Wednesday, February 28, 2007

Gotas de Sofia com Lya Luft - Miragem


Eu no espelho: Atentas, nós duas
nos observamos para além da imagem.
Estendemos a mão, tocamos esse pó de gelo,
sabendo:
Se eu mergulhar daqui, e do seu lado, ela,
vão se fundir num sopro nossos rostos,
todos os meus sonhos e os anseios dela.
Mas nenhuma se atreve. Continuamos
sozinhas nesse mundo de reflexos,
eu e ela incompletas, nuas
e sós.

Gotas de Sofia com Rabindranath Tagore


Não sei como cantas, ó meu Mestre!
Escuto sempre em silencioso deslumbramento.
A luz da Tua música ilumina o mundo.
O sopro de vida da Tua música voa de céu em céu.
A torrente santa da Tua música rompe qualquer obstáculo de pedra - e jorra.
O meu coração anseia por juntar-se ao Teu cântico, mas em vão se esforça por ter voz.
Eu poderia falar, mas a linguagem não se transforma em cântico, e, confundido, choro em voz alta.
Ah! Tu fizeste o meu coração prisioneiro nas malhas sem fim da Tua música, ó meu mestre!

Monday, February 26, 2007

Gotas de Sofia... - Desilusão


Ouvi de alguém que o pior que pode acontecer na vida é sofrer desilusão. Fiquei pensando no comentário e cheguei á conclusão que sofrer (se é que se deve usar tal palavra) uma desilusão, é a mais rica experiência da vida, porque significa “cair na real”, ter acesso á realidade, deixar de viver no engano.
A pessoa “desiludida”, na verdade, inicia um processo de maturidade e crescimentos humano e espiritual, sem falar que ela deixa de ser um joguete, um capricho nas mãos de alguém ou de alguma situação.
É bem certo que a desilusão dói, machuca, nos faz sofrer, mas a ilusão é pior porque humilha o ser humano e traz sérias conseqüências na caminhada da vida.
Imagine viver a vida inteira enganado por alguém. Como não existe nada que nunca vá ser revelado, no dia em que a “casa cair” o estrago vai ser impagável. Por isso, quanto mais cedo sofrermos uma abençoada desilusão dos enganos que ilusoriamente temos como certos, maiores as chances de darmos a volta por cima e crescermos.
Sofrer desilusão, quando vivemos iludidos, é a melhor coisa que nos pode acontecer.
Existe uma famosa canção bem antiga que diz: “Eu não quero e não peço para o meu coração, nada além de uma linda ilusão”. O autor da música se recusa a enfrentar a realidade por medo da dor, mas é exatamente a dor que nos lapida e nos transforma em algo bem melhor.
Cabe a nós escolher se preferimos sentir a dor da desilusão para mais na frente desfrutar de suas vantagens, ou viver iludidos, sorvendo todos os dias a doçura da mentira.
A ilusão é doce, mas é um engano, por isso não tem consistência. E não existe nada nesse mundo que não passe. É bem melhor manter os pés na realidade que contém espinhos, é verdade, mas como disse Agostinho, aonde há espinhos, provavelmente há flores ou frutos.
Portanto, se você sofreu alguma desilusão, considere-se um privilegiado. Foi-lhe aberta a porta de uma nova vida, um recomeço. Não desperdice essa benção, essa oportunidade de começar uma história de verdade.

Gotas de Sofia... - "Causos" do Subúrbio

Quando eu era menina, chuva era sinal de festa. Lembro que eu ficava olhando pro céu durante horas quando chegava o início do ano, esperando que a chuva caísse. Além da chuva em si que deixava o céu “acizentado”, o tempo friinho, havia a existência das “biqueiras”. Meu Deus! Tomar banho na chuva debaixo de uma biqueira pela manhã, era tudo que uma criança desejava na vida, principalmente pras crianças do subúrbio. Naquele tempo, no final dos anos 60, piscina para criança suburbana era algo impensável e futurista, e como ir á praia era muito parecido com as aventuras do Indiana Jones devido a “desconjuntura” dos ônibus caindo de velhos e a lonjura do lugar, tomar banho de chuva era nossa grande diversão. Naquela época, menina ou menino “corado” da praia era coisa de gente rica.
Lembro da minha amiga Iracélia. No quintal de sua casa havia pés de bananeira. A Iracélia inventou de cortar um dos troncos e fazer dele uma bóia. É que o nosso bairro ficava tão alagado e a Iracélia era tão magrinha que ela sentava no tronco da bananeira e ele boiava no meio da nossa rua. Era um desbunde. Escondidas da D. Matilde, sua mãe, eu, ela e alguns meninos conseguimos o tronco e o levamos para nos servir de barco. A Iracélia sentou e quando fui eu sentar, a correnteza, que estava forte, levou a Iracélia com tronco e tudo. Foi um Deus nos acuda porque na direção que seguia a correnteza havia (e ainda há) um canal que transbordava e era o terror das mães zelosas. Era eu, a D. Matilde e um bando de homens e garotos correndo atrás do tronco e a Iracélia agarrada nele, aos berros.
Felizmente conseguiram segurar o bicho que bateu num pneu velho, ficando enganchado já bem pertinho do canal. Coitada da Iracélia. Levou um pisa e foi terminantemente proibida de tomar banho de chuva pelo resto do inverno. Foram três meses de vida perdida. E por falar em pisa, que quer dizer no dialeto cearense surra, sova, quando surgiu a pizza no Ceará, criança do subúrbio num queria nem ouvir falar, pois confundia pizza com pisa. Foi assim com o Amancinho, o garoto mais “emcapetado” do bairro.
Nossa turma via TV na casa do Amancinho e o seu Amâncio entrou na sala, falando: - Eu trouxe uma pizza pra vocês! – A correria foi feia. Eu fui a primeira a sair em disparada no rumo da minha casa. Apanhar do próprio pai já era ruim, imagine apanhar do pai de um amiguinho sem ter culpa de nada. Fala sério!

Sunday, February 25, 2007

Gotas de Sofia com Lígia Carneiro - Mansa Loucura

Muitos se ferem com espinhos
Eu tenho essa mansa loucura
de me cortar com pétalas.
As coisas todas,
e mais as coisas belas,
traçam-me talhos.
Um sorriso gratuito
sangra por meses.
Uma cor, especialmente definida,
contra um céu azul
pode arder tão fundo
quanto a pior incisão.
Mãos de crianças me laceram,
gestos de homens me esquartejam.
Toda cortada, tenho a alma
feita aos trapos
e o coração todo aos pedaços.
A minha vida é sempre
uma linda colcha de retalhos.

Gotas de Sofia com Khalil Gibran

Ainda ontem pensava que não era mais do que um fragmento trêmulo sem ritmo na esfera da vida.
Hoje sei que sou eu a esfera,
e a vida inteira em fragmentos rítmicos move-se em mim.
Eles dizem-me no seu despertar:
"Tu e o mundo em que vives não passais de um grão de areia sobre a margem infinita de um mar infinito."
E no meu sonho eu respondo-lhes:
"Eu sou o mar infinito,
e todos os mundos não passam de grãos de areia sobre a minha margem."
Só uma vez fiquei mudo.
Foi quando um homem me perguntou:"Quem és tu?"

Gotas de Sofia com Rumi

Alguém bateu à porta da Bem-Amada,
e uma Voz lá de dentro perguntou:- Quem está aí?
E ele respondeu: - Sou eu!
A Voz então disse: - Esta casa não conterá nós dois.
E a porta continuou fechada.
Então o Amante foi para o deserto e na solidão jejuou e orou.
Retornou depois de um ano e bateu novamente à porta.
E de novo a Voz perguntou:- Quem é?
E o Amante respondeu:- És tu mesma!E a porta lhe foi aberta.

PROCURA
Eu olhei em torno, procurando-O.
Ele não estava na Cruz.
Dirigi-me ao templo do ídolo, ao antigo pagode;
nenhum sinal Dele era visível ali.
Fui então para a Caaba; Ele não se achava naquele refúgio de velhos e jovens.
Perguntei a Ibn Sina (Avicena) do Seu estado;
Ele não se achava ao alcance de Ibn Sina.
Olhei para o meu próprio coração.
Aí eu O vi. Ele não estava em nenhum outro lugar.

Monday, February 12, 2007

Gotas de Sofia... Coisas do Destino

Dia desses tomei o ônibus Parangaba/Mucuripe, na altura da Av. João Pessoa. Era um sábado quente, o calor sufocante das duas da tarde, essas tardes de calor que temos vivido ultimamente, onde todo mundo se encontra na parada da impaciência. Você já reparou como as pessoas ficam inquietas e irritadiças devido ao calor?
Pois bem, na parte de trás do ônibus se posicionavam, em direção á roleta, umas oito pessoas, esperando o cobrador, que não se encontrava no seu local de trabalho.
Percebi uma mulher morena, baixinha, troncuda, braços cruzados, batendo o pé com rapidez, naquele típico gesto de espera indesejável. E o cobrador, nada. Uns foram se sentando e nas paradas seguintes foi subindo mais passageiros, e o cobrador...Nada.
Todos os rostos estavam voltados para o lado do motorista, esperávamos que surgisse o desejado cobrador, pois o espaço já estava mais que apertado.
Já chegando na Av. 13 de Maio, a mulher baixinha, troncuda e com cara de típica cearense, mostrou ser mesmo “cabeça chata” literalmente, através do linguajar. Todos sabem que cearense A-DO-RA palavrão, que linguagem de baixo calão é lugar comum aqui na terrinha. Não demorou muito para a mulher baixinha e troncuda abrir o verbo “palavrear”.
Gritou a plenos pulmões: - “Motoriiiiiistaaaaa, cadê o “fela” da p... do trocador? A gente tem mais o que fazer... Eu num posso ficar nessa p.... em pé a tarde toda, não!”
O motorista olhou pelo retrovisor com os olhos espantados e perguntou: - “O cobrador num tá aí, não?”. E todos responderam em uníssono: - “Nãããooo!”
O homem botou a mão na cabeça e disse: - “Valha, esqueci o cobrador no terminal”.
A gargalhada foi unânime. Ficamos uns cinco minutos esperando o esquecido e aflito cobrador chegar num ônibus logo atrás.
Desci no meu itinerário pensando: "Coisas de cearense..."
Com esse episódio, meditei em duas coisas. Primeiro, Deus nunca esquece de nós. O profeta Isaías diz que é mais fácil uma mãe esquecer seu filho que mama do que Deus nos esquecer. Segundo, precisamos uns dos outros. Precisamos do cobrador, do motorista, do lixeiro, do médico, do vendedor, do enfermeiro, dos amigos, da família. Precisamos de todos e todos precisam de nós. Thomas Merton, no livro “Homem algum é uma ilha”, diz que somente quando aceitarmos que somos uma raça destinada a ser um só organismo, é que poderemos fazer um mundo com dias melhores. O individualismo nos viola porque não somos destinados a ele. Segundo a Bíblia, nosso destino a ser UM SÓ em Jesus. Pense nisso!

Gotas de Sofia com Rabindranath Tagore - Mulher


Ó mulher, com um relance de teus olhos poderias roubar todas as canções das harpas dos poetas... Todavia, como os elogios deles não chegam a ti, estou aqui para te louvar.
Poderias humilhar a teus pés as mais altivas cabeças do mundo, mas tu escolhes qualquer um a quem servir, e por isso eu te adoro.
Teus braços perfeitos seria a glória de um rei, mas tu os empregas para varrer o chão e conservar limpo teu humilde lar. E isso me enche de contida reverência.

Nota de Sofia: Esta doce senhora é minha mãe, a quem faço essa pequena homenagem usando as palavras mágicas do poeta Tagore.

Wednesday, February 07, 2007

Gotas de Sofia com Manoel de Barros

Maria-pelego-preto, moça de 18 anos, era abundante de pêlos no pente.
A gente pagava pra ver o fenômeno.
A moça cobria o rosto com um lençol branco e deixava pra fora só o
pelego preto que se espalhava quase até pra cima do umbigo.
Era uma romaria chimite!
Na porta o pai entrevado recebendo as entradas...
Um senhor respeitável disse que aquilo era uma indignidade e um
desrespeito às instituições da familia e da Pátria!
Mas parece que era fome.

Tuesday, February 06, 2007

Gotas de Sofia com Clarice Lispector



Estou à procura de um livro para ler.
É um livro todo especial.
Eu imagino como a um rosto sem traços.
Não lhe sei o nome nem o autor.
Quem sabe, às vezes penso que estou à
procura de um livro que eu mesma
escreveria
Não sei.
Mas faço tantas fantasias a respeito deste
livro desconhecido e já tão profundamente
amado.
Uma das fantasias é assim:
eu o estaria lendo e de súbito, a uma frase
nova, com lágrimas nos olhos diria em êxtase
de dor e de libertação:
Mas é que eu não sabia que se pode tudo,
meu Deus.