Sunday, November 26, 2006
Gotas de Sofia com Shakespeare - Monólogo de Hamlet
Ser ou não ser... eis a questão.
Se mais nobre à razão é suportar
frundas e frechas da afrontosa sorte
ou tomar armas contra um mar de opróbrios
e enfrentando-o acabar? Morrer, dormir;
não mais? E imaginar que em sono acabam
mil dores d'alma e os naturais conflitos
herdados pela carne... eis um epílogo
de ansiar-se com fervor. Morrer, dormir.
Dormir: sonhar, quem sabe? Eis o impasse.
Nesse sono da morte vir-nos sonhos,
depoi de livres do mortal invólucro,
nos faz deter. E tal cogitação
nos transforma em flagelo a longa vida.
Pois quem sofrera os látegos do tempo,
ultrages do opressor, o ar do arrogante,
os ais do ingrato amor, da lei delongas,
a insolência do mando, as rejeições
que o mérito paciente tem do indigno,
se ele próprio pudesse resgatar-se
com a adaga nua?
Quem levara fardos,
gemendo e suando numa vida insulsa,
senão que o medo de algo após a morte
- Inachado país de cujas raias
viajante algum voltou - enreda o intento
e nos faz preferir nossas misérias
a voar para outras mais que não sabemos?
Assim nos faz covardes a consciência
e a primitiva cor da decisão
dilui-se ante o palor do pensamento,
e as empresas de alcance e de visão
desviam-se por isso do seu curso
e perdem o nome de ação.
Nota de Sofia: Existe um texto do apóstolo Paulo em que ele se diz indeciso entre a vida e a morte. Não sabe qual o melhor, embora considerasse que ir para Deus houvesse completa felicidade. A diferença entre Paulo e Hamlet, é que Hamlet acha viver doloroso, e covarde quem prefere ficar aqui, mesmo com todo os "flagelos". Hamlet acha viver puro masoquismo involuntário, viver, para ele, era um ato de covardia, não o suicídio, ou seja, para Hamlet, suícidio era decidir viver.
Paulo vê a ato de viver como oportunidade de fazer um mundo melhor. Ele não tem nenhum romantismo quanto ao mundo, mas julga que se todo ser humano decidisse viver com qualidade, ou seja, viver para Deus e servi-lo, a morte perderia sua força e morrer seria doce porque saberíamos para onde estaríamos indo. Por isso, o apóstolo diz que para ele "morrer é lucro".
A ilustração é uma tela de Rembrandt.
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