trazendo consigo os seus molhos."
Gotas de Sofia com Carlos Drummond - Prece do Brasileiro
Meu Deus,
Só me lembro de vós para pedir,
mas de qualquer modo sempre é uma lembrança.
Desculpai vosso filho, que se veste
de humildade e esperança
e vos suplica: Olhai para o Nordeste
onde há fome, Senhor, e desespero
rondando nas estradas
entre esqueletos de animais.
Em Iguatu, Parambu, Baturité,Tauá
(vogais tão fortes não chegam até vós?)
vede as espectrais
procissões de braços estendidos,
assaltos, sobressaltos, armazéns
arrombados e - o que é pior - não tinham nada.
Fazei, Senhor, chover a chuva boa,
aquela que, florindo e reflorindo, soa
qual cantada de Bach em vossa glória
e dá vida ao boi, ao bode, à erva seca,
ao pobre sertanejo destruído no que tem de mais doce e mais cruel:
a terra estorricada sempre amada.
Fazei chover, Senhor, e já! numa certeira
ordem às nuvens.
Ou desobedecema vosso mando, as revoltosas?
Tudo é pois contestação?
Fosse eu Vieira (o padre)
e vos diria, malcriado muitas e boas...mas sou vosso fã
omisso, pecador, bem brasileiro.
Comigo é na macia, no veludo/lã
e matreiro, rogo, não
ao Senhor Deus dos Exércitos (Deus me livre)
mas ao Deus que Bandeira, com carinho
botou em verso: "meu Jesus Cristinho".
E mudo até o tratamento: por que vós,
tão gravata e colarinho,
tão vossa excelência?
O você comunica muito mais
e se agora o trato de você,
ficamos perto, vamos papeando
como dois camaradas bem legais,
um puro; o outro, aquela coisa,
quase que maldito
mas amizade é isso mesmo: salta
o vale, o muro, o abismo do infinito.
Meu querido Jesus, que é que há?
Faz sentido deixar o Ceará
sofrer em ciclo a mesma eterna pena?
E você me responde suavemente:
Escute, meu cronista e meu cristão:
essa cantiga é antiga
e de tão velha não entoa não.
Você tem a Sudene abrindo frentes
de trabalho de emergência, antes fechadas.
Tem a ONU, que manda toneladas
de pacotes à espera de haver fome.
Tudo está preparado para a cena
dolorosamente repetida
no mesmo palco. O mesmo drama, toda vida.
No entanto, você sabe,
você lê os jornais, vai ao cinema, até um livro de vez em quando lê
se o Buzaid não criar problema:
Em Israel, minha primeira pátria
(a segunda é a Bahia)
desertos se transformam em jardins
em pomares, em fontes, em riquezas.
E não é por milagre:
obra do homem e da tecnologia.
Você, meu brasileiro,
não acha que já é tempo de aprender
e de atender àquela brava gente
fugindo à caridade de ocasião
e ao vício de esperar tudo da oração?
Jesus disse e sorriu. Fiquei calado.
Fiquei, confesso, muito encabulado,
mas pedir, pedir sempre ao bom amigo
é balda que carrego aqui comigo.
Disfarcei e sorri. Pois é, meu caro.
Vamos mudar de assunto. Eu ia lhe falar
noutro caso, mais sério, mais urgente.
Escute aqui, ó irmãozinho.
Meu coração, agora, tá no México
batendo pelos músculos de Gérson,
a unha de Tostão, a ronha de Pelé,
a cuca de Zagalo, a calma de Leão
e tudo mais que liga o meu país
e uma bola no campo e uma taça de ouro.
Dê um jeito, meu velho, e faça que essa taça
sem milagres ou com ele nos pertença
para sempre, assim seja...Do contrário
ficará a Nação tão malincônica,
tão roubada em seu sonho e seu ardor
que nem sei como feche minha crônica.
30 de maio de 1970.
Só me lembro de vós para pedir,
mas de qualquer modo sempre é uma lembrança.
Desculpai vosso filho, que se veste
de humildade e esperança
e vos suplica: Olhai para o Nordeste
onde há fome, Senhor, e desespero
rondando nas estradas
entre esqueletos de animais.
Em Iguatu, Parambu, Baturité,Tauá
(vogais tão fortes não chegam até vós?)
vede as espectrais
procissões de braços estendidos,
assaltos, sobressaltos, armazéns
arrombados e - o que é pior - não tinham nada.
Fazei, Senhor, chover a chuva boa,
aquela que, florindo e reflorindo, soa
qual cantada de Bach em vossa glória
e dá vida ao boi, ao bode, à erva seca,
ao pobre sertanejo destruído no que tem de mais doce e mais cruel:
a terra estorricada sempre amada.
Fazei chover, Senhor, e já! numa certeira
ordem às nuvens.
Ou desobedecema vosso mando, as revoltosas?
Tudo é pois contestação?
Fosse eu Vieira (o padre)
e vos diria, malcriado muitas e boas...mas sou vosso fã
omisso, pecador, bem brasileiro.
Comigo é na macia, no veludo/lã
e matreiro, rogo, não
ao Senhor Deus dos Exércitos (Deus me livre)
mas ao Deus que Bandeira, com carinho
botou em verso: "meu Jesus Cristinho".
E mudo até o tratamento: por que vós,
tão gravata e colarinho,
tão vossa excelência?
O você comunica muito mais
e se agora o trato de você,
ficamos perto, vamos papeando
como dois camaradas bem legais,
um puro; o outro, aquela coisa,
quase que maldito
mas amizade é isso mesmo: salta
o vale, o muro, o abismo do infinito.
Meu querido Jesus, que é que há?
Faz sentido deixar o Ceará
sofrer em ciclo a mesma eterna pena?
E você me responde suavemente:
Escute, meu cronista e meu cristão:
essa cantiga é antiga
e de tão velha não entoa não.
Você tem a Sudene abrindo frentes
de trabalho de emergência, antes fechadas.
Tem a ONU, que manda toneladas
de pacotes à espera de haver fome.
Tudo está preparado para a cena
dolorosamente repetida
no mesmo palco. O mesmo drama, toda vida.
No entanto, você sabe,
você lê os jornais, vai ao cinema, até um livro de vez em quando lê
se o Buzaid não criar problema:
Em Israel, minha primeira pátria
(a segunda é a Bahia)
desertos se transformam em jardins
em pomares, em fontes, em riquezas.
E não é por milagre:
obra do homem e da tecnologia.
Você, meu brasileiro,
não acha que já é tempo de aprender
e de atender àquela brava gente
fugindo à caridade de ocasião
e ao vício de esperar tudo da oração?
Jesus disse e sorriu. Fiquei calado.
Fiquei, confesso, muito encabulado,
mas pedir, pedir sempre ao bom amigo
é balda que carrego aqui comigo.
Disfarcei e sorri. Pois é, meu caro.
Vamos mudar de assunto. Eu ia lhe falar
noutro caso, mais sério, mais urgente.
Escute aqui, ó irmãozinho.
Meu coração, agora, tá no México
batendo pelos músculos de Gérson,
a unha de Tostão, a ronha de Pelé,
a cuca de Zagalo, a calma de Leão
e tudo mais que liga o meu país
e uma bola no campo e uma taça de ouro.
Dê um jeito, meu velho, e faça que essa taça
sem milagres ou com ele nos pertença
para sempre, assim seja...Do contrário
ficará a Nação tão malincônica,
tão roubada em seu sonho e seu ardor
que nem sei como feche minha crônica.
30 de maio de 1970.
Tuesday, July 17, 2007
Gotas de Sofia com T.S. Eliot
A Áquila paira no topo dos Céus,
O Órion, com seus cães, percorre o seu circuito.
Ó revolução perpétua de estrelas fixas,
Ó eterno retorno das mesmas estações,
Ó mundo de primavera e outono, de nascer e morrer!
O círculo sem fim de idéia e ação.
De invenção sem fim, de experimentação sem fim,
Traz conhecimento do movimento, mas não da tranquilidade;
Conhecimento da língua, mas não do silêncio;
Conhecimento de palavras, e ignorância da Palavra.
Todo o nosso conhecimento nos leva mais próximos da nossa ignorância,
Toda a nossa ignorância nos leva para mais perto da morte,
Mas uma proximidade da morte que não é proximidade de Deus.
Onde está a vida que perdemos no viver?
Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?
Onde está o conhecimento que perdemos na informação?
Os círculos dos Céus em vinte séculos
Levam-nos para mais longe de Deus e para mais perto do pó.
Monday, July 16, 2007
Gotas de Sofia - Bebível Adélia
Acabei de ler agora mesmo Adélia Prado: “Uma ocasião/meu pai pintou a casa toda de alaranjado brilhante/Por muito tempo moramos numa casa/como ele mesmo dizia/constantemente amanhecendo.”
Não é maravilhosa? Chama-se “Impressionista”. Leio e releio este poema que de tão simples, tornou-se profundo. Lembra muito as “cacimbas” (é cacimba mesmo, poço num gosto, não) do tempo em que eu era menina. Cacimba era coisa simples, comum, quase todo quintal tinha uma; mas havia mistérios nesses buracos de água que ás vezes metia medo. Criança perto de cacimba? Nem pensar! Eu aproveitava os raros momentos em que não estava sendo observada pelos adultos e adorava ficar olhando pra cacimba que tinha no quintal da minha casa e imaginando o mundo que existia lá no fundo. Imaginava que existia uma cidade no fundo do fundo da cacimba e que a água era o céu desta cidade e que quando o balde descia para pegar água, chovia na cidade imaginária. Era uma viagem.
E tomar banho de cacimba? Era maravilhoso. Ainda não tinha a Cagece e a gente bebia a água que o seu Manuel vendia. Seu Manuel era um senhor branco cheio de sardas, ele usava um chapéu de palha enorme, calção bege, botas de borracha preta que iam até o meio da canela (perna). Ele passava duas vezes na semana, numa carroça que carregava um enorme tonel de madeira pintado de verde. Era a carroça da água. O bairro inteiro saía correndo atrás da carroça. Lembro bem da torneira do tonel que eu achava linda e ficava olhando seu Manuel encher as latas de água só para poder apreciar a torneira do tonel. Essa água a gente bebia, cozinhava e lavava o cabelo, a da cacimba era só para fazer a higiene do corpo, da casa e para lavar a roupa. Seu Manuel entrava lá em casa, carregando em cada mão, latas de água que enchiam os potes e o meu coração de alegria. Até hoje não sei por que aquela carroça me alegrava tanto.
Um dia a Cagece chegou, meu pai resolveu aterrar a cacimba e o seu Manuel sumiu com sua carroça de tonel verde. Doeu ver minha cidade imaginária ser soterrada. Chorei tanto, com dó dos moradores, dos bichos. Mas a angústia passou quando vi o chuveiro e a banheira branquinha que meu pai mandou colocar no banheiro. Minha cidade imaginária foi transportada, e o melhor: eu podia fazer parte dela; era só entrar na banheira e construir meu mundo. Passei a sentir calor o tempo todo, a me sentir suja toda hora e tomar banho virou meu passatempo, esporte e hobby preferidos.
Mas voltando para a Adélia Prado, procuro ler seus poemas bem aos pouquinhos, bem devagar, todo dia umzinho. Me emprestaram esse livro e nunca vieram buscar, o que o torna mais desejado; de uma hora para a outra o dono pode aparecer e levá-lo. Quando meus olhos passeiam pelos poemas da Adélia, sinto a mesma alegria quando via a carroça do seu Manuel e o mesmo mistério de olhar para o fundo de uma cacimba nos tempos de infância.
Adélia é gostosa, é “bebível”. É uma cacimba de mistério, uma banheira de prazer, um tonel de palavras; uma poetisa em quem eu estou “constantemente” mergulhando.
Não é maravilhosa? Chama-se “Impressionista”. Leio e releio este poema que de tão simples, tornou-se profundo. Lembra muito as “cacimbas” (é cacimba mesmo, poço num gosto, não) do tempo em que eu era menina. Cacimba era coisa simples, comum, quase todo quintal tinha uma; mas havia mistérios nesses buracos de água que ás vezes metia medo. Criança perto de cacimba? Nem pensar! Eu aproveitava os raros momentos em que não estava sendo observada pelos adultos e adorava ficar olhando pra cacimba que tinha no quintal da minha casa e imaginando o mundo que existia lá no fundo. Imaginava que existia uma cidade no fundo do fundo da cacimba e que a água era o céu desta cidade e que quando o balde descia para pegar água, chovia na cidade imaginária. Era uma viagem.
E tomar banho de cacimba? Era maravilhoso. Ainda não tinha a Cagece e a gente bebia a água que o seu Manuel vendia. Seu Manuel era um senhor branco cheio de sardas, ele usava um chapéu de palha enorme, calção bege, botas de borracha preta que iam até o meio da canela (perna). Ele passava duas vezes na semana, numa carroça que carregava um enorme tonel de madeira pintado de verde. Era a carroça da água. O bairro inteiro saía correndo atrás da carroça. Lembro bem da torneira do tonel que eu achava linda e ficava olhando seu Manuel encher as latas de água só para poder apreciar a torneira do tonel. Essa água a gente bebia, cozinhava e lavava o cabelo, a da cacimba era só para fazer a higiene do corpo, da casa e para lavar a roupa. Seu Manuel entrava lá em casa, carregando em cada mão, latas de água que enchiam os potes e o meu coração de alegria. Até hoje não sei por que aquela carroça me alegrava tanto.
Um dia a Cagece chegou, meu pai resolveu aterrar a cacimba e o seu Manuel sumiu com sua carroça de tonel verde. Doeu ver minha cidade imaginária ser soterrada. Chorei tanto, com dó dos moradores, dos bichos. Mas a angústia passou quando vi o chuveiro e a banheira branquinha que meu pai mandou colocar no banheiro. Minha cidade imaginária foi transportada, e o melhor: eu podia fazer parte dela; era só entrar na banheira e construir meu mundo. Passei a sentir calor o tempo todo, a me sentir suja toda hora e tomar banho virou meu passatempo, esporte e hobby preferidos.
Mas voltando para a Adélia Prado, procuro ler seus poemas bem aos pouquinhos, bem devagar, todo dia umzinho. Me emprestaram esse livro e nunca vieram buscar, o que o torna mais desejado; de uma hora para a outra o dono pode aparecer e levá-lo. Quando meus olhos passeiam pelos poemas da Adélia, sinto a mesma alegria quando via a carroça do seu Manuel e o mesmo mistério de olhar para o fundo de uma cacimba nos tempos de infância.
Adélia é gostosa, é “bebível”. É uma cacimba de mistério, uma banheira de prazer, um tonel de palavras; uma poetisa em quem eu estou “constantemente” mergulhando.
Sunday, July 15, 2007
Gotas de Sofia - Protesto
Depois da vaia que o Presidente Lula recebeu na aberturas do Pan, o Rio de Janeiro (pelo menos para mim) não continua lindo. Não consigo entender o que esporte tem a ver com política. Que hora infeliz, meu Deus, para se fazer protesto, e que maneira deselegante de fazer protesto tão inoportuno.
Imagino o que os outros países estão pensando de nós.
O Presidente Lula é uma autoridade, queiram ou não, e deve ser respeitado. Existem momentos que ideologias políticas não podem estar á frente do comportamento humano. Na Europa, quando a população quer demonstrar que não aceita o pensamento ou o comportamento de algum político, simplesmente não o aplaude quando o mesmo se pronuncia. Além de ser elegante e educado, o silêncio pode ainda ser mais forte e falar mais alto que a vaia.
Fiquei com muita vergonha. Vaia é coisa de moleque. Nem mesmo a presença do governo paralelo carioca (o tráfico) conseguiu manchar a imagem do Rio como aquela maldita vaia. Foi desumano, não se humilha um presidente dessa maneira.
Não consigo mais ver o Cristo Redentor de braços abertos. O Cartão-Postal carioca mudou e pra bem pior.
Imagino o que os outros países estão pensando de nós.
O Presidente Lula é uma autoridade, queiram ou não, e deve ser respeitado. Existem momentos que ideologias políticas não podem estar á frente do comportamento humano. Na Europa, quando a população quer demonstrar que não aceita o pensamento ou o comportamento de algum político, simplesmente não o aplaude quando o mesmo se pronuncia. Além de ser elegante e educado, o silêncio pode ainda ser mais forte e falar mais alto que a vaia.
Fiquei com muita vergonha. Vaia é coisa de moleque. Nem mesmo a presença do governo paralelo carioca (o tráfico) conseguiu manchar a imagem do Rio como aquela maldita vaia. Foi desumano, não se humilha um presidente dessa maneira.
Não consigo mais ver o Cristo Redentor de braços abertos. O Cartão-Postal carioca mudou e pra bem pior.
Tuesday, July 10, 2007
Gotas de Sofia - FDS (Fim Da Sabença)
Embaralho-me toda com esse “fds” (final de semana) do Orkut. Todas as vezes que alguém me deseja um fds, tipo: “Passei só pra te desejar um bom fds, Rosane”; sempre leio: “Passei só pra te desejar uma boa f..., Rosane”. Por mais que eu diga a mim mesma que FDS quer dizer FINAL DE SEMANA, sempre me vem isso na mente. Deve ser maldade desse meu cérebro cansado ou muita carência, não sei.
Sei que a Língua Portuguesa tem sofrido no Orkut, tem sido torturada aos poucos, como se nos houvesse feito um grande mal e quiséssemos vê-la morrer aos pouquinhos, bem devagar, numa lenta tortura. Nada satisfeitos com os “erros do nosso português ruim”, o pessoal, pra economizar palavra, tempo, sabe lá, tem transformado nosso idioma num sanduíche sem molho e feito ás pressas. Boa parte dessa culpa nós podemos colocar nas Lan Houses da vida. O lema dessas bodegas virtuais não diz “tempo é dinheiro”, mas “palavra é dinheiro”, pois são através da economia das palavras que se economizam alguns trocados. Que ironia! Quem poderia supor que um dia a Língua Portuguesa fosse sofrer tamanho descaso vindo de milhões de pequenas locadoras. O Orkut é nazista, tratando-se da nossa língua. As Lan Houses são verdadeiros campos de concentração gramatical.
Eu sei que não falo nem escrevo corretamente, tenho plena convicção que agora mesmo, neste exato momento os erros estão aqui pra quem quiser ver, mas pelo amor de Deus, o que fazem no Orkut com nossa língua é um crime; e também quero deixar claro que não tenho NADA contra as Lan Houses; pra quem não tem a menor condição de comprar um PC, essas lojas caíram como uma luva, mas tenho, sim, contra a turma que põe as palavras num pilão gramatical, socam, recalcam, em fim, ESCULHAMBAM com o nosso português; mastigam e corrompem a palavra a tal ponto que o linguajar brasileiro vai ficando cada vez mais pobre, insignificante e destituído de beleza. Que bom seria se a “turma do pilão” lesse Adélia Prado. A mulher parece uma adega de palavras; ela nos coloca nas mãos cada palavra linda que dá vontade de bebê-la e degustá-la como se degusta um bom vinho; sem falar nas que ela inventa. Que pena que o nosso país não goste de ler e mais pena ainda que a corrupção tenha atingido lugares nunca dantes navegados: As palavras.
Sei que a Língua Portuguesa tem sofrido no Orkut, tem sido torturada aos poucos, como se nos houvesse feito um grande mal e quiséssemos vê-la morrer aos pouquinhos, bem devagar, numa lenta tortura. Nada satisfeitos com os “erros do nosso português ruim”, o pessoal, pra economizar palavra, tempo, sabe lá, tem transformado nosso idioma num sanduíche sem molho e feito ás pressas. Boa parte dessa culpa nós podemos colocar nas Lan Houses da vida. O lema dessas bodegas virtuais não diz “tempo é dinheiro”, mas “palavra é dinheiro”, pois são através da economia das palavras que se economizam alguns trocados. Que ironia! Quem poderia supor que um dia a Língua Portuguesa fosse sofrer tamanho descaso vindo de milhões de pequenas locadoras. O Orkut é nazista, tratando-se da nossa língua. As Lan Houses são verdadeiros campos de concentração gramatical.
Eu sei que não falo nem escrevo corretamente, tenho plena convicção que agora mesmo, neste exato momento os erros estão aqui pra quem quiser ver, mas pelo amor de Deus, o que fazem no Orkut com nossa língua é um crime; e também quero deixar claro que não tenho NADA contra as Lan Houses; pra quem não tem a menor condição de comprar um PC, essas lojas caíram como uma luva, mas tenho, sim, contra a turma que põe as palavras num pilão gramatical, socam, recalcam, em fim, ESCULHAMBAM com o nosso português; mastigam e corrompem a palavra a tal ponto que o linguajar brasileiro vai ficando cada vez mais pobre, insignificante e destituído de beleza. Que bom seria se a “turma do pilão” lesse Adélia Prado. A mulher parece uma adega de palavras; ela nos coloca nas mãos cada palavra linda que dá vontade de bebê-la e degustá-la como se degusta um bom vinho; sem falar nas que ela inventa. Que pena que o nosso país não goste de ler e mais pena ainda que a corrupção tenha atingido lugares nunca dantes navegados: As palavras.
Thursday, July 05, 2007
Gotas de Sofia com Manoel de Barros
Há quem receite a palavra ao ponto de osso, oco; ao ponto de ninguém e de nuvem.
Sou mais a palavra com febre, decaída, fodida, na sarjeta.
Sou mais a palavra ao ponto de entulho.
Amo arrastar algumas no caco de vidro, envergá-las pro chão, corrompê-las até que padeçam de mim e me sujem de branco.
Sonho exercer com elas o ofício de criado: usá-las como quem usa brincos.
Gotas de Sofia com Cora Coralina
Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces.
Recomeça. Faz de tua vida mesquinha um poema.
E viverás no coração dos jovens e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas e não entraves seu uso aos que têm sede.
Thursday, June 28, 2007
Gotas de Sofia - O Bêbado e a Equilibrista
Estava, como sempre, na Praça do Ferreira, num fim de tarde maravilhoso. Esperava Mirna. Tínhamos combinado um cappucino e eu sentei no lugar onde costumamos nos encontrar. De repente, sentou ao meu lado um bêbado, daqueles sujos, mal cheirosos, indesejáveis. Sentou e ficou. Aos poucos, as pessoas que estavam sentadas foram levantando e só eu fiquei. Eu tenho a mania de gostar de conversar com pessoas desconhecidas, saber o que elas pensam; gosto de ouvir, afinal, tem um pensamento que diz se temos dois ouvidos e uma boca é porque devemos ouvir mais e falar menos. Sempre aprendemos quando paramos para ouvir, mesmo que seja aprender o que NAO devemos fazer. O escritor Rubem Alves disse numa entrevista que poucas pessoas sabem ouvir porque ouvir é complicado, pois exige que os outros sentidos sejam silenciados. Estranhamente senti vontade de conversar com o sujeito completamente embriagado que estava do meu lado. Iniciei o diálogo com um olhar. Ele já foi me pedindo um real para comer alguma coisa, argumentei que não acreditava que ele fosse comer e que sabia que iria beber. Ele disse que eu estava certa, queria mesmo era beber uma. Iniciamos a conversa. Falei pra ele do AA (Alcoólicos Anônimos) e ele disse que não tinha a menor vontade de parar de beber. Contou-me que já tinha sido do exército e muito bem casado. No inicio bebia socialmente; como morava numa casa grande, nos finais de semana recebia os amigos em casa para churrascadas e, claro, muita cerveja. Era tudo muito bom, ele disse, ganhava bem, tinha regalias por ser do exército, uma boa esposa e um filhinho que amava muito. Um dia, ele bebeu umas cervejas e saiu com o filho no carro. O garoto, que ia no assento do lado, pediu pra ele correr, no que ele atendeu. No desejo de brincar com o filho, de mostrar que era "o cara", meteu o pé no acelerador e só lembra do carro virando e do garoto ser cuspido para fora. O menino morreu na hora. Tinha oito anos. Por causa desse acidente seu casamento acabou - a esposa o acusava - e ele caiu de vez na bebida. Abandonou o exército e a vida. Disse que não se matava porque era covarde. Perdeu tudo, filho, esposa, e dos irmãos não queria saber, queria, sim, beber até morrer. Sentia-se culpado e a única coisa que aliviava seu sentimento de culpa era álcool. Confidenciou que praticava pequenos furtos para garantir a bebida e sempre se dava mal. Dei a idéia de ele buscar a Deus e ele disse que Deus não existia. Percebi que ao tocar no assunto sobre Deus, ele ficou com expressão de revolta que depois foi se transformando e seu rosto foi ficando mais sereno. Falei que eu também tinha sido alcoólatra, que tinha perdido pessoas que amava e ele chorou. Nessas alturas da conversa o efeito da bebida havia passado. Ele confessou que havia no seu coração um pouquinho de vontade de ver sua vida reestruturada, mas achava impossível. Ele tinha sonhos. Mirna chegou e fomos tomar o cappucino combinado. Quando eu saía, o homem disse: - Obrigada por conversar comigo; Deus lhe abençoe! - Fiquei tocada e não me saiu da cabeça o fato de saber que ninguém, por pior que seja a situação, deixa de sonhar, condição inerente ao ser humano. Eu tenho os meus sonhos. Aquele homem me ajudou. Ficava me perguntando pra que sonhar, se meus sonhos não irão realizar-se mesmo. Quem disse que não? O sol ainda nasce, a chuva ainda cai, eu ainda respiro. Isso traz á realidade a velha frase "enquanto houver vida, há esperança".Também aprendi outra coisa: cada bêbado, mendigo ou desvalido que encontramos, neles existe uma historia a ser contada, a ser ouvida, a ser aprendida. A vida é uma corda bamba e necessitamos de equilíbrio. Todos somos equilibristas e, como somos imperfeitos, precisamos de algo que nos ampare, pois quedas sao inevitaveis. Deus tem de ser o equilibrio da nossa vida e o nosso ajudador quando cairmos. Com Deus nos equilibrando, não haverá quedas fatais e sim, um novo começo de algo bom que estará para acontecer.
Wednesday, June 27, 2007
Gotas de Sofia - Defeito Necessário
O prédio em que trabalho tem vinte andares e dois elevadores (foto). Eles estao sempre em manutenção, isto quer dizer que quase sempre há longas filas de espera. É irritante, dá um desânimo ter que descer para fazer uma coisa simples como lanchar, por exemplo. Mas tudo bem, já tô acostumada.
Outro dia soube que o elevador de um outro prédio despencou do segundo andar devido o cabo ter quebrado. O homem que se encontrava no elevador estava muito mal na U.T.I. Fiquei impressionada. Sempre reclamo dos elevadores do meu prédio que só vivem dando defeito, mas agora dou graças a Deus.
É que conversei com um técnico em elevador e ele disse que o elevador que caiu “nunca dava defeito”, por isso mesmo eles não davam manutenção, afinal não precisava.
Segundo o mecânico de elevadores, este foi exatamente o erro do síndico, como o elevador não apresentava defeito, a manutenção não era acionada. Quis economizar e acabou tendo um prejuízo maior.
Por dar muito defeito, os elevadores do prédio em que trabalho estão sempre em manutenção, daí eles nunca terem caído, pois todas as vezes que eles enguiçam, o mecânico sabe se tem algum outro defeito grave. Fiquei tranqüila e agora quando o elevador demora muito a quebrar, fico preocupada, ansiosa por um defeitinho.
Acho que assim acontece com as pessoas. Quando aparentam perfeição demais temos que desconfiar. No dia que der defeito, a coisa é feia. Do mesmo modo que não existem elevadores perfeitos, também não existem pessoas perfeitas.
Pensando bem, sou que nem o elevador do meu prédio: preciso estar sempre em manutenção, fazer introspecções dos meus defeitos e procurar vencê-los. Tenho sorte de ter acesso rápido e confiante ao fabricante. Deus me conhece e sabe onde preciso de conserto. Por isso, todas as vezes que enguiço em alguma área da minha vida, fecho os meus olhos e peço ajuda a Deus. Mesmo que demore, o conserto vem. É só esperar.
Outro dia soube que o elevador de um outro prédio despencou do segundo andar devido o cabo ter quebrado. O homem que se encontrava no elevador estava muito mal na U.T.I. Fiquei impressionada. Sempre reclamo dos elevadores do meu prédio que só vivem dando defeito, mas agora dou graças a Deus.
É que conversei com um técnico em elevador e ele disse que o elevador que caiu “nunca dava defeito”, por isso mesmo eles não davam manutenção, afinal não precisava.
Segundo o mecânico de elevadores, este foi exatamente o erro do síndico, como o elevador não apresentava defeito, a manutenção não era acionada. Quis economizar e acabou tendo um prejuízo maior.
Por dar muito defeito, os elevadores do prédio em que trabalho estão sempre em manutenção, daí eles nunca terem caído, pois todas as vezes que eles enguiçam, o mecânico sabe se tem algum outro defeito grave. Fiquei tranqüila e agora quando o elevador demora muito a quebrar, fico preocupada, ansiosa por um defeitinho.
Acho que assim acontece com as pessoas. Quando aparentam perfeição demais temos que desconfiar. No dia que der defeito, a coisa é feia. Do mesmo modo que não existem elevadores perfeitos, também não existem pessoas perfeitas.
Pensando bem, sou que nem o elevador do meu prédio: preciso estar sempre em manutenção, fazer introspecções dos meus defeitos e procurar vencê-los. Tenho sorte de ter acesso rápido e confiante ao fabricante. Deus me conhece e sabe onde preciso de conserto. Por isso, todas as vezes que enguiço em alguma área da minha vida, fecho os meus olhos e peço ajuda a Deus. Mesmo que demore, o conserto vem. É só esperar.
Nota de Sofia: Olha aí o prédio que trabalho. Dá pra imaginar o elevador despencando lá de cima? Quem fotografou fui eu.
Rapidíssimas - Frases
"Somente onde há sepulturas há também ressurreições" (Nietzsche).
"Dizer que tudo um dia ficará bem é nossa esperança. Dizer que tudo vai bem hoje é nossa ilusão" (Voltaire).
"Não lemos o que lemos. Lemos o que somos" (Bernardo Soares).
"'Carp Diem' quer dizer 'colha o dia'. Colha o dia como se fosse um fruto maduro que amanhã estará podre. A vida não pode ser economizada para amanhã. Ela acontece sempre no presente" (Rubem Alves).
Tuesday, June 26, 2007
Gotas de Sofia com Ledo Ivo
Sou um sobrevivente na passagem entre o dia e a noite. Onde estão as figuras de antigamente, em que estrelas, em que túmulos se esconderam? Gari implacável, a vida varre os sonhos dos homens e, na praça vazia, vagam os fantasmas dos fracassos dissimulados e dos gordos perjúrios. Sozinho na grande cidade que engole as promessas dos homens, vejo-me passar de repente no jovem poeta desconhecido que atravessa o meu caminho. Deixo de ser eu mesmo para ser, por um instante, o jovem poeta sem nome. Que ele seja fiel à sua promessa de agora, eis o que peço. Que ele seja uma dessas criaturas para as quais nada é perdido, segundo a lição de Henry James. Mas a quem dirigir esse pedido ? Os deuses inexistentes não me ouvem. À vida cega e surda? Ao mar longínquo e mudo? O jovem poeta Ledo Ivo dilui-se na sombra da tarde. E anoitece.
Saturday, June 23, 2007
Gotas de Sofia com Jacques Prévert - O Gato e o Pássaro
Uma cidade escuta desolada
O canto de um pássaro ferido
É o único pássaro da cidade
E foi o único gato da cidade
Que o devorou pela metade
E o pássaro deixa de cantar
O gato deixa de ronronar
E de lamber o focinho
E a cidade prepara para o pássaro
Funerais maravilhosos
E o gato que foi convidado
Segue o caixãozinho de palha
Em que deitado está o pássaro morto
Levado por uma menina
Que não pára de chorar
Se soubesse que você ia sofrer tanto
Lhe diz o gato
Teria comido ele todinho
E depois teria te dito
Que tinha visto ele voar
Voar até o fim do mundo
Lá onde o longe é tão longe
Que de lá não volta mais
Você teria sofrido menos
Só tristeza e saudades
É preciso nunca fazer as coisas pela metade
Nota de Sofia: O título desta foto é "Asas da Imaginação".
Thursday, June 21, 2007
Gotas de Sofia - Não Foi Nada Engraçado!
Quando eu era menina, adorava "andar de carro" com o Dim, meu irmão por parte de pai. Ele era divertido, moleque, brincalhão, mulherengo e bebedor. Lembro que quando íamos no carro, ele cantava alto e pedia pra eu acompanhar fazendo percursão improvisada: a porta do carro. Dizia que eu tinha jeito pra tocar bateria.
Eu cresci e me tornei boêmia como o Dim. Por causa dessa boemia em comum nos tornamos muito amigos e saíamos juntos vez por outra. Uma vez, doidos pra farrear, roubamos o carro do nosso pai; de volta da farra, vinhamos na "Zeba" (como é hoje conhecida a Av. José Bastos), tínhamos enchido a cara com "batida de banana" (arghhh) e o Dim meteu o pé no acelerador, fazendo o carro voar. Ele cantava alto e eu, como sempre, acompanhava na percursão improvisada. De repente, a direção do carro se escondeu em algum lugar, o Dim a perdeu e o carrinho, um Fiat azul, (daqueles primeiros), abraçou uma árvore "zebastiana" com todo o gás. Lembro que quando o carro estava correndo pros braços da árvore, senti o braço do Dim segurar meu peito como um cinto de segurança, pois naquele tempo ninguém usava cinto e se usasse, era um tremendo "zé mané". Como ele me protegeu com seu braço, nao sofri nenhum dano, já ele...
Veio a pancada, estilhaços de vidro e o rosto do Dim coberto de sangue. Quando vi a cara do Dim toda vermelha, toda ensanguentada, tive uma crise de riso. Ri tanto que o pessoal que correu pra ajudar achou que eu tava doida, mas eu tava era muito nervosa.
Fomos levados para o hospital e o Dim teve que amargar dias de cama sem mulher e sem bebida. Jejum sexual e alcoólico total.
A lembrança dessa batida de carro me trouxe á memória um incidente (não acidente) quase igual, só que com pessoas diferentes. Minha amiga Jô me levou pra passear de jeep pela recém-inaugurada Beira-Mar. Éramos adolescentes e fomos uma turma no jeep de um amigo, do qual não recordo o nome neste momento. Estava eu, Jô, Jaqueline, Geny e o motorista do jeep de capota aberta - um desbunde pra época - passeando na praia. A gente ía pra cima e pra baixo, rindo, gritando naquela algazarra de gente demasiadamente jovem, quando a direção quebrou. Olhei e vi o tal rapaz literalmente com a direção na mão, solta no ar. Foi um desespero coletivo, menos da Jô, é claro. Sabe o que aconteceu? A Jô teve uma das suas sádicas crises de riso; ria da minha cara vermelha de medo e da Geny, que chorava dizendo: - Oh, meu Deus... Vou morrer sem a tia saber...
A tia da Geny era a Dona Dulce, que a criava.
Não sei como aquela direção voltou ao lugar. O jeep foi controlado e graças a Deus, não houve nada, mas a Jô passou anos rindo da frase desesperada e desconexa da Geny.
Voltando ao Dim, a maneira como ele me protegeu na noite da batida sempre esteve na minha memória e no meu coração. Isso aconteceu no ano de 1981, eu tinha dezenove anos.
Eu deixei de beber, larguei as farras e por isso o Dim deu uma afastada de mim, os nossos mundos tornaram-se muito diferentes, mas eu sei que ele nunca deixou de me amar.
Hoje é quinta-feira, 21 de junho de 2007. De segunda para terça, ás 1:30 da madrugada, acordei com o grito da minha irmã, que mora ao lado. "Meti os pés" e quando saí na rua, vi o Dim deitado na calçada, em frente a casa dela, morrendo numa parada cárdio-respiratória. Tentamos reanimá-lo, enquanto vizinhos que também ouviram o grito, chamavam táxi e ambulância, mas quando chegaram era tarde demais, o Dim estava morto.
Dias atrás ele havia saído do hospital. Devido á bebida alcoólica, ganhou uma cirrose e por causa do cigarro, um efizema pulmonar. Parou de beber, mas continuou fumando, disse que o cigarro, não largaria nunca. Pobre Dim. Fez a escolha errada.
A memória tem o dom de ressuscitar palavras, ações, que julgamos ter esquecido. Enquanto tentava reanimá-lo, lembrei quando ele, há muito tempo atrás, me disse que gostaria de morrer ao ar livre, olhando para as estrelas, não num hospital. Seu pedido foi atendido.
Meu coração tá muito apertado. O Dim me protegeu colocando seu braço no meu peito na noite da batida e eu nada pude fazer com o meu braço em seu peito na noite da sua morte. O coração do Dim não quis saber, parou de bater e dessa vez não houve crise de riso, e sim, de choro, de profunda tristeza e pesar.
Dessa vez, não foi nada engraçado!
Eu cresci e me tornei boêmia como o Dim. Por causa dessa boemia em comum nos tornamos muito amigos e saíamos juntos vez por outra. Uma vez, doidos pra farrear, roubamos o carro do nosso pai; de volta da farra, vinhamos na "Zeba" (como é hoje conhecida a Av. José Bastos), tínhamos enchido a cara com "batida de banana" (arghhh) e o Dim meteu o pé no acelerador, fazendo o carro voar. Ele cantava alto e eu, como sempre, acompanhava na percursão improvisada. De repente, a direção do carro se escondeu em algum lugar, o Dim a perdeu e o carrinho, um Fiat azul, (daqueles primeiros), abraçou uma árvore "zebastiana" com todo o gás. Lembro que quando o carro estava correndo pros braços da árvore, senti o braço do Dim segurar meu peito como um cinto de segurança, pois naquele tempo ninguém usava cinto e se usasse, era um tremendo "zé mané". Como ele me protegeu com seu braço, nao sofri nenhum dano, já ele...
Veio a pancada, estilhaços de vidro e o rosto do Dim coberto de sangue. Quando vi a cara do Dim toda vermelha, toda ensanguentada, tive uma crise de riso. Ri tanto que o pessoal que correu pra ajudar achou que eu tava doida, mas eu tava era muito nervosa.
Fomos levados para o hospital e o Dim teve que amargar dias de cama sem mulher e sem bebida. Jejum sexual e alcoólico total.
A lembrança dessa batida de carro me trouxe á memória um incidente (não acidente) quase igual, só que com pessoas diferentes. Minha amiga Jô me levou pra passear de jeep pela recém-inaugurada Beira-Mar. Éramos adolescentes e fomos uma turma no jeep de um amigo, do qual não recordo o nome neste momento. Estava eu, Jô, Jaqueline, Geny e o motorista do jeep de capota aberta - um desbunde pra época - passeando na praia. A gente ía pra cima e pra baixo, rindo, gritando naquela algazarra de gente demasiadamente jovem, quando a direção quebrou. Olhei e vi o tal rapaz literalmente com a direção na mão, solta no ar. Foi um desespero coletivo, menos da Jô, é claro. Sabe o que aconteceu? A Jô teve uma das suas sádicas crises de riso; ria da minha cara vermelha de medo e da Geny, que chorava dizendo: - Oh, meu Deus... Vou morrer sem a tia saber...
A tia da Geny era a Dona Dulce, que a criava.
Não sei como aquela direção voltou ao lugar. O jeep foi controlado e graças a Deus, não houve nada, mas a Jô passou anos rindo da frase desesperada e desconexa da Geny.
Voltando ao Dim, a maneira como ele me protegeu na noite da batida sempre esteve na minha memória e no meu coração. Isso aconteceu no ano de 1981, eu tinha dezenove anos.
Eu deixei de beber, larguei as farras e por isso o Dim deu uma afastada de mim, os nossos mundos tornaram-se muito diferentes, mas eu sei que ele nunca deixou de me amar.
Hoje é quinta-feira, 21 de junho de 2007. De segunda para terça, ás 1:30 da madrugada, acordei com o grito da minha irmã, que mora ao lado. "Meti os pés" e quando saí na rua, vi o Dim deitado na calçada, em frente a casa dela, morrendo numa parada cárdio-respiratória. Tentamos reanimá-lo, enquanto vizinhos que também ouviram o grito, chamavam táxi e ambulância, mas quando chegaram era tarde demais, o Dim estava morto.
Dias atrás ele havia saído do hospital. Devido á bebida alcoólica, ganhou uma cirrose e por causa do cigarro, um efizema pulmonar. Parou de beber, mas continuou fumando, disse que o cigarro, não largaria nunca. Pobre Dim. Fez a escolha errada.
A memória tem o dom de ressuscitar palavras, ações, que julgamos ter esquecido. Enquanto tentava reanimá-lo, lembrei quando ele, há muito tempo atrás, me disse que gostaria de morrer ao ar livre, olhando para as estrelas, não num hospital. Seu pedido foi atendido.
Meu coração tá muito apertado. O Dim me protegeu colocando seu braço no meu peito na noite da batida e eu nada pude fazer com o meu braço em seu peito na noite da sua morte. O coração do Dim não quis saber, parou de bater e dessa vez não houve crise de riso, e sim, de choro, de profunda tristeza e pesar.
Dessa vez, não foi nada engraçado!
Friday, June 15, 2007
Gotas de Sofia com Adélia Prado - O Sempre Amor
Amor é a coisa mais alegre,
amor é a coisa mais triste,
amor é coisa que mais quero.
Por causa dele falo palavras como lanças.
Amor é a coisa mais alegre,
amor é a coisa mais triste,
amor é coisa que mais quero.
Por causa dele podem entalhar-me,
sou de pedra sabão.
Alegre ou triste,
amor é coisa que mais quero.
Nota de Sofia: Adélia, Adélia, Adélia!
Adega, Adega, Adega
de palavras,
que o tempo torna melhor.
Ilustração: Foto da lua feita por Sofia.
Wednesday, June 13, 2007
Gotas de Sofia - O Parto
Elas moravam na "rua dos trilhos", hoje Tristão Gonçalves, bem no centro de Fortaleza. Segundo minha mãe, o bonde passava bem em frente à casa que fora herança do pai das três irmãs solteironas, e mulher solteira naquela época ou seria freira ou ficava no "caritó".
Pois bem, Estela, Isa e Cora eram três moças solteiras que moravam na mesma casa e as histórias de suas solteirices eram das cômicas às dramáticas. Uns diziam que a primeira fora abandonada no altar e assim perdeu o gosto pelo amor; a segunda não tendo o consentimento do pai para casar-se com o homem amado, decidiu não querer conhecer as delícias e as dores do matrimônio com outro; e a terceira, por livre-arbítrio (que Deus a todos dá), resolveu ficar solteira, e assim, sem o saber, foi uma das pioneiras na emancipação feminina cearense.
Cora era uma moça solteira por livre e espontânea vontade, em plena Fortaleza provinciana, arcaica e de população faladeira. Ainda no tempo em que a Praça da Lagoinha era uma pequena lagoa (daí a origem do nome) onde vacas e cavalos iam matar a sede, e que abacaxi era chamado de "ananás".
Cora, a mais nova e a única extrovertida e alegre do trio, com esse "gesto de liberdade", mostrava que tinha o sangue do pai, Theodorico de Castro, abolicionista convicto, que comprava escravos (os poucos que existiam no Ceará) e os alforriava, para espanto dos amigos e preocupação da família, pois o antiescravocrata, um dos fundadores da Sociedade "Liberdade e Porvir", não era homem de muitos recursos. Ficavam espantados com o ato, no que ele respondia:
- Que é que tem? O dinheiro não é meu? - E assim, em nome da liberdade dos negros, a família foi ficando mais pobre.
Um dia, as três ficaram sem o pai abolicionista, sem a mãe, casaram-se os irmãos e a solteirice tornou-se o elo que unia Estela, Isa e Cora. Continuaram morando na rua dos trilhos iluminada por lampião à gás, vendo o tempo embranquiçar-lhes os cabelos e assistindo a chegada do progresso que, para quem começa a viver é essencial e motivo de orgulho, mas para quem está a meio caminho da vida, é o comboio onde se vê partir a própria história e os velhos e cômodos costumes.
As irmãs, rodeadas pelas mudanças que foram pouco a pouco tomando conta de Fortaleza, mantinham-se resistentes na velha casa de quintal diminuído, devido a venda da metade do terreno para que o pai custeasse seu sonho de liberdade. Então, a primeira coisa que viram ir embora foram os pés de sapoti, manga-rosa, genipapo, manguita, siriguela, goiaba, abacate, cajarana, romã, cajá e tantas outras frutas que diariamente viravam saborosos sucos. Logo depois foi a vez da bodega do Chico Ramos, que ficava na esquina da Pedro Pereira, onde crianças saboreavam alfinins e rapazes conquistavam as moças de família comprando tijolinhos em forma de coração, por 400 réis e os enviavam às beldades, junto com românticos bilhetinhos. A velha bodega fechava suas portas para dar lugar e uma das primeiras lojas de tecido.
Já não mais se ouvia o grito da negra velha, filha de escravo, rainha do congo, que já caduca, acusando o filho de lhe ter roubado e vendido a folclórica coroa para beber cachaça, gritava ensandecida:
---- Chicoooooooo, me dá minha coroa, Chico!!!
Ou a voz estridente do vendedor de mel que gritava a plenos pulmões:
---- Meeeeeeeellll, olha o meeeeeel!
A Praça da Lagoinha também foi sendo lapidada pelo progresso, não para ser transformada numa jóia da arquitetura urbana, mas para tornar-se uma escultura grotesca e de extremo mau gosto.
Estela, a saudosista, sentava-se na sala da casa, na mesma cadeira que o pai costumava sentar para falar dos malefícios da escravidão e ficava a lembrar-se e a quase ouvir a banda de música da polícia que tocava no coreto da praça todos os domingos. Chamavam esse acontecimento de "retreta".
---- Vai ter retreta hoje na praça - avisavam os transeuntes, felizes da vida.
As três irmãs ouviam a retreta sentadas num banco de madeira bem no centro da praça, que era divida. O centro da praça era exclusivo às famílias, e lá, as domésticas não podiam transitar. Eram-lhes permitidas somente as pontas da praça, onde não havia bancos.
A música vinha inocente, misturada ao perfume das boas-noite brancas e das patiulís, que impregnavam o ar das noites cálidas de Fortaleza.
Assim, Estela, Isa e Cora foram envelhecendo, envelhecendo e não se sabe se feliz ou infelizmente, foram ficando para ver a rua dos trilhos tornar-se Avenida Tristão Gonçalves, os automóveis tomando o lugar do bonde, o asfalto chegando, a praça tornar-se a "praça dos malandros" e as lojas aglomerando-se qual uma favela comercial.
Estela era vegetariana convicta, defensora exagerada do sexto mandamento "Não matarás". Não admitia assassinato nem de barata, para desespero de Cora e Isa, que viviam às turras com a irmã, porque esta se recusava a matar o repugnante inseto. Quando via Isa com um chinelo na mão, pronta para começar o holocausto, corria e segurava os braços da carrasca de baratas.
---- Você não quer viver, Isa? Não gosta de viver? Então deixe nossas irmãs inferiores viverem também -- bradava defendendo o estranho parentesco.
---- Irmãs inferiores? Só se forem suas, porque minhas não são, não! -- respondia Isa indignada, com chinelo em punho, disposta mais do que nunca à carnificina.
Um dia, Estela caiu doente de velhice. Estava com quase cem anos, farta de dias. Todos nós sabemos que a inevitável morte, mais cedo ou mais tarde chegará, o que não foi diferente com nossa querida vegetariana, defensora da vida. Uma doencinha aqui, outro probleminha ali, não teve alimentação saudável, à base de frutas e verduras, que pudesse fazer alguma coisa por "Nenê" (assim chamada carinhosamente), apesar da dieta especial de tantos anos ter ajudado na preservação da espécie.
Isa e Cora cuidavam de Estela com carinho. Cora era figura extremamente divertida, possuía o dom de animá-la e estava sempre ao seu lado, enquanto Isa dedicava-se à administração da casa, pois naqueles dias, devido à idade avançada das três, era-lhes necessário ter uma diarista, vista no início com muita desconfiança, mas com o tempo aceita com carinho pelos três bons corações que habitavam a velha casa da Tristão Gonçalves.
Uma tarde, Estela sentiu uma forte dor de barriga. Fortes cólicas agitavam seu corpo magro e enfraquecido pelos anos. Já não podia levantar-se e andar até o banheiro e recusava-se a usar a "aparadeira". Dizia que enquanto tivesse lucidez, jamais usaria humilhante indumentária, e justamente por causa disto foi providenciado uma cadeira de rodas com uma abertura no assento para que assim nossa querida vegetariana pudesse sentar-se e fazer suas necessidades sem precisar caminhar até o banheiro.
As cólicas apertavam mais e mais. Neste dia, Isa e Cora estavam na cozinha conversando e ouvindo rádio. Prestavam atenção na voz desafinada do moço que cantava "Chega de Saudade" e comentavam sobre as mudanças na música popular brasileira. Reclamavam porque no rádio não se ouvia mais Augusto Calheiros e Orlando Silva, que segundo elas, foram substituídos pela tal Bossa-Nova. O volume da música não lhes permitiam ouvir os apelos desesperados de Estela, que esforçava-se para não fazer as necessidades na cama, pois outra característica sua era a higiene extremada.
A diarista, que acabara de chegar da feira, entrou esbaforida na cozinha, chamando aflita:
---- Dona Cora, a dona Estela tá feito uma desesperada gritando por vocês. Acho que ela tá sentindo alguma coisa.
Todas acudiram ao quarto, onde encontraram Estela se contorcendo de dor.
----- Cora... Cora -- chamava Estela aflita -- Eu quero ir ao banheiro... Quero ir ao banheiro -- gemia com voz sumida, pálida de dor.
A diarista correu a buscar a cadeira de rodas. As três, com muito esforço, colocaram-na sentada e já empurravam a cadeira em direção ao banheiro que ficava perto da cozinha, quando Cora percebeu que não daria tempo. Olhou para a jovem diarista e pediu numa aperreação só:
----- Corra e traga o penico depressa!!!!
A diarista saiu tumultuada e trouxe o penico que foi imediatamente colocado em baixo da cadeira de rodas, em lugar estratégico.
Estela contorcia-se de dor cada vez mais. Grandes gotas de suor escorriam de sua testa pálida, afinal, completavam quase cinco dias que não fazia aquele tipo de necessidade fisiológica, devido a prisão de ventre.
Pois bem, Estela, Isa e Cora eram três moças solteiras que moravam na mesma casa e as histórias de suas solteirices eram das cômicas às dramáticas. Uns diziam que a primeira fora abandonada no altar e assim perdeu o gosto pelo amor; a segunda não tendo o consentimento do pai para casar-se com o homem amado, decidiu não querer conhecer as delícias e as dores do matrimônio com outro; e a terceira, por livre-arbítrio (que Deus a todos dá), resolveu ficar solteira, e assim, sem o saber, foi uma das pioneiras na emancipação feminina cearense.
Cora era uma moça solteira por livre e espontânea vontade, em plena Fortaleza provinciana, arcaica e de população faladeira. Ainda no tempo em que a Praça da Lagoinha era uma pequena lagoa (daí a origem do nome) onde vacas e cavalos iam matar a sede, e que abacaxi era chamado de "ananás".
Cora, a mais nova e a única extrovertida e alegre do trio, com esse "gesto de liberdade", mostrava que tinha o sangue do pai, Theodorico de Castro, abolicionista convicto, que comprava escravos (os poucos que existiam no Ceará) e os alforriava, para espanto dos amigos e preocupação da família, pois o antiescravocrata, um dos fundadores da Sociedade "Liberdade e Porvir", não era homem de muitos recursos. Ficavam espantados com o ato, no que ele respondia:
- Que é que tem? O dinheiro não é meu? - E assim, em nome da liberdade dos negros, a família foi ficando mais pobre.
Um dia, as três ficaram sem o pai abolicionista, sem a mãe, casaram-se os irmãos e a solteirice tornou-se o elo que unia Estela, Isa e Cora. Continuaram morando na rua dos trilhos iluminada por lampião à gás, vendo o tempo embranquiçar-lhes os cabelos e assistindo a chegada do progresso que, para quem começa a viver é essencial e motivo de orgulho, mas para quem está a meio caminho da vida, é o comboio onde se vê partir a própria história e os velhos e cômodos costumes.
As irmãs, rodeadas pelas mudanças que foram pouco a pouco tomando conta de Fortaleza, mantinham-se resistentes na velha casa de quintal diminuído, devido a venda da metade do terreno para que o pai custeasse seu sonho de liberdade. Então, a primeira coisa que viram ir embora foram os pés de sapoti, manga-rosa, genipapo, manguita, siriguela, goiaba, abacate, cajarana, romã, cajá e tantas outras frutas que diariamente viravam saborosos sucos. Logo depois foi a vez da bodega do Chico Ramos, que ficava na esquina da Pedro Pereira, onde crianças saboreavam alfinins e rapazes conquistavam as moças de família comprando tijolinhos em forma de coração, por 400 réis e os enviavam às beldades, junto com românticos bilhetinhos. A velha bodega fechava suas portas para dar lugar e uma das primeiras lojas de tecido.
Já não mais se ouvia o grito da negra velha, filha de escravo, rainha do congo, que já caduca, acusando o filho de lhe ter roubado e vendido a folclórica coroa para beber cachaça, gritava ensandecida:
---- Chicoooooooo, me dá minha coroa, Chico!!!
Ou a voz estridente do vendedor de mel que gritava a plenos pulmões:
---- Meeeeeeeellll, olha o meeeeeel!
A Praça da Lagoinha também foi sendo lapidada pelo progresso, não para ser transformada numa jóia da arquitetura urbana, mas para tornar-se uma escultura grotesca e de extremo mau gosto.
Estela, a saudosista, sentava-se na sala da casa, na mesma cadeira que o pai costumava sentar para falar dos malefícios da escravidão e ficava a lembrar-se e a quase ouvir a banda de música da polícia que tocava no coreto da praça todos os domingos. Chamavam esse acontecimento de "retreta".
---- Vai ter retreta hoje na praça - avisavam os transeuntes, felizes da vida.
As três irmãs ouviam a retreta sentadas num banco de madeira bem no centro da praça, que era divida. O centro da praça era exclusivo às famílias, e lá, as domésticas não podiam transitar. Eram-lhes permitidas somente as pontas da praça, onde não havia bancos.
A música vinha inocente, misturada ao perfume das boas-noite brancas e das patiulís, que impregnavam o ar das noites cálidas de Fortaleza.
Assim, Estela, Isa e Cora foram envelhecendo, envelhecendo e não se sabe se feliz ou infelizmente, foram ficando para ver a rua dos trilhos tornar-se Avenida Tristão Gonçalves, os automóveis tomando o lugar do bonde, o asfalto chegando, a praça tornar-se a "praça dos malandros" e as lojas aglomerando-se qual uma favela comercial.
Estela era vegetariana convicta, defensora exagerada do sexto mandamento "Não matarás". Não admitia assassinato nem de barata, para desespero de Cora e Isa, que viviam às turras com a irmã, porque esta se recusava a matar o repugnante inseto. Quando via Isa com um chinelo na mão, pronta para começar o holocausto, corria e segurava os braços da carrasca de baratas.
---- Você não quer viver, Isa? Não gosta de viver? Então deixe nossas irmãs inferiores viverem também -- bradava defendendo o estranho parentesco.
---- Irmãs inferiores? Só se forem suas, porque minhas não são, não! -- respondia Isa indignada, com chinelo em punho, disposta mais do que nunca à carnificina.
Um dia, Estela caiu doente de velhice. Estava com quase cem anos, farta de dias. Todos nós sabemos que a inevitável morte, mais cedo ou mais tarde chegará, o que não foi diferente com nossa querida vegetariana, defensora da vida. Uma doencinha aqui, outro probleminha ali, não teve alimentação saudável, à base de frutas e verduras, que pudesse fazer alguma coisa por "Nenê" (assim chamada carinhosamente), apesar da dieta especial de tantos anos ter ajudado na preservação da espécie.
Isa e Cora cuidavam de Estela com carinho. Cora era figura extremamente divertida, possuía o dom de animá-la e estava sempre ao seu lado, enquanto Isa dedicava-se à administração da casa, pois naqueles dias, devido à idade avançada das três, era-lhes necessário ter uma diarista, vista no início com muita desconfiança, mas com o tempo aceita com carinho pelos três bons corações que habitavam a velha casa da Tristão Gonçalves.
Uma tarde, Estela sentiu uma forte dor de barriga. Fortes cólicas agitavam seu corpo magro e enfraquecido pelos anos. Já não podia levantar-se e andar até o banheiro e recusava-se a usar a "aparadeira". Dizia que enquanto tivesse lucidez, jamais usaria humilhante indumentária, e justamente por causa disto foi providenciado uma cadeira de rodas com uma abertura no assento para que assim nossa querida vegetariana pudesse sentar-se e fazer suas necessidades sem precisar caminhar até o banheiro.
As cólicas apertavam mais e mais. Neste dia, Isa e Cora estavam na cozinha conversando e ouvindo rádio. Prestavam atenção na voz desafinada do moço que cantava "Chega de Saudade" e comentavam sobre as mudanças na música popular brasileira. Reclamavam porque no rádio não se ouvia mais Augusto Calheiros e Orlando Silva, que segundo elas, foram substituídos pela tal Bossa-Nova. O volume da música não lhes permitiam ouvir os apelos desesperados de Estela, que esforçava-se para não fazer as necessidades na cama, pois outra característica sua era a higiene extremada.
A diarista, que acabara de chegar da feira, entrou esbaforida na cozinha, chamando aflita:
---- Dona Cora, a dona Estela tá feito uma desesperada gritando por vocês. Acho que ela tá sentindo alguma coisa.
Todas acudiram ao quarto, onde encontraram Estela se contorcendo de dor.
----- Cora... Cora -- chamava Estela aflita -- Eu quero ir ao banheiro... Quero ir ao banheiro -- gemia com voz sumida, pálida de dor.
A diarista correu a buscar a cadeira de rodas. As três, com muito esforço, colocaram-na sentada e já empurravam a cadeira em direção ao banheiro que ficava perto da cozinha, quando Cora percebeu que não daria tempo. Olhou para a jovem diarista e pediu numa aperreação só:
----- Corra e traga o penico depressa!!!!
A diarista saiu tumultuada e trouxe o penico que foi imediatamente colocado em baixo da cadeira de rodas, em lugar estratégico.
Estela contorcia-se de dor cada vez mais. Grandes gotas de suor escorriam de sua testa pálida, afinal, completavam quase cinco dias que não fazia aquele tipo de necessidade fisiológica, devido a prisão de ventre.
Isa segurou num braço e a diarista no outro, enquanto Cora a observava de frente, esperando ansiosa que a irmã mais velha vencesse a difícil batalha. A pobre mulher espremia-se fazendo uma força descomunal, além da capacidade de seu pequenino e frágil corpo. O rosto branco tornou-se vermelho, devido ao esforço, deixando Cora apreensiva.
Com os olhos esbugalhados, Estela espremia-se, parecendo que seu corpo estava prestes a explodir.
De repente sua fisionomia mudou drasticamente. O que antes era a face do terror tornou-se paz, enquanto no pequeno quarto pairava um fedor inacreditável.
Isa, Cora e a diarista levaram, simultaneamente, as mãos ao nariz. O mau cheiro impestava o ar. A diarista inventou uma desculpa e saiu. Estela, tranqüila, mas ofegante, chamou pela irmã:
------ Cora... Cora...!!!
------ O que é Estela? -- perguntou curiosa.
Ainda ofegante e sem forças, Estela estendeu as frágeis e trêmulas mãos para Cora e a segurou pelo braço com as poucas forças que lhe restavam, implorando chorosamente:
------ Por favor, Cora... Cuide do meu filho... Cuide do meu filho... --- delirava.
As duas irmãs entreolharam-se espantadas. Cora olhou para dentro do recipiente que estava embaixo da cadeira de rodas, sem acreditar como algo tão grande saíra de um corpo tão magro.
Apontou para o penico e com dedo em riste, exclamou alto e bom som:
----- Desse fedorento aí??? NUNCA!!!!!
Com os olhos esbugalhados, Estela espremia-se, parecendo que seu corpo estava prestes a explodir.
De repente sua fisionomia mudou drasticamente. O que antes era a face do terror tornou-se paz, enquanto no pequeno quarto pairava um fedor inacreditável.
Isa, Cora e a diarista levaram, simultaneamente, as mãos ao nariz. O mau cheiro impestava o ar. A diarista inventou uma desculpa e saiu. Estela, tranqüila, mas ofegante, chamou pela irmã:
------ Cora... Cora...!!!
------ O que é Estela? -- perguntou curiosa.
Ainda ofegante e sem forças, Estela estendeu as frágeis e trêmulas mãos para Cora e a segurou pelo braço com as poucas forças que lhe restavam, implorando chorosamente:
------ Por favor, Cora... Cuide do meu filho... Cuide do meu filho... --- delirava.
As duas irmãs entreolharam-se espantadas. Cora olhou para dentro do recipiente que estava embaixo da cadeira de rodas, sem acreditar como algo tão grande saíra de um corpo tão magro.
Apontou para o penico e com dedo em riste, exclamou alto e bom som:
----- Desse fedorento aí??? NUNCA!!!!!
Thursday, June 07, 2007
Gotas de Sofia - "Homocausos" 3
O ano era 1973. Na Praça do Jardim América havia chegado uma “quermesse”. Eu tinha onze anos e estava deslumbradíssima com a Roda Gigante; para mim não havia aventura maior que dar uma volta naquela coisa gigantesca, que nos elevava ás alturas e provava por A+B que menina era corajosa. Eu não era lá um poço de coragem, muito pelo contrário. Eu era aquela que as meninas tinham que ajudar a subir em árvores e em muros. Juntávamos uma turma pra ir roubar manga em um terreno próximo da nossa casa e elas nunca me deixavam subir porque a subida tomaria muito tempo, se por acaso o dono do terreno aparecesse eu não conseguiria descer rápido, então eu segurava o saco e ficava recebendo as mangas que eram jogadas pelas muito corajosas Jô, Jaqueline e Celsa. Que rapidez para subir na árvore e roubar manga, meu Deus. Eu as invejava profundamente. A mais rápida e corajosa era Jô, pois era pequena e magra, o que facilitava muito.
Conheci Jô aos dez anos, em novembro de 1972 e digo com convicção que ela foi um dos grandes presentes de Deus para mim. Foi uma companheira maravilhosa e esteve comigo nos momentos mais difíceis da minha vida. Pena que Deus a tenha chamado tão cedo. Como eu disse, Jô esteve ao meu lado em tempos difíceis e era “expert” em encorajar, consolar e apoiar um amigo sob qualquer circunstância. Sob QUALQUER circunstância MESMO.
Foi nesse parque, na Roda Gigante, que deparei pela primeira vez com a coragem e com o apoio dessa grande e inesquecível amiga, apoio esse que se repetiria por trinta e dois anos e coragem essa que não ficava apenas nas subidas ás árvores.
Chegamos ao parque e ela foi logo chamando pra gente dar uma volta na Roda Gigante. Minhas pernas tremeram só em pensar de estar lá no alto. Perguntei se ela não preferia o carrossel e recebi um olhar que dizia ser eu uma idiota, então sugeri os barquinhos de madeira e ela me chamou de babaca com os olhos. Tinha doze anos.
- Deixa de frescura, Rosane... Tu num tem vergonha, não? Ter medo duma besteira dessas? Anda logo!!!! – E foi me puxando praticamente a força para a fila que se formava na bilheteria.
Ingresso na mão, roda gigante parando e o coração também. Eu tava tão nervosa que mal podia respirar. Quando chegou a nossa vez de subir, quis desistir, mas ela me segurou pelo braço e me sentou no banco da Roda Gigante. O rapaz que punha a roda para girar fechou nosso banco e subimos um pouco para que outro banco fosse ocupado. A roda começou a subir, subir, subir e o meu coração a descer para os pés. E ela ria da minha cara vermelha, do meu olhar de desespero. Eu olhava para baixo, as pessoas iam diminuindo e meu medo aumentando e a risada da sádica cada vez mais forte. Ainda não satisfeita com meu sofrimento, começou a balançar o banco, a ficar em pé e a gargalhar quando a Roda Gigante descia de uma vez.
Eu já tava pra pedir socorro quando notei que ela ficou séria de repente.
- Que foi, Jô? - O pavor tomou conta de mim. Achei que estava acontecendo alguma coisa com a Roda Gigante.
- O que foi??? – Insisti – Fala logo!!!
O movimento da roda começou a diminuir. Ela me olhou nos olhos e me pediu para olhar para baixo, para uma pequena aglomeração de pessoas que se formava de frente para a bilheteria. Olhei e percebi o tumulto de uma multidão que aumentava. A Roda Gigante deu uma parada para descer a primeira dupla e eu, lá de cima, pude ver que bem no meio da multidão estava meu irmão e junto dele estava Raquel, um dos primeiros travestis de Fortaleza. Os dois eram muito amigos, meu irmão havia a algum tempo assumido sua sexualidade homo e nessa noite levou a Raquel para passear no parque, achando que as pessoas não sabiam que era um homem, mas alguém que conhecia a Raquel deu com a língua nos dentes e o boato que havia um travesti no parque foi se espalhando. Pois bem, olhei um pouco mais e vi que vários homens tinham pedras na mão. Meu coração quase parou de vez. Eles queriam linchar a Raquel e meu irmão não deixava, protegia o amigo que chorava apavorado e como os linchadores conheciam minha família, queriam somente a Raquel e tentavam arrancá-la pela força; como ele insistia em não entregá-la, alguns já estavam ficando irados e já o ameaçavam.
Finalmente chegou nossa vez de descer. Nem sequer colocamos o pé em terra e Jô correu para o lado do tumulto. Eu fui atrás. Como era magra e pequena, foi abrindo passagem “na marra” e se posicionou ao lado do meu irmão.
Dois conhecidos do bairro estavam muito enfurecidos e acusavam meu irmão de trazer para o parque um “degenerado”. Tentavam puxar a Raquel e meu irmão não deixava. Olhei para meu mano e vi pavor em seus olhos. Nessas alturas do campeonato, todo o parque parou para ver o desfecho. Gritos, uivos, xingamentos vinham de todos os lados. Lembro que tocava a música “Meu amigo Charles Brown”, do Benito Di Paula e até hoje tenho horror de ouvi-la.
De repente meu irmão saiu puxando Raquel. A multidão saiu atrás xingando, e Jô e eu fomos juntas. Nós quatro caminhávamos rapidamente e a multidão continuava nos acompanhando. Queríamos chegar na Av. João Pessoa e tomar um táxi, mas tava difícil, os rapazes queriam Raquel de qualquer jeito. Começamos a correr. Eu ouvia gritos de “Pega! Pega!” e senti um gosto de morte, uma sensação de que ali era o fim. Olhei e vi um fusca-táxi. Dei a mão e ele, milagrosamente, parou. Os táxis que passavam não paravam com medo do que viam. A porta abriu. Meu irmão rapidamente subiu e Raquel foi atrás. Um dos rapazes segurou Raquel pelos cabelos longos e loiros. Meu irmão a puxava para dentro do fusca e o motorista, aflito, não sabia o que fazer. Eu olhava sem poder fazer nada. A dor, a raiva e o medo eram tão intensos que me paralisaram quando vi a violência. Comecei a chorar, gritando.
Repentinamente ouvi um urro. Olhei para ver o que havia acontecido e não acreditei na cena. Minha amiga Jô achou um pedaço de pau, não sei onde e deu uma paulada nos testículos do sujeito que agredia a Raquel. Como era pequena e magra, não foi muito difícil acertar o alvo.
O cara caiu no chão urrando de dor. Raquel subiu e o fusca saiu chispando. Ficamos eu e ela.
Uma mistura de alívio e gosto de vingança me invadiu. O amigo do rapaz agressor olhou pra Jô e disse:
- Vou contar pra tua mãe o que tu fez, Celinha. Se tu fosse minha irmã te metia a chibata. Deste tamanho e defendendo baitola. Vou falar pro teu irmão, o Joarilson.
- Pode falar até pro Papa. Se vier vai levar paulada nos ovos também.
Ficou parada com o pedaço de pau na mão e a multidão voltou ao parque. O espetáculo havia acabado. Olhou pra mim e falou:
- Deixa de frescura, mulher. Fica aí parada chorando feito besta.
Saímos caminhando de volta para casa. Íamos em silêncio e de repente ela começou a rir. Ria tanto que me contagiou e eu também caí na gargalhada.
- Tu precisava ver a tua cara vermelha, Rô! Muito engraçada, eu num agüento.
E sempre foi assim. Sempre que a sádica me via em situação de medo, caía na gargalhada. Foi desse jeito até quando estava no hospital para operar-se de um tumor no intestino. Quando as enfermeiras chegaram para levá-la á sala de cirurgia, eu estava junto e meu coração se encheu de medo. Ela olhou pra mim e começou a rir, mostrando as enfermeiras minha cara vermelha. Me fitou o olho e disse:
- Pensa que vai se livrar de mim, hein? Eu vou voltar, cara de tomate! - E se foi.
Naquela noite da tentativa de linchamento quase não dormi. Adrenalina pura. Mas uma coisa eu tinha certeza, apesar dos meus poucos anos: Havia ganho um tesouro de valor inquestionável: minha pequena grande amiga sádica Joaricele, a Jô.
Conheci Jô aos dez anos, em novembro de 1972 e digo com convicção que ela foi um dos grandes presentes de Deus para mim. Foi uma companheira maravilhosa e esteve comigo nos momentos mais difíceis da minha vida. Pena que Deus a tenha chamado tão cedo. Como eu disse, Jô esteve ao meu lado em tempos difíceis e era “expert” em encorajar, consolar e apoiar um amigo sob qualquer circunstância. Sob QUALQUER circunstância MESMO.
Foi nesse parque, na Roda Gigante, que deparei pela primeira vez com a coragem e com o apoio dessa grande e inesquecível amiga, apoio esse que se repetiria por trinta e dois anos e coragem essa que não ficava apenas nas subidas ás árvores.
Chegamos ao parque e ela foi logo chamando pra gente dar uma volta na Roda Gigante. Minhas pernas tremeram só em pensar de estar lá no alto. Perguntei se ela não preferia o carrossel e recebi um olhar que dizia ser eu uma idiota, então sugeri os barquinhos de madeira e ela me chamou de babaca com os olhos. Tinha doze anos.
- Deixa de frescura, Rosane... Tu num tem vergonha, não? Ter medo duma besteira dessas? Anda logo!!!! – E foi me puxando praticamente a força para a fila que se formava na bilheteria.
Ingresso na mão, roda gigante parando e o coração também. Eu tava tão nervosa que mal podia respirar. Quando chegou a nossa vez de subir, quis desistir, mas ela me segurou pelo braço e me sentou no banco da Roda Gigante. O rapaz que punha a roda para girar fechou nosso banco e subimos um pouco para que outro banco fosse ocupado. A roda começou a subir, subir, subir e o meu coração a descer para os pés. E ela ria da minha cara vermelha, do meu olhar de desespero. Eu olhava para baixo, as pessoas iam diminuindo e meu medo aumentando e a risada da sádica cada vez mais forte. Ainda não satisfeita com meu sofrimento, começou a balançar o banco, a ficar em pé e a gargalhar quando a Roda Gigante descia de uma vez.
Eu já tava pra pedir socorro quando notei que ela ficou séria de repente.
- Que foi, Jô? - O pavor tomou conta de mim. Achei que estava acontecendo alguma coisa com a Roda Gigante.
- O que foi??? – Insisti – Fala logo!!!
O movimento da roda começou a diminuir. Ela me olhou nos olhos e me pediu para olhar para baixo, para uma pequena aglomeração de pessoas que se formava de frente para a bilheteria. Olhei e percebi o tumulto de uma multidão que aumentava. A Roda Gigante deu uma parada para descer a primeira dupla e eu, lá de cima, pude ver que bem no meio da multidão estava meu irmão e junto dele estava Raquel, um dos primeiros travestis de Fortaleza. Os dois eram muito amigos, meu irmão havia a algum tempo assumido sua sexualidade homo e nessa noite levou a Raquel para passear no parque, achando que as pessoas não sabiam que era um homem, mas alguém que conhecia a Raquel deu com a língua nos dentes e o boato que havia um travesti no parque foi se espalhando. Pois bem, olhei um pouco mais e vi que vários homens tinham pedras na mão. Meu coração quase parou de vez. Eles queriam linchar a Raquel e meu irmão não deixava, protegia o amigo que chorava apavorado e como os linchadores conheciam minha família, queriam somente a Raquel e tentavam arrancá-la pela força; como ele insistia em não entregá-la, alguns já estavam ficando irados e já o ameaçavam.
Finalmente chegou nossa vez de descer. Nem sequer colocamos o pé em terra e Jô correu para o lado do tumulto. Eu fui atrás. Como era magra e pequena, foi abrindo passagem “na marra” e se posicionou ao lado do meu irmão.
Dois conhecidos do bairro estavam muito enfurecidos e acusavam meu irmão de trazer para o parque um “degenerado”. Tentavam puxar a Raquel e meu irmão não deixava. Olhei para meu mano e vi pavor em seus olhos. Nessas alturas do campeonato, todo o parque parou para ver o desfecho. Gritos, uivos, xingamentos vinham de todos os lados. Lembro que tocava a música “Meu amigo Charles Brown”, do Benito Di Paula e até hoje tenho horror de ouvi-la.
De repente meu irmão saiu puxando Raquel. A multidão saiu atrás xingando, e Jô e eu fomos juntas. Nós quatro caminhávamos rapidamente e a multidão continuava nos acompanhando. Queríamos chegar na Av. João Pessoa e tomar um táxi, mas tava difícil, os rapazes queriam Raquel de qualquer jeito. Começamos a correr. Eu ouvia gritos de “Pega! Pega!” e senti um gosto de morte, uma sensação de que ali era o fim. Olhei e vi um fusca-táxi. Dei a mão e ele, milagrosamente, parou. Os táxis que passavam não paravam com medo do que viam. A porta abriu. Meu irmão rapidamente subiu e Raquel foi atrás. Um dos rapazes segurou Raquel pelos cabelos longos e loiros. Meu irmão a puxava para dentro do fusca e o motorista, aflito, não sabia o que fazer. Eu olhava sem poder fazer nada. A dor, a raiva e o medo eram tão intensos que me paralisaram quando vi a violência. Comecei a chorar, gritando.
Repentinamente ouvi um urro. Olhei para ver o que havia acontecido e não acreditei na cena. Minha amiga Jô achou um pedaço de pau, não sei onde e deu uma paulada nos testículos do sujeito que agredia a Raquel. Como era pequena e magra, não foi muito difícil acertar o alvo.
O cara caiu no chão urrando de dor. Raquel subiu e o fusca saiu chispando. Ficamos eu e ela.
Uma mistura de alívio e gosto de vingança me invadiu. O amigo do rapaz agressor olhou pra Jô e disse:
- Vou contar pra tua mãe o que tu fez, Celinha. Se tu fosse minha irmã te metia a chibata. Deste tamanho e defendendo baitola. Vou falar pro teu irmão, o Joarilson.
- Pode falar até pro Papa. Se vier vai levar paulada nos ovos também.
Ficou parada com o pedaço de pau na mão e a multidão voltou ao parque. O espetáculo havia acabado. Olhou pra mim e falou:
- Deixa de frescura, mulher. Fica aí parada chorando feito besta.
Saímos caminhando de volta para casa. Íamos em silêncio e de repente ela começou a rir. Ria tanto que me contagiou e eu também caí na gargalhada.
- Tu precisava ver a tua cara vermelha, Rô! Muito engraçada, eu num agüento.
E sempre foi assim. Sempre que a sádica me via em situação de medo, caía na gargalhada. Foi desse jeito até quando estava no hospital para operar-se de um tumor no intestino. Quando as enfermeiras chegaram para levá-la á sala de cirurgia, eu estava junto e meu coração se encheu de medo. Ela olhou pra mim e começou a rir, mostrando as enfermeiras minha cara vermelha. Me fitou o olho e disse:
- Pensa que vai se livrar de mim, hein? Eu vou voltar, cara de tomate! - E se foi.
Naquela noite da tentativa de linchamento quase não dormi. Adrenalina pura. Mas uma coisa eu tinha certeza, apesar dos meus poucos anos: Havia ganho um tesouro de valor inquestionável: minha pequena grande amiga sádica Joaricele, a Jô.
Gotas de Sofia - Coisas de Cearense
Dia desses tomei o ônibus Parangaba/Mucuripe, na altura da Av. João Pessoa. Era um sábado quente, o calor sufocante das duas da tarde, aquelas tardes onde todo mundo se encontra na parada da desimpaciência.
Notei que na parte de trás do ônibus se posicionavam em direção à roleta umas oito pessoas, esperando o cobrador que não se encontrava no seu local de trabalho.
Percebi uma mulher morena, baixinha, troncuda, batendo o pé rapidamente, naquele gesto nordestino de espera indesejável. E o cobrador, nada. Uns foram sentando e nas paradas seguintes o ônibus foi parando para pegar mais passageiros, e o cobrador...Nada.
Todos os rostos estavam voltados para o lado do motorista, todos esperavam que surgisse o desejado cobrador, pois o espaço já estava mais que apertado.
Já chegando na Av. 13 de Maio, a mulher baixinha, troncuda e com cara de típica cearense, mostrou ser mesmo do Ceará através do linguajar. Ora, todos sabemos que cearense adora, venera palavrão, que linguajar de baixo calão é lugar comum aqui na terrinha. Dizem que cearense parece com judeu, tem em todo lugar e que judeu gosta de dinheiro, cearense gosta de palavrão. Não pode viver sem ele.
Lembro de uma ex-vizinha minha (ex, graças a Deus), onde sua casa era parede-com-parede com a minha. Nossas casas eram do mesmo tamanho e modelo, aquelas casas compridas de vila; onde ficava o meu quarto, ficava o dela e aí, já viu, né? Se ela desse um espirro alto pela madrugada, a gripe se instalava no meu lado.
Esta vizinha tinha um linguajar terrível. De dez palavras, onze era palavrão. E tinha uma mania que me deixava desesperada. Ela e o marido, depois de brigas homéricas, curtiam um filminho pornô e tinham a mania de ouvir a TV no último volume...No quarto, é claro.
Aí vocês podem imaginar a esculhambação que rolava.
Eu, pobre solteira, carente e solitária, ficava ouvindo nitidamente aqueles gemidos americanos. Se o leitor não conhece gemido americano, vá a uma locadora próxima e alugue um filme pornô e aí você saberá a diferença. Não sei se é proposital, mas atriz pornô americana quando está atuando lembra mais uma sirene de carro de bombeiro do que uma mulher sentindo prazer. Então, dentro de minutos de película erótica, os gemidos da terra do Tio Sam se misturavam aos urros da terra da “Burra Preta”, lembram dela?
Pois bem, eu passava as noites ouvindo aqueles “Ooooh, yesssss...Fuck me...Fuck me” unido a gritos de “Aiiiiiii...é agora...é agora”.... E o pior: depois que eles terminavam, adormeciam, esqueciam-se da vida e... De desligar a TV.
Dá pra imaginar aquele típico chiado televisivo, alto e bom som, em plena madrugada? E sem falar nos roncos do maridão saciado. Eu, coitada, com os dois travesseiros, um em cada ouvido, tentava, em vão, dormir e caía no choro, não sei se de raiva ou solidão. Só sei que sexo, para mim, não foi mais a mesma coisa.
Esta vizinha tinha um filho de mais ou menos seis anos, chamado Carlinhos. Posso garantir ao caríssimo leitor que sei o nome do Carlinhos porque ele mesmo me disse, mas pela boca da mãe eu o conhecia como “porra”. E posso garantir também que o nome do marido não sei até o dia de hoje, só o conheci pela alcunha de “bicho nojento”.
Era um tal de “Vem cá, porra; vem tomar banho, porra; anda comer, porra”, que fiquei curiosa pra saber o nome daquela criança. Aproveitei um dia em que ele brincava na calçada e perguntei: - Qual o seu nome, garoto? (quase que o chamo “porra”). E ele respondeu, para minha surpresa:
--- Carlinhos!
Entrei em casa satisfeita de saber que o menino tinha um nome, quando, estupefata, ouvi a vizinha chamar do quintal de sua casa: - Carliiiiiimmmm....! E o menino nada de responder. Ela chamou a segunda vez mais alto: - Carliiiiiiiiiiimmm!... E nada. Eu torcia que o garoto respondesse, pois havia acontecido um milagre: a mãe do Carlinhos o chamava pelo seu verdadeiro nome. Pensei cá com meus botões: é o aniversário dele, talvez.
Com a voz já se esguelando, gritou a terceira vez: - Carliiiiiiimmmm... E o Carlinhos lá na calçada, brincando...
A mulher largou o que tava fazendo e, aos berros, esbravejou da cozinha: - Pau no cúúúúú, vem cáááááá... E o Carlinhos, lá da calçada, respondeu choroso e calmo: - Quiééé, mãe?
Aí eu pensei: Deve ser o sobrenome dele.
Agora voltando ao ônibus, a mulher baixinha e troncuda abriu o verbo "palavrear".
Gritou da roleta a plenos pulmões: - Motoriiiiiistaaaaa, cadê o "carai" do trocador? A gente tem mais o que fazer... Eu num posso ficar nessa porra em pé a tarde toda, não!
O motorista olhou pelo retrovisor com os olhos espantados e perguntou: - O trocador num tá aí, não????
E todos responderam em uníssono: - Nãããooo!
O homem parou o ônibus, botou a mão na cabeça e disse: - Valha, esqueci o trocador no terminal.
A gargalhada foi unânime. Ficamos uns cinco minutos esperando o esquecido e aflito trocador chegar num ônibus que vinha atrás.
Desci no meu itinerário pensando: Coisas de cearense.
Notei que na parte de trás do ônibus se posicionavam em direção à roleta umas oito pessoas, esperando o cobrador que não se encontrava no seu local de trabalho.
Percebi uma mulher morena, baixinha, troncuda, batendo o pé rapidamente, naquele gesto nordestino de espera indesejável. E o cobrador, nada. Uns foram sentando e nas paradas seguintes o ônibus foi parando para pegar mais passageiros, e o cobrador...Nada.
Todos os rostos estavam voltados para o lado do motorista, todos esperavam que surgisse o desejado cobrador, pois o espaço já estava mais que apertado.
Já chegando na Av. 13 de Maio, a mulher baixinha, troncuda e com cara de típica cearense, mostrou ser mesmo do Ceará através do linguajar. Ora, todos sabemos que cearense adora, venera palavrão, que linguajar de baixo calão é lugar comum aqui na terrinha. Dizem que cearense parece com judeu, tem em todo lugar e que judeu gosta de dinheiro, cearense gosta de palavrão. Não pode viver sem ele.
Lembro de uma ex-vizinha minha (ex, graças a Deus), onde sua casa era parede-com-parede com a minha. Nossas casas eram do mesmo tamanho e modelo, aquelas casas compridas de vila; onde ficava o meu quarto, ficava o dela e aí, já viu, né? Se ela desse um espirro alto pela madrugada, a gripe se instalava no meu lado.
Esta vizinha tinha um linguajar terrível. De dez palavras, onze era palavrão. E tinha uma mania que me deixava desesperada. Ela e o marido, depois de brigas homéricas, curtiam um filminho pornô e tinham a mania de ouvir a TV no último volume...No quarto, é claro.
Aí vocês podem imaginar a esculhambação que rolava.
Eu, pobre solteira, carente e solitária, ficava ouvindo nitidamente aqueles gemidos americanos. Se o leitor não conhece gemido americano, vá a uma locadora próxima e alugue um filme pornô e aí você saberá a diferença. Não sei se é proposital, mas atriz pornô americana quando está atuando lembra mais uma sirene de carro de bombeiro do que uma mulher sentindo prazer. Então, dentro de minutos de película erótica, os gemidos da terra do Tio Sam se misturavam aos urros da terra da “Burra Preta”, lembram dela?
Pois bem, eu passava as noites ouvindo aqueles “Ooooh, yesssss...Fuck me...Fuck me” unido a gritos de “Aiiiiiii...é agora...é agora”.... E o pior: depois que eles terminavam, adormeciam, esqueciam-se da vida e... De desligar a TV.
Dá pra imaginar aquele típico chiado televisivo, alto e bom som, em plena madrugada? E sem falar nos roncos do maridão saciado. Eu, coitada, com os dois travesseiros, um em cada ouvido, tentava, em vão, dormir e caía no choro, não sei se de raiva ou solidão. Só sei que sexo, para mim, não foi mais a mesma coisa.
Esta vizinha tinha um filho de mais ou menos seis anos, chamado Carlinhos. Posso garantir ao caríssimo leitor que sei o nome do Carlinhos porque ele mesmo me disse, mas pela boca da mãe eu o conhecia como “porra”. E posso garantir também que o nome do marido não sei até o dia de hoje, só o conheci pela alcunha de “bicho nojento”.
Era um tal de “Vem cá, porra; vem tomar banho, porra; anda comer, porra”, que fiquei curiosa pra saber o nome daquela criança. Aproveitei um dia em que ele brincava na calçada e perguntei: - Qual o seu nome, garoto? (quase que o chamo “porra”). E ele respondeu, para minha surpresa:
--- Carlinhos!
Entrei em casa satisfeita de saber que o menino tinha um nome, quando, estupefata, ouvi a vizinha chamar do quintal de sua casa: - Carliiiiiimmmm....! E o menino nada de responder. Ela chamou a segunda vez mais alto: - Carliiiiiiiiiiimmm!... E nada. Eu torcia que o garoto respondesse, pois havia acontecido um milagre: a mãe do Carlinhos o chamava pelo seu verdadeiro nome. Pensei cá com meus botões: é o aniversário dele, talvez.
Com a voz já se esguelando, gritou a terceira vez: - Carliiiiiiimmmm... E o Carlinhos lá na calçada, brincando...
A mulher largou o que tava fazendo e, aos berros, esbravejou da cozinha: - Pau no cúúúúú, vem cáááááá... E o Carlinhos, lá da calçada, respondeu choroso e calmo: - Quiééé, mãe?
Aí eu pensei: Deve ser o sobrenome dele.
Agora voltando ao ônibus, a mulher baixinha e troncuda abriu o verbo "palavrear".
Gritou da roleta a plenos pulmões: - Motoriiiiiistaaaaa, cadê o "carai" do trocador? A gente tem mais o que fazer... Eu num posso ficar nessa porra em pé a tarde toda, não!
O motorista olhou pelo retrovisor com os olhos espantados e perguntou: - O trocador num tá aí, não????
E todos responderam em uníssono: - Nãããooo!
O homem parou o ônibus, botou a mão na cabeça e disse: - Valha, esqueci o trocador no terminal.
A gargalhada foi unânime. Ficamos uns cinco minutos esperando o esquecido e aflito trocador chegar num ônibus que vinha atrás.
Desci no meu itinerário pensando: Coisas de cearense.
Sunday, May 06, 2007
Gotas de Sofia... - Lembranças
Acho que já comentei por aqui sobre a mãe da minha amiga Iracélia, a D. Matilde.
Esses dias de chuva têem me trazido á memória a figura inesquecível da D. Matilde, a lavadeira do bairro. Separada do marido e tendo uma filha pra criar, D. Matilde lavava e passava pro pessoal do bairro, inclusive pra minha mãe. Todas as noites, ela e a Iracélia iam para minha casa. D. Matilde via TV junto com mamãe enquanto eu e a Iracélia, mais um bando de meninas, brincávamos de “carimba” na rua. Dias de muita felicidade.
A D. Matilde era detentora de uma personalidade mística e dizia ter o poder de receber “revelações” sobrenaturais. Numa dessas, que sempre acontecia depois dela tomar uns bons goles de cachaça, descobriu que se Deus podia ressuscitar pessoas, ela podia ressuscitar animais; e foi a partir dessa “revelação” que a vida da minha boa amiga Iracélia passou por dias turbulentos. Tudo que era de gato morto, seja por envenenamento, atropelamento ou doença, a D. Matilde, se tivesse tomado uns goles da “marvada”, corria a pegar o defunto e tentar ressuscitá-lo.
Tinha dias que ela chegava a levar para dentro de casa três gatos mortos e passava a noite inteira na tentativa de ressuscitar os bichanos com palavras incompreensíveis (pelo menos para mim) e com danças esquisitas.
A Iracélia ficava louca, coitada. Certa vez chegou com uma enoooorme jia. Era grande, gorda e... morta! A pobre Iracélia ficou mais que desesperada. D. Matilde cismou de ressuscitar a bicha e praticamente obrigou a filha a participar do ritual. Minha amiga contou depois que sua mãe abriu a jia com uma gilete e fez inúteis tentativas, é claro, de ressuscitar o animal. Vendo que não conseguia, assou a jia e fez tira-gosto. Foi aí que nasceu uma idéia na fértil cabeça da Iracélia. A minha amiga simplesmente começou a “caçar” jias no bairro e teve muita sorte porque era época de inverno e elas, as jias, faziam filas para serem apanhadas. Como aprendeu a “tratar” jia com a mãe, a Iracélia as vendia nos bares do bairro, que utilizavam carne de jia como “suavizante” da cachaça. Foi um sucesso! Os pinguços do Jardim América adoravam a iguaria e a Iracélia adorava ajudar no orçamento da casa. Foi com carne de jia que a Iracélia pôde ir para uma escola particular, a escola da D. Juanita que, ironicamente, ficava bem defronte do canal do Jardim América, lugar de “trabalho” da minha querida amiga. Era lá que ela capturava seu ganha-pão.
Eu mesma provei das jias da Iracélia. Uma delícia, de carne macia e adocicada, muito parecido com carne de frango. A gente comia com grapette, lembra? Mas só serviam assadas porque cozidas eu morria de nojo.
Estou agora olhando a chuva cair e vejo na memória o rosto da D. Matilde, da Iracélia e a saudade me aperta o peito. A memória tem esse poder de ressuscitar lembranças sem a necessidade de rituais. Esse é o poder que Deus nos deu de ressuscitar o que já foi.
Esses dias de chuva têem me trazido á memória a figura inesquecível da D. Matilde, a lavadeira do bairro. Separada do marido e tendo uma filha pra criar, D. Matilde lavava e passava pro pessoal do bairro, inclusive pra minha mãe. Todas as noites, ela e a Iracélia iam para minha casa. D. Matilde via TV junto com mamãe enquanto eu e a Iracélia, mais um bando de meninas, brincávamos de “carimba” na rua. Dias de muita felicidade.
A D. Matilde era detentora de uma personalidade mística e dizia ter o poder de receber “revelações” sobrenaturais. Numa dessas, que sempre acontecia depois dela tomar uns bons goles de cachaça, descobriu que se Deus podia ressuscitar pessoas, ela podia ressuscitar animais; e foi a partir dessa “revelação” que a vida da minha boa amiga Iracélia passou por dias turbulentos. Tudo que era de gato morto, seja por envenenamento, atropelamento ou doença, a D. Matilde, se tivesse tomado uns goles da “marvada”, corria a pegar o defunto e tentar ressuscitá-lo.
Tinha dias que ela chegava a levar para dentro de casa três gatos mortos e passava a noite inteira na tentativa de ressuscitar os bichanos com palavras incompreensíveis (pelo menos para mim) e com danças esquisitas.
A Iracélia ficava louca, coitada. Certa vez chegou com uma enoooorme jia. Era grande, gorda e... morta! A pobre Iracélia ficou mais que desesperada. D. Matilde cismou de ressuscitar a bicha e praticamente obrigou a filha a participar do ritual. Minha amiga contou depois que sua mãe abriu a jia com uma gilete e fez inúteis tentativas, é claro, de ressuscitar o animal. Vendo que não conseguia, assou a jia e fez tira-gosto. Foi aí que nasceu uma idéia na fértil cabeça da Iracélia. A minha amiga simplesmente começou a “caçar” jias no bairro e teve muita sorte porque era época de inverno e elas, as jias, faziam filas para serem apanhadas. Como aprendeu a “tratar” jia com a mãe, a Iracélia as vendia nos bares do bairro, que utilizavam carne de jia como “suavizante” da cachaça. Foi um sucesso! Os pinguços do Jardim América adoravam a iguaria e a Iracélia adorava ajudar no orçamento da casa. Foi com carne de jia que a Iracélia pôde ir para uma escola particular, a escola da D. Juanita que, ironicamente, ficava bem defronte do canal do Jardim América, lugar de “trabalho” da minha querida amiga. Era lá que ela capturava seu ganha-pão.
Eu mesma provei das jias da Iracélia. Uma delícia, de carne macia e adocicada, muito parecido com carne de frango. A gente comia com grapette, lembra? Mas só serviam assadas porque cozidas eu morria de nojo.
Estou agora olhando a chuva cair e vejo na memória o rosto da D. Matilde, da Iracélia e a saudade me aperta o peito. A memória tem esse poder de ressuscitar lembranças sem a necessidade de rituais. Esse é o poder que Deus nos deu de ressuscitar o que já foi.
Gotas de Sofia... - O Grande Rival
O maior rival de Deus é a felicidade. Todo ser humano, seja homem ou mulher; criança, jovem, adulto ou velho, todos correm atrás da felicidade. Não é o diabo o grande inimigo de Deus como pregam as religiões, mas algo que o próprio Deus criou e detém. Por que trabalhamos? Trabalhamos ou para ganhar dinheiro ou para nos realizarmos profissionalmente (segundo alguns, o melhor é trabalhar naquilo que se gosta). E com que finalidade se quer ganhar dinheiro ou realizar-se profissionalmente, senão para ser feliz? Por que queremos um cônjuge? Ou por que escolhemos ficar solteiros? Porque temos como certo que o casamento ou a solteirice por opção traz felicidade. Enfim, tudo, mas TUDO MESMO, desde a chupeta quando somos bebê, até o netinho nos braços quando idosos; tudo é correndo atrás da tal felicidade.Vivemos numa busca desenfreada, constante pela felicidade, como sedentos por água num deserto. E somos capazes de tudo para obtê-la. Oh, como somos.E por qual razão a busca pela felicidade é tão decepcionante? Por que é que a cada dia, na vida de cada um de nós, a felicidade tem formato utópico? Será errado querer ser feliz? Claro que não é. Almejar a felicidade é INERENTE ao ser humano. Fomos fabricados para sermos felizes, eis a razão de não aceitarmos o sofrimento, a tristeza, o fracasso, etc..
O problema é que colocamos a felicidade como meta principal do nosso viver, mesmo que não tenhamos consciência disso. Quando a tornamos muito importante, mas muito importante MESMO, os meios de conquistá-la ficam livres de critérios e julgamentos. Para tê-la vale tudo. Desde mentir, enganar, trair, iludir e roubar. O mais irônico em tudo isto é que a felicidade se encontra exatamente onde não a procuramos e está nas mãos de quem ela mais prejudica.
Uma vez, numa sala de aula, um professor perguntou aos alunos o que era mais importante em um navio. Quis saber o que seria ESSENCIAL para um navio navegar com sucesso. Um aluno respondeu que era o motor, pois sem o motor o navio não sairia do lugar, outro discordou e disse que era a equipe de navegação que colocava o motor do navio em movimento; já outro respondeu que era a embarcação em si e formou-se uma grande discussão. O professor pediu silêncio e respondeu que todos estavam errados. O mais importante para que um navio tenha sucesso é o PROJETISTA. Sem ele, o navio nem sequer existiria. O motor, a tripulação, o casco, etc, são resultados do trabalho do projetista. O navio não funcionaria sem nemhuma dessas coisas, mas elas foram projetadas, foram criadas por um projetista e precisam dele para funcionar com perfeição.
Assim é com Deus. Ele é o projetista da vida. A felicidade está nEle; se encontra em Suas mãos o segredo para ser feliz. Com Deus, a felicidade sai do campo da utopia e entra no campo da realidade. Ser feliz não é ter sensações boas, vontade de rir o tempo todo ou viver em ininterrupto prazer, ser feliz é ter paz, é confiar que a vida caminhará sempre para o melhor porque Deus vive dentro de nós. Não é a felicidade que está dentro de nós, e sim, o Autor da felicidade, que vive bem aí dentro de você. Procure-O.
Bem-aventurados os que nisso crêem.
Nota de Sofia: Este é o grupo de oração das sextas-feiras na casa da Neide, em Messejana. Da esquerda para a direita: Fran, Neuma, eu, Neide, Ariane e Jackie.
O problema é que colocamos a felicidade como meta principal do nosso viver, mesmo que não tenhamos consciência disso. Quando a tornamos muito importante, mas muito importante MESMO, os meios de conquistá-la ficam livres de critérios e julgamentos. Para tê-la vale tudo. Desde mentir, enganar, trair, iludir e roubar. O mais irônico em tudo isto é que a felicidade se encontra exatamente onde não a procuramos e está nas mãos de quem ela mais prejudica.
Uma vez, numa sala de aula, um professor perguntou aos alunos o que era mais importante em um navio. Quis saber o que seria ESSENCIAL para um navio navegar com sucesso. Um aluno respondeu que era o motor, pois sem o motor o navio não sairia do lugar, outro discordou e disse que era a equipe de navegação que colocava o motor do navio em movimento; já outro respondeu que era a embarcação em si e formou-se uma grande discussão. O professor pediu silêncio e respondeu que todos estavam errados. O mais importante para que um navio tenha sucesso é o PROJETISTA. Sem ele, o navio nem sequer existiria. O motor, a tripulação, o casco, etc, são resultados do trabalho do projetista. O navio não funcionaria sem nemhuma dessas coisas, mas elas foram projetadas, foram criadas por um projetista e precisam dele para funcionar com perfeição.
Assim é com Deus. Ele é o projetista da vida. A felicidade está nEle; se encontra em Suas mãos o segredo para ser feliz. Com Deus, a felicidade sai do campo da utopia e entra no campo da realidade. Ser feliz não é ter sensações boas, vontade de rir o tempo todo ou viver em ininterrupto prazer, ser feliz é ter paz, é confiar que a vida caminhará sempre para o melhor porque Deus vive dentro de nós. Não é a felicidade que está dentro de nós, e sim, o Autor da felicidade, que vive bem aí dentro de você. Procure-O.
Bem-aventurados os que nisso crêem.
Nota de Sofia: Este é o grupo de oração das sextas-feiras na casa da Neide, em Messejana. Da esquerda para a direita: Fran, Neuma, eu, Neide, Ariane e Jackie.
Thursday, April 05, 2007
Dica de Sofia
Os amantes do Blues não podem deixar de ver o DVD Etta James and The Roots Band "Burnin' Down the House", um SHOWZAÇO gravado no House of The Blues, famoso "antro" de blueseiros.
Com um cenário pra lá de simples, o show só vem provar que não é precisamente necessário um grande cenário para se ter um show de qualidade. Etta James, de forma intensa e emocionante, encanta o público com sua voz que vai muito mais além do podemos imaginar. Indispensável à "DVDteca" de quem se preza por ter bom gosto.
Saturday, March 31, 2007
Gotas de Lágrimas com Ana Beatriz
Gotas de Sofia com Carlos Drummond de Andrade - Beija-Flor
Gotas de Sofia com Carlos Drummond de Andrade - Os Homens, As Viagens
O homem, bicho da Terra tão pequeno
chateia-se na Terra
lugar de muita miséria e pouca diversão,
faz um foguete, uma cápsula, um módulo
toca para a Lua
desce cauteloso na Lua
pisa na Lua
planta bandeirola na Lua
experimenta a Lua
coloniza a Lua
civiliza a Lua
humaniza a Lua.
Lua humanizada: tão igual à Terra.
O homem chateia-se na Lua.
Vamos para Marte – ordena á suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em Marte
pisa em Marte
experimenta
coloniza
civiliza
humaniza Marte com engenho e arte.
Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro – diz o engenho
sofisticado e dócil.
Vamos a Vênus.
O homem põe o pé em Vênus,
vê o visto – é isto?
idem
idem
idem.
O homem funde a cuca se não for a Júpiter
proclamar justiça junto com a injustiça
repetir a fossa
repetir o inquieto
repetitório.
Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira Terra-a-terra.
O homem chega ao Sol e dá uma volta
só pra te ver?
Não-vê que ele inventa
roupa insiderável de viver no Sol.
Põe o pé e: mas que chato é o Sol,
falso touro espanhol domado.
Restam outros sistemas fora do solar a col-onizar.
Ao acabarem todos
só resta ao homem
(estará equipado?)
a dificílima dangerosíssima viagem
de si a si mesmo: pôr o pé no chão
do seu coração
experimentar
colonizar
civilizar
humanizar o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria de con-viver.
Friday, March 30, 2007
Gotas de Sofia com Walt Whitman
Alguém pedindo para ver a alma?
Veja sua própria forma e seu semblante,
Pessoas, bichos, plantas,
Os rios de águas correntes,
As pedras e as areias,
Tudo retém os júbilos do espírito
E os libera a seguir...
Quero fazer poemas das coisas materiais
Pois imagino que esses hão de ser
Os poemas de mais espiritualidade,
E farei poemas do meu corpo e do que há de mortal,
Pois acredito que eles me trarão os poemas
Da alma e da imortalidade.
Veja sua própria forma e seu semblante,
Pessoas, bichos, plantas,
Os rios de águas correntes,
As pedras e as areias,
Tudo retém os júbilos do espírito
E os libera a seguir...
Quero fazer poemas das coisas materiais
Pois imagino que esses hão de ser
Os poemas de mais espiritualidade,
E farei poemas do meu corpo e do que há de mortal,
Pois acredito que eles me trarão os poemas
Da alma e da imortalidade.
Wednesday, March 21, 2007
Gotas de Sofia com Chico Buarque - Amando Sobre os Jornais
Amando noites afora
Fazendo a cama sobre os jornais
Um pouco jogado fora
Um pouco sábios demais
Esparramados no mundo
Molhamos o mundo com delícias
As nossas peles retintas
De notícias
Amando noites a fio
Tramando coisas sobre os jornais
Fazendo entornar um rio
E arder os canaviais
Das páginas flageladas
Sorrimos, mãos dadas e, inocentes
Lavamos os nossos sexos
Nas enchentes
Amando noites a fundo
Tendo jornais como cobertor
Podendo abalar o mundo
No embalo do nosso amor
No ardor de tantos abraços
Caíram palácios
Ruiu um império
Os nossos olhos vidrados
De mistério
Gotas de Sofia com Adélia Prado - Anímico
Nasceu no meu jardim um pé de mato
que dá flor amarela.
Toda manhã vou lá pra escutar a zoeira
da insetaria na festa.
Tem zoado de todo jeito:
tem do grosso, tem do fino, de aprendiz e de mestre.
É pata, é asa, é boca, é bico,
é grão de poeira e pólen na fogueira do sol.
Parece que a arvorinha conversa.
Nota de Sofia: O que amo na Adélia Prado é sua "adega" de palavras. "Insetaria". Que palavra linda! E "arvorinha"? Mais carinhoso, impossível. Ler Adélia é como beber um bom vinho.
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