Thursday, June 21, 2007

Gotas de Sofia - Não Foi Nada Engraçado!

Quando eu era menina, adorava "andar de carro" com o Dim, meu irmão por parte de pai. Ele era divertido, moleque, brincalhão, mulherengo e bebedor. Lembro que quando íamos no carro, ele cantava alto e pedia pra eu acompanhar fazendo percursão improvisada: a porta do carro. Dizia que eu tinha jeito pra tocar bateria.
Eu cresci e me tornei boêmia como o Dim. Por causa dessa boemia em comum nos tornamos muito amigos e saíamos juntos vez por outra. Uma vez, doidos pra farrear, roubamos o carro do nosso pai; de volta da farra, vinhamos na "Zeba" (como é hoje conhecida a Av. José Bastos), tínhamos enchido a cara com "batida de banana" (arghhh) e o Dim meteu o pé no acelerador, fazendo o carro voar. Ele cantava alto e eu, como sempre, acompanhava na percursão improvisada. De repente, a direção do carro se escondeu em algum lugar, o Dim a perdeu e o carrinho, um Fiat azul, (daqueles primeiros), abraçou uma árvore "zebastiana" com todo o gás. Lembro que quando o carro estava correndo pros braços da árvore, senti o braço do Dim segurar meu peito como um cinto de segurança, pois naquele tempo ninguém usava cinto e se usasse, era um tremendo "zé mané". Como ele me protegeu com seu braço, nao sofri nenhum dano, já ele...
Veio a pancada, estilhaços de vidro e o rosto do Dim coberto de sangue. Quando vi a cara do Dim toda vermelha, toda ensanguentada, tive uma crise de riso. Ri tanto que o pessoal que correu pra ajudar achou que eu tava doida, mas eu tava era muito nervosa.
Fomos levados para o hospital e o Dim teve que amargar dias de cama sem mulher e sem bebida. Jejum sexual e alcoólico total.
A lembrança dessa batida de carro me trouxe á memória um incidente (não acidente) quase igual, só que com pessoas diferentes. Minha amiga Jô me levou pra passear de jeep pela recém-inaugurada Beira-Mar. Éramos adolescentes e fomos uma turma no jeep de um amigo, do qual não recordo o nome neste momento. Estava eu, Jô, Jaqueline, Geny e o motorista do jeep de capota aberta - um desbunde pra época - passeando na praia. A gente ía pra cima e pra baixo, rindo, gritando naquela algazarra de gente demasiadamente jovem, quando a direção quebrou. Olhei e vi o tal rapaz literalmente com a direção na mão, solta no ar. Foi um desespero coletivo, menos da Jô, é claro. Sabe o que aconteceu? A Jô teve uma das suas sádicas crises de riso; ria da minha cara vermelha de medo e da Geny, que chorava dizendo: - Oh, meu Deus... Vou morrer sem a tia saber...
A tia da Geny era a Dona Dulce, que a criava.
Não sei como aquela direção voltou ao lugar. O jeep foi controlado e graças a Deus, não houve nada, mas a Jô passou anos rindo da frase desesperada e desconexa da Geny.
Voltando ao Dim, a maneira como ele me protegeu na noite da batida sempre esteve na minha memória e no meu coração. Isso aconteceu no ano de 1981, eu tinha dezenove anos.
Eu deixei de beber, larguei as farras e por isso o Dim deu uma afastada de mim, os nossos mundos tornaram-se muito diferentes, mas eu sei que ele nunca deixou de me amar.
Hoje é quinta-feira, 21 de junho de 2007. De segunda para terça, ás 1:30 da madrugada, acordei com o grito da minha irmã, que mora ao lado. "Meti os pés" e quando saí na rua, vi o Dim deitado na calçada, em frente a casa dela, morrendo numa parada cárdio-respiratória. Tentamos reanimá-lo, enquanto vizinhos que também ouviram o grito, chamavam táxi e ambulância, mas quando chegaram era tarde demais, o Dim estava morto.
Dias atrás ele havia saído do hospital. Devido á bebida alcoólica, ganhou uma cirrose e por causa do cigarro, um efizema pulmonar. Parou de beber, mas continuou fumando, disse que o cigarro, não largaria nunca. Pobre Dim. Fez a escolha errada.
A memória tem o dom de ressuscitar palavras, ações, que julgamos ter esquecido. Enquanto tentava reanimá-lo, lembrei quando ele, há muito tempo atrás, me disse que gostaria de morrer ao ar livre, olhando para as estrelas, não num hospital. Seu pedido foi atendido.
Meu coração tá muito apertado. O Dim me protegeu colocando seu braço no meu peito na noite da batida e eu nada pude fazer com o meu braço em seu peito na noite da sua morte. O coração do Dim não quis saber, parou de bater e dessa vez não houve crise de riso, e sim, de choro, de profunda tristeza e pesar.

Dessa vez, não foi nada engraçado!

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