Thursday, June 07, 2007

Gotas de Sofia - Coisas de Cearense

Dia desses tomei o ônibus Parangaba/Mucuripe, na altura da Av. João Pessoa. Era um sábado quente, o calor sufocante das duas da tarde, aquelas tardes onde todo mundo se encontra na parada da desimpaciência.
Notei que na parte de trás do ônibus se posicionavam em direção à roleta umas oito pessoas, esperando o cobrador que não se encontrava no seu local de trabalho.
Percebi uma mulher morena, baixinha, troncuda, batendo o pé rapidamente, naquele gesto nordestino de espera indesejável. E o cobrador, nada. Uns foram sentando e nas paradas seguintes o ônibus foi parando para pegar mais passageiros, e o cobrador...Nada.
Todos os rostos estavam voltados para o lado do motorista, todos esperavam que surgisse o desejado cobrador, pois o espaço já estava mais que apertado.
Já chegando na Av. 13 de Maio, a mulher baixinha, troncuda e com cara de típica cearense, mostrou ser mesmo do Ceará através do linguajar. Ora, todos sabemos que cearense adora, venera palavrão, que linguajar de baixo calão é lugar comum aqui na terrinha. Dizem que cearense parece com judeu, tem em todo lugar e que judeu gosta de dinheiro, cearense gosta de palavrão. Não pode viver sem ele.
Lembro de uma ex-vizinha minha (ex, graças a Deus), onde sua casa era parede-com-parede com a minha. Nossas casas eram do mesmo tamanho e modelo, aquelas casas compridas de vila; onde ficava o meu quarto, ficava o dela e aí, já viu, né? Se ela desse um espirro alto pela madrugada, a gripe se instalava no meu lado.
Esta vizinha tinha um linguajar terrível. De dez palavras, onze era palavrão. E tinha uma mania que me deixava desesperada. Ela e o marido, depois de brigas homéricas, curtiam um filminho pornô e tinham a mania de ouvir a TV no último volume...No quarto, é claro.
Aí vocês podem imaginar a esculhambação que rolava.
Eu, pobre solteira, carente e solitária, ficava ouvindo nitidamente aqueles gemidos americanos. Se o leitor não conhece gemido americano, vá a uma locadora próxima e alugue um filme pornô e aí você saberá a diferença. Não sei se é proposital, mas atriz pornô americana quando está atuando lembra mais uma sirene de carro de bombeiro do que uma mulher sentindo prazer. Então, dentro de minutos de película erótica, os gemidos da terra do Tio Sam se misturavam aos urros da terra da “Burra Preta”, lembram dela?
Pois bem, eu passava as noites ouvindo aqueles “Ooooh, yesssss...Fuck me...Fuck me” unido a gritos de “Aiiiiiii...é agora...é agora”.... E o pior: depois que eles terminavam, adormeciam, esqueciam-se da vida e... De desligar a TV.
Dá pra imaginar aquele típico chiado televisivo, alto e bom som, em plena madrugada? E sem falar nos roncos do maridão saciado. Eu, coitada, com os dois travesseiros, um em cada ouvido, tentava, em vão, dormir e caía no choro, não sei se de raiva ou solidão. Só sei que sexo, para mim, não foi mais a mesma coisa.
Esta vizinha tinha um filho de mais ou menos seis anos, chamado Carlinhos. Posso garantir ao caríssimo leitor que sei o nome do Carlinhos porque ele mesmo me disse, mas pela boca da mãe eu o conhecia como “porra”. E posso garantir também que o nome do marido não sei até o dia de hoje, só o conheci pela alcunha de “bicho nojento”.
Era um tal de “Vem cá, porra; vem tomar banho, porra; anda comer, porra”, que fiquei curiosa pra saber o nome daquela criança. Aproveitei um dia em que ele brincava na calçada e perguntei: - Qual o seu nome, garoto? (quase que o chamo “porra”). E ele respondeu, para minha surpresa:
--- Carlinhos!
Entrei em casa satisfeita de saber que o menino tinha um nome, quando, estupefata, ouvi a vizinha chamar do quintal de sua casa: - Carliiiiiimmmm....! E o menino nada de responder. Ela chamou a segunda vez mais alto: - Carliiiiiiiiiiimmm!... E nada. Eu torcia que o garoto respondesse, pois havia acontecido um milagre: a mãe do Carlinhos o chamava pelo seu verdadeiro nome. Pensei cá com meus botões: é o aniversário dele, talvez.
Com a voz já se esguelando, gritou a terceira vez: - Carliiiiiiimmmm... E o Carlinhos lá na calçada, brincando...
A mulher largou o que tava fazendo e, aos berros, esbravejou da cozinha: - Pau no cúúúúú, vem cáááááá... E o Carlinhos, lá da calçada, respondeu choroso e calmo: - Quiééé, mãe?
Aí eu pensei: Deve ser o sobrenome dele.
Agora voltando ao ônibus, a mulher baixinha e troncuda abriu o verbo "palavrear".
Gritou da roleta a plenos pulmões: - Motoriiiiiistaaaaa, cadê o "carai" do trocador? A gente tem mais o que fazer... Eu num posso ficar nessa porra em pé a tarde toda, não!
O motorista olhou pelo retrovisor com os olhos espantados e perguntou: - O trocador num tá aí, não????
E todos responderam em uníssono: - Nãããooo!
O homem parou o ônibus, botou a mão na cabeça e disse: - Valha, esqueci o trocador no terminal.
A gargalhada foi unânime. Ficamos uns cinco minutos esperando o esquecido e aflito trocador chegar num ônibus que vinha atrás.
Desci no meu itinerário pensando: Coisas de cearense.

2 comments:

Anonymous said...
This comment has been removed by the author.
Anonymous said...

Aqui na minha rua tem uns garotos que tem nomes e sobrenomes estranhos também.