Tuesday, February 06, 2007

Gotas de Sofia com Clarice Lispector



Estou à procura de um livro para ler.
É um livro todo especial.
Eu imagino como a um rosto sem traços.
Não lhe sei o nome nem o autor.
Quem sabe, às vezes penso que estou à
procura de um livro que eu mesma
escreveria
Não sei.
Mas faço tantas fantasias a respeito deste
livro desconhecido e já tão profundamente
amado.
Uma das fantasias é assim:
eu o estaria lendo e de súbito, a uma frase
nova, com lágrimas nos olhos diria em êxtase
de dor e de libertação:
Mas é que eu não sabia que se pode tudo,
meu Deus.

2 comments:

Anonymous said...

Fantasia de viver.Fantasia de escolher o roteiro da vida.Fantasia de viver o que se quer com a intensidade que se julga ser devida.Fantasia de ser surpreendida bela beleza e pelo encanto.

Anonymous said...

BIBLIOTECA VERDE - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

papai, me compra a Biblioteca Internacional de Obras Célebres.
São só 24 volumes encadernados
em percalina verde.
Meu filho, é demais para uma criança.
Compra assimmesmo, pai, eu cresço logo.
Quando crescer eu compro. Agora nao.
Papai, me compra agora. É percalina Verde,
só 24 volumes. Compra, compra, compra.
Fica quieto, menino, eu vou comprar.

Rio de Janeiro? Aqui é o Coronel.
Me mande urgente sua Biblioteca
bem acondicionada, não quero defeito.
Se vier com arranhão recuso, já sabe:
quero devolução de meu dinheiro.
está bem, Coronel, ordens são ordens.
Segue a Biblioteca pelo trem de ferro,
fino caixote de alumínio e pinho.
Termina o ramal, o burro de carga
vai levando tamanho universo.

Chega cheirando a papel novo, mata
de pinheiros toda verde, Sou
o mais rico menino destas redondezas.
(Orgulho, não; inveja de mim mesmo.)
Ninguém mais aqui possui a coleção de Obras Célebres. Tenho de ler tudo.
Antes de ler, que bom passar a mão
no som de percalina, esse cristal
de fluida transparência: verde, verde.
Amanhã começo a ler. Agora não.

Agora quero ver figuras. Todas.
Templo de Tebas. Osíris, Medusa, Apolo nu, Vênus nua... Nossa
Senhora, tem disso nos livros?
Depressa, as letras. Começo a ler tudo.
A mãe se queixa: Não dorme este menino.
O irmão reclama: Apaga a luz, cretino!
Espermacete cai na cama, queima
a perna, o sono. Olha que eu tomo e rasgo
essa Biblioteca antes que pegue fogo
na casa. Vai dormir, menino, antes que eu perca
a paciência e te dê uma sova. Dorme,
filhinho meu, tão doido, tão fraquinho.

Mas leio, leio. Em filosofias.
tropeço e caio, cavalgo de novo
meu verde livro, em cavalarias
me perco, medievo; em contos, poemas
me vejo viver. Como te devoro,
verde pastagem, ou antes carruagem
de fugir de mim e me trazer de volta
à casa a qualquer hora num fechar de páginas?

Tudo que sei é ela que me ensina.
O que saberei, o que não saberei
nunca,
está na Biblioteca em verde murmúrio
de flauta-percalina eternamente.