Thursday, November 30, 2006

Minha Pretenciosa Gota de Sofia - Provocação Musical


A voz quente de Aretha Franklin parece voar dentro da sala. Ela canta “What A Friend We Have In Jesus” (Que amigo nós temos em Jesus), um clássico da música gospel, gravado ao vivo em pleno culto da Igreja Batista, da qual seu pai, James Cleveland, foi pastor por longos anos.
Esse trabalho foi feito no final de 1972, perto do Natal, e na foto do disco (esse aí de cima), Aretha está sentada nos degraus da igreja, vestindo uma roupa típica da África. O trabalho é clássico não só porque é a grande Aretha Franklin cantando músicas cristãs, mas principalmente porque é uma homenagem a Martin Luther King e à costureira negra Rosa Parks, os dois personagens principais da luta contra a segregação nos E.U.A.
Os brancos sulistas ainda não haviam engolido a vitória dos negros e em 1972 a violência chegou ao auge com o discurso rancoroso de Malcom X. King estava morto, mas seu sonho de ver o fim da segregação estava mais vivo do que nunca, pois leis estavam sendo mudadas.
Amazing Grace”, título do disco, foi, digamos, um “insulto” à “superioridade” da fres/brancura americana.
Aretha representava a geração/neta de escravos que devia conformar-se e aceitar ser inferior, ou voltar para a África. A foto de capa em si já é uma provocação. Aretha, através da imagem diz: “Sou negra AMERICANA, tenho direitos iguais e vou ficar”.

Outra coisa interessante no disco é a versão que ela dá às músicas “My Sweet Lord, do então já ex-beatle George Harrison, “You've Got A Friend”, de Carole King e a belíssima, conhecidíssima,“Bridge Over Troubled Water”, de Paul Simon, acompanhada pelo coral da Igreja Batista . Com esse trabalho, Aretha, além de construir uma ponte entre a música secular e a música gospel, faz uma provocação à igreja protestante americana branca que também fazia uma espécie de "segregação musical”.
Amazing Grace é um trabalho que vale a pena ouvir pela beleza dos arranjos, pela técnica de voz de Aretha e por sua importância histórica. Ele é o resultado daqueles sonhos impossíveis que se tornam realidade quando colocados nas mãos de Deus.
Uma pena não encontrar aqui no Brasil trabalho musical tão importante. O meu eu não dou, não vendo, não empresto nem troco, foi presente de um grande amigo, um presentaço, aliás. Daqueles descidos do céu.

Gotas de Sofia com Drummond - Consolo na Praia


Vamos, não chores...
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humor?

A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.

Nota de Sofia: A primeira vez que li este poema, tive a forte impressão que o autor falava comigo.
A ilustração é uma caricatura do Drummond feita por Batistão, caricaturista do Jornal Folha de São Paulo.

Gotas de Sofia com Chico Buarque - A Banda



Estava à toa na vida
O meu amor me chamou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

A minha gente sofrida
Despediu-se da dor
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

O homem sério que contava dinheiro parou
O faroleiro que contava vantagem parou
A namorada que contava as estrelas
Parou para ver, ouvir e dar passagem.

A moça triste que vivia calada sorriu
A rosa triste que vivia fechada se abriu
E a meninada toda se assanhou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou
Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou
A moça feia debruçou na janela
Pensando que a banda tocava pra ela

A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu
A lua cheia que vivia escondida surgiu
Minha cidade toda se enfeitou
Pra ver a banda passar cantando coisas de amor

Mas para meu desencanto
O que era doce acabou
Tudo tomou seu lugar
Depois que a banda passou

E cada qual no seu canto
Em cada canto uma dor
Depois da banda passar
Cantando coisas de amor

Nota e opinião de Sofia: Esta é a pérola musical do maravilhoso Chico. A época em que ela foi composta, era de plena ditadura. Os militares haviam subido ao poder usando a violência e a repressão como armas (ou como autoproteção?). Mas o poeta não deixou de sonhar. Você já parou para pensar que a banda – personagem principal da cena musical - pertencia ao exército do lugar? Bandas musicais, naquela época, sempre pertenciam aos militares. Pode sentir o sonho e ao mesmo tempo a sutil crítica? A banda enche as pessoas de alegria, as transforma, as protege da tristeza e dos interesses pessoais com a música - quee também é um personagem na cena - Mas foi tudo muito passageiro. O que era para dar alegria, proteção (no caso, o exército) estava, na realidade, reprimindo, sufocando e “desencantando” as pessoas.
Para Paula Celedonio, com carinho.

Wednesday, November 29, 2006

Gota de Sofia com Joaquim Machado Filho - Ser Livre

A liberdade é vento
endoidando a terra.
É chuva
Festa
Banda
Mutirão
É caminho de pássaro
Destino de Estrela
Enchente de rio
Sexo das coisas
Hora imatura
Mijo no muro
E mais tudo
E contudo
É mais tudo...

Gota de Sofia com Tom Jobim - Caminhos Cruzados


Quando um coração que está cansado de sofrer
Encontra um coração também cansado de sofrer
É tempo de se pensar
Que o amor pode de repente chegar
Quando existe alguém que tem saudade de alguém
E este outro alguém não entender
Deixa este novo amor chegar
Mesmo que depois
Seja imprescindível chorar
Que tolo fui eu, que em vão tentei raciocinar
Nas coisas do amor que ninguém pode explicar
Vem nós dois vamos tentar
Só um novo amor
Pode a saudade apagar

Nota de Sofia: Esta música é a mais bela canção da Música Popular Brasileira. É uma pérola lapidada pelo Tom e pela grande Dolores Duran. A caricatura foi feita por Batistão, caricaturista do Jornal Folha de São Paulo.

Gotas de Sofia com Eduardo Galeano - O Menino e o Mar


Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar.
Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava oculto do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos.
E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
- Me ajuda a olhar!

Minha Pretenciosa Gota de Sofia - Grávidos de Deus


O poeta português Fernando Pessoa nos brindou com a pérola: “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”. Verdade poderosíssima que devemos trazer para nossas vidas.
Quando Deus quer realizar algo importante para a humanidade, quando quer presentear nosso planeta com algo marcante, que influencie milhões e milhões de pessoas por longos anos, Ele costuma “engravidar” alguém com sonhos.
Vejamos o sonho de Mahatma Gandhi: Deus o engravidou do sonho de ver a Índia livre do jugo inglês. A “gravidez” de Gandhi foi difícil, dolorosa, mas o sonho foi crescendo, crescendo em suas entranhas e a obra nasceu. Outro grande “grávido” de Deus foi Martin Luter King. O feto que cresceu dentro dele foi o fim da segregação racial nos Estados Unidos. Quando King disse: “Eu tenho um sonho”, muito antes dele sonhar Deus tinha a VONTADE. A obra nasceu, apesar de ser mais uma gravidez difícil, árdua, que lhe custou a vida, mas que abençoou milhões de vidas e continua abençoando até os dias de hoje.
Seria bom procurarmos ler sobre outros “grávidos de Deus”, como Sócrates, Abraham Lincoln, Madre Tereza de Calcutá, Nelson Mandela...
Assim, Deus também pode fazer na minha e na sua vida, individualmente. Se temos sonhos, devemos perguntar: estou grávido(a) de Deus? Se a resposta for positiva, então podemos ir em frente, porque APESAR e ALÉM de todas as dificuldades, a obra nascerá porque Deus reconhecerá a paternidade.
A mais famosa grávida de Deus foi Maria. Uma adolescente israelita que teve a ousadia de crer e aceitar a vontade de seu Senhor, mesmo não vendo nenhuma lógica no que lhe foi anunciado - “Como? Grávida, mesmo virgem? Tudo bem, eu topo”. E vejam no que resultou.
Deus não escolheu Maria para ser a mãe de Jesus porque era bonita ou inteligente, ou intelectual ou rica. Não. No “curriculum” da menina judia havia fé e perseverança. Este foi e É o segredo de todos que foram e querem ser engravidados por Deus.
Sonhos realizados mudam a vida do sonhador e, em alguns casos, da humanidade inteira.
Analise seu sonho. Ele beneficiará alguém? Abençoará alguém? Se você puder, sinceramente, responder que sim, então vá em frente e acredite. Não aborte seu sonho. O tempo da “gravidez” só o Pai é que sabe, e quando as dores começarem, aí é que você não pode desistir porque chegou a hora do parto. Logo, logo, você terá uma obra em suas mãos, ávida por crescer e se multiplicar.


Nota de Sofia: A ilustração é uma tela de Paula Becker

Tuesday, November 28, 2006

Gotas de Sofia com Manoel de Barros


"O rio que fazia uma volta detrás de nossa casa era a imagem de um vidro mole que fazia uma volta atrás da casa.
Passou um homem depois e disse: - Essa volta que o rio faz por trás da sua casa se chama enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que fazia volta atrás da casa.
Acho que o nome empobreceu a imagem".

"Poesia é voar fora de casa".

"Lugar sem comportamento é o coração".

Nota de Sofia: A ilustração é uma tela de Armando Vianna.

Gota de Sofia com Anilda Figueiredo


(...) No ramo, a nossa cidade
Tem qualidade e fartura
Tem louco de toda idade
Vai do berço à sepultura
Do mais novo ao mais idoso
Do esperto ao preguiçoso
Tem doido de todo jeito
Tem doido por precisão
Outros fazem profissão
E doido que nasce feito
Tem doido nos hospitais
Receitando outros doentes
Tem doido nas estatais
Uns tristonhos outros contentes
Tem em toda profissão e digo de coração
Preste atenção que vai ver
Que de mestre e de louco
Todo mundo tem um pouco
É só olhar pra você.

Monday, November 27, 2006

Gotas de Sofia com Eduardo Galeano - Noite


Não consigo dormir. Tenho uma mulher atravessada entre minhas pálpebras.
Se pudesse, diria a ela que fosse embora; mas tenho uma mulher atravessada em minha garganta.
- Arranque-me, senhora, as roupas e as dúvidas. Dispa-me! Dispa-me!
Eu adormeço às margens de uma mulher: eu adormeço às margens de um abismo.
Solto-me do abraço, saio às ruas.
No céu, já clareando, finita a Lua.
A Lua tem duas noites de idade.
Eu, uma.

Nota de Sofia: A ilustração é uma tela de Modigliani

Minha Pretenciosa Gota de Sofia - Você Matou a Minha Mãe!


Todos os dias o Miguel Doido passava defronte de nossa casa aos gritos. Gritava alto e agressivamente. Como tinha uma boa dicção devido à gravidade e potência de sua voz, o grito que o Miguel dava metia medo nas mais artimosas das crianças. As mães, para conseguirem acalmar a rebeldia de seus pequenos, não diziam mais o velho chavão: - Vou chamar o seu pai! - e sim - Vou chamar o Miguel!.
O Miguel enchia os pulmões, dava aquele tom teatral, trágico e gritava numa voz cheia de sofrimento: - VOCÊ MATOU A MINHA MÃE! – O bairro inteiro ouvia de longe a acusação desesperadora. O pessoal havia se acostumado com os gritos do Miguel e nem se preocupavam mais com o pedaço de pau que ele sempre levava na mão. O Miguel olhava para o “escolhido da hora” com os olhos esbugalhados, a voz grave, a cara vermelha, o pedaço de pau na mão e gritava cheio de acusação, apontando para a assustada pessoa – VOCÊ MATOU A MINHA MÃE!
No começo, quando o Miguel endoidou, o pessoal tomava o pedaço de pau temendo que ele fizesse alguma loucura, mas com o tempo foram entendendo que o Miguel só tinha grito, que era um doido calmo. Muitas vezes fora internado no hospital de loucos, mas sempre voltava e aí o bairro todo adotou os gritos do Miguel e até as crianças se acostumaram aos gritos do Miguel, iam atrás dele fazendo chacota, gritando num uníssono cantante: - VOCÊ MATOU A MINHA MÃE! – e saíam correndo às gargalhadas.
Ninguém sabe o que aconteceu realmente com a mãe do Miguel. Sabe-se apenas que aquele homem moreno, de estatura mediana e com voz grave, apareceu pelo bairro e ali ficou dormindo nas calçadas, ganhando um prato de comida aqui e ali, fazendo pequenos serviços e sumindo de vez em quando.
De repente o Miguel cismava e ia embora por uns tempos. Ninguém sabia para onde; ele simplesmente sumia para voltar depois, dando o seu brado: - VOCÊ MATOU A MINHA MÃE! – Era assim que ele adentrava no bairro e ouvia-se logo a gritaria da meninada na rua.
Um dia, meu tio, irmão de minha mãe, que passara muitos anos morando em São Paulo, após inesperada viuvez, resolveu passar uns tempos conosco. Nessa época o Miguel havia tomado um chá de sumiço e o bairro estava bem calmo.
Meu tio viera de São Paulo com uma vontade enorme de fazer algo que para os que moram no Nordeste é simples e corriqueiro, mas para ele, morador de São Paulo, se tornara um verdadeiro relicário que ele não conseguiu fazer nos quarentas anos em que morou na grande metrópole: colocar a cadeira na calçada à noite e ficar vendo o tempo passar. Segundo ele, isso sempre foi impossível em São Paulo e era uma das mais gostosas lembranças que ele tinha de Fortaleza. Claro que ele resolveu recuperar o tempo perdido e, todas as noites colocava a cadeira de balanço na calçada pra tirar um cochilo.
Um dia, resolveu sair para fazer umas compras e pediu o carro do meu irmão. Na volta aconteceu algo que o chateou: ele atropelou uma cadela e a matou. Muito aperreado, desceu do carro para socorrer o pobre animal, mas já era tarde, a cadelinha jazia inerte no frio asfalto. Ele chegou muito aborrecido em casa e, para afugentar a chateação, naquela mesma noite, mais do que em qualquer outra, meu tio pegou a cadeira de balanço e foi para a calçada. Fazia um ventinho gostoso, aquela brisa boa, noite de lua cheia, meu tio caiu no sono. Dormia tranqüilo quando acordou sobressaltado com um grito horroroso. Olhou assustado, o coração aos pulos. Bem diante de si estava o Miguel Doido, que acabara de voltar ao bairro, com um pedaço de pau na mão, olhos esbugalhados, gritando ensandecido, como sempre: - VOCÊ MATOU A MINHA MÃE!

Gota de Curiosidade


Você sabia que nas menores flores há uma perfeição mais completa do que nas maiores? A titanarum é a maior flor do mundo. Mede seis metros de altura, mas quando se abre é preciso usar uma máscara para se aproximar dela por causa do mau cheiro. Entretanto é quase impossível permanecer indiferente à beleza de uma pequena orquídea ou ao perfume de uma minúscula dama-da-noite. Parece que a grandiosidade da arte divina se revela naquilo que é minúsculo.

Nota de Sofia: A ilustração é a foto de um lírio

Sunday, November 26, 2006

Gota de Sofia com Graciliano Ramos - Carta à Heloísa


Palmeira, 18 de Janeiro de 1928

Heloísa:
Mandei-te uma carta pelo último correio, e já a necessidade me aparece de falar novamente contigo.
Se pudesse, empregaria todo o tempo em escrever-te, só para ter o prazer de receber respostas. Tenho tanto que te dizer... Nem sei por onde começar, fico indeciso, com a pena suspensa, vendo interiormente esses olhos que me endoideceram quando os vi pela primeira vez. Muitas coisas para dizer-te, mas coisas que só se dizem em silêncio e que talvez compreendas, se houver afinidade entre nós.
Santo Deus! Como isto é pedantesco! Eu desejava ser simples, dizer-te ingenuamente o que sinto e o que penso. Mas sentimento e pensamento, indisciplinados, não se deixam agarrar. Vou jogar aqui o que me vier à cabeça, à toa, sem ordem.
É verdade que és minha noiva? Não é possível, sei perfeitamente que tudo isto é um sonho, que vou acordar, que ainda estamos em princípio de dezembro, que tu não tens existência real. Esta carta nunca te chegará às mãos, porque não tens mãos, és uma criatura imaginária. A flor que me deste e que agora vejo, murcha, é simplesmente um defeito dos meus nervos. Beijando-a, tenho a impressão de beijar o vácuo. Já tiveste em sonho a consciência de estar sonhando? É assim que me acho. Vem para junto de mim e acorda-me.
Causaste uma perturbação terrível no espírito dum pobre homem que nunca te fez mal nenhum. Isto com certeza te dará alegria, porque todas vocês gostam de rasgar o coração da gente. Com esses modos românticos, esse rosto de santa que desce do altar, és uma fera. Vieste chamar-me para passar quinze horas a fio cercado de saias. E quando me tens seguro: “ora, meu caro senhor, deixe-se de histórias. Tudo isso foi pilhéria, não houve nada”.
Depois, uma reviravolta, estamos noivos. Ou não estamos? Ainda será engano meu?
Amo-te com ternura, com saudade, com indignação e com ódio. Confesso-te honestamente o que sou. Se te não agradam sentimentos tão excessivos, mata-me. Mas não me mates logo: mata-me devagar, deitando veneno no que me escreveres. Provavelmente sabe fazê-lo. Não devias ser como és.
Estou a atormentar-te, meu amor. Perdoa. Se não fosses como és, eu não gostaria de ti.
És uma extraordinária quantidade de mulheres. Quando me vieste pedir não sei quê para o Natal, eras uma. Depois, em um só dia, ficaste duas, muito diferentes da primeira. Desejei ver qualquer das três e levei à casa do padre um bacharel que vendia livros. Apareceu-me outra. Daí por diante o número cresceu, cresceu assustadoramente. Na sexta-feira, antevéspera de tua partida, encontrei pelo menos vinte. No sábado, em nossa casa, havia uma na sala, outra na sala de jantar, dez ou doze ao pé da janela. És multidão. Como me poderei casar com tantas mulheres? O pior é que todas me agradam, não posso escolher.
Por que não te deixaste ficar mais uma semana? Por que não ficaste definitivamente? Tenho recebido parabéns pelo meu novo estado, há quem suponha que me casei contigo. Era o que devíamos ter feito. Tudo tão fácil! E agora? Quanto tempo é necessário esperar ainda? Conheces algum padre que me possa casar sem confissão? Não estou disposto a ajoelhar-me aos pés de ninguém. Mentira: estou disposto a ajoelhar-me aos teus pés, a adorar-te.
Tenho o pressentimento de que te arrependeste do que fizeste. Estás arrependida? Se estás sê misericordiosa, não mo digas agora.
Quando me escreveres, diz-me com singeleza o que há em teu coração... contanto que não sejam coisas desagradáveis.
Que incoerências! Que disparate! Tudo por tua causa.
Adeus, meu amor. Recomendações a dona Lili (excelente amiga) e a todos os teus. Estou muito agradecido a teu pai por ter ouvido com resignação a arenga do padre Macedo.
Beijo-te as mãos. Teu Graciliano.


Nota de Sofia: Graciliano casou-se com Heloísa e quando ele morreu, ela estava com ele. Foram felizes. A ilustração é uma tela de Van Gogh, "Lua".

Minha Pretenciosa Gota de Sofia - Ele Quer Nos Enfeitar


Sempre que passo pela Praça da Bandeira, gosto de dar uma olhada nas pequeninas flores brancas que nascem nas “coxias”, que nascem “ao léu”, “sem eira, nem beira”, como diz o “dialeto” cearense. Elas formam um tapete bonito de se ver, apesar de durarem pouquinho. Em questão de poucos dias não existem mais, e dá uma sensação de que a velha praça, maltratada pelo tempo e abandonada pela prefeitura, perdeu seu único e frágil elo com a beleza. Como uma mulher que perde suas bijuterias e não tem mais como se enfeitar. Mas as pequenas flores sempre voltam, vez e outra estão lá, como que tentando dar beleza ao feio lugar. Ninguém as percebe ninguém as nota, mas elas insistem em existir. Tenho a impressão de que as florzinhas da Praça da Bandeira estão sorrindo o tempo todo. Mas sorrindo para quem? Só pode ser para Deus, penso eu. Quem se preocuparia em colocá-las num lugar tão sem graça? Elas bem que poderiam estar nos canteiros bem tratados dos condomínios de luxo de Fortaleza, mas estão sempre nas praças esburacadas, nas calçadas, nos terrenos baldios.
Certa vez estava na fazenda de um amigo em Acopiara, sentada á margem de um pequeno açude, quando me chamou atenção um pequeno bichinho que tem o vulgar nome de Mané-mago. O bichinho parece-se com um graveto, pequeno, frágil, perdido no meio do mato, sem atrativo nenhum, mas de um andar tão elegante, tão harmonioso que me lembrou a leveza de um bailarino.
Deus tem suas manias. Em algumas de suas criações, percebe-se que Ele não está nem um pouquinho preocupado em mostrá-las ao homem, me escandalizo ao constatar que é para deleite dEle mesmo.
Nos evangelhos, Jesus fala da beleza do lírio dos vales e todas as vezes que leio esta passagem o imagino dizendo: “Olhai as florzinhas da Praça da Bandeira, não tecem nem fiam e mesmo Salomão em toda sua elegância jamais se vestiu como elas. Se Deus cuida de plantas que vêm e vão, imagine de vocês que são tão amados e que tem para Ele mais valor que as flores”.
É bom saber que Deus cuida de nós para Seu próprio deleite, sem importar se percebemos ou não. As florzinhas, os Mané-magos, nem lembramos que existem, mas Deus lembra que NÓS existimos e que, mesmo que não acreditemos, precisamos de Sua presença, de Sua atenção ás nossas pequenas necessidades materiais, ás nossas pequenas necessidades emocionais, afetivas. Dentro do mais feio e sem graça de nós, Deus quer plantar “pequenas flores” para nos enfeitar.
Jesus, segundo o profeta Isaías, não tinha nenhuma beleza, nenhum atrativo, nada que chamasse atenção, que agradasse, mas os profetas o chamaram de a “Rosa de Saron”, uma flor que dá em todo o Israel, que nasce em qualquer solo, independente das circunstâncias. Jesus é a flor que Deus enviou para enfeitar esse mundo tão feio, lugar de tantas lágrimas, onde acontece tanta coisa sem graça. A diferença é que desta vez não foi só para Seu deleite, mas para o NOSSO também, se assim quisermos, se não permitirmos que Jesus, como as florzinhas da Praça da Bandeira, fique esquecido e Seu grande amor passe despercebido por nós.

Gota de Sofia com e.e. cumings - Se For Assim


Talvez não seja bem assim; mas digo
que se teus lábios, que eu amei, beijarem outro,
e teus dedos fortes agarrarem seu coração,
tal como foi comigo; se teus cabelos noutra tez roçarem
num silêncio que eu sei, ou se contigo
no ardor de frases tensas se agitarem
como indefesa e acuada ante o perigo;
se acaso for assim, ah! se assim for -
tu que és minh'alma, dize-me que irei
em busca desse alguém, mãos estendidas,
dizer-lhe: Sê feliz com meu amor.
Na volta, ao longe, um pássaro ouvirei
cantar nas terras para mim perdidas.

Nota de Sofia: Edward Estlin Cummings foi um dos papas da poesia moderna e pintor de talento.

Gotas de Sofia com Shakespeare - Monólogo de Hamlet



Ser ou não ser... eis a questão.
Se mais nobre à razão é suportar
frundas e frechas da afrontosa sorte
ou tomar armas contra um mar de opróbrios
e enfrentando-o acabar? Morrer, dormir;
não mais? E imaginar que em sono acabam
mil dores d'alma e os naturais conflitos
herdados pela carne... eis um epílogo
de ansiar-se com fervor. Morrer, dormir.
Dormir: sonhar, quem sabe? Eis o impasse.
Nesse sono da morte vir-nos sonhos,
depoi de livres do mortal invólucro,
nos faz deter. E tal cogitação
nos transforma em flagelo a longa vida.
Pois quem sofrera os látegos do tempo,
ultrages do opressor, o ar do arrogante,
os ais do ingrato amor, da lei delongas,
a insolência do mando, as rejeições
que o mérito paciente tem do indigno,
se ele próprio pudesse resgatar-se
com a adaga nua?

Quem levara fardos,
gemendo e suando numa vida insulsa,
senão que o medo de algo após a morte
- Inachado país de cujas raias
viajante algum voltou - enreda o intento
e nos faz preferir nossas misérias
a voar para outras mais que não sabemos?
Assim nos faz covardes a consciência
e a primitiva cor da decisão
dilui-se ante o palor do pensamento,
e as empresas de alcance e de visão
desviam-se por isso do seu curso
e perdem o nome de ação.

Nota de Sofia: Existe um texto do apóstolo Paulo em que ele se diz indeciso entre a vida e a morte. Não sabe qual o melhor, embora considerasse que ir para Deus houvesse completa felicidade. A diferença entre Paulo e Hamlet, é que Hamlet acha viver doloroso, e covarde quem prefere ficar aqui, mesmo com todo os "flagelos". Hamlet acha viver puro masoquismo involuntário, viver, para ele, era um ato de covardia, não o suicídio, ou seja, para Hamlet, suícidio era decidir viver.
Paulo vê a ato de viver como oportunidade de fazer um mundo melhor. Ele não tem nenhum romantismo quanto ao mundo, mas julga que se todo ser humano decidisse viver com qualidade, ou seja, viver para Deus e servi-lo, a morte perderia sua força e morrer seria doce porque saberíamos para onde estaríamos indo. Por isso, o apóstolo diz que para ele "morrer é lucro".
A ilustração é uma tela de Rembrandt.

Colcha de Retalhos de Sofia - Fragmentos de Oscar Wilde Sobre Jesus em "De Profundis"




Jesus foi a primeira pessoa a dizer que os homens deveriam viver vidas como as das flores. Tomou as crianças como exemplo daquilo que as pessoas deveriam tentar ser. Ele as apontava como exemplos para os adultos (...) Ele acreditava que a vida era algo mutável, fluido, ativo, e que permitir que se tornasse esteriotipada seria a morte.
Entendeu também que as pessoas não deveria se preocupar demais com as coisas materiais, que o fato de não ter senso prático poderia ser uma qualidade, que ninguém deveria pensar demais nos seus próprios problemas. Se os pássaros não se preocupam, por que deveria o homem preocupar-se? (...)
Cristo amava os ignorantes, pois sabia que na alma do ignorante há sempre lugar para uma grande idéia. Mas não suportava os estúpidos, especialmente aqueles que a educação tornara ainda mais estúpidos: gente cheia de opiniões e que não consegue entender uma só delas, um tipo de gente particularmente moderna, que Cristo resumiu bem quando descreveu como o tipo da pessoa que possui a chave do conhecimento, mas não sabe como usá-la nem permite que outras pessoas a utilizem, embora com ela pudessem abrir as portas do Reino dos Céus.

Nota de Sofia: Oscar Wilde escreveu De Profundis na prisão onde, pela primeira vez, leu os quatro Evangelhos e ficou profundamente impressionado com a pessoa de Jesus Cristo. De Profundis só foi publicado após a morte do autor, por pedido do próprio. Foi escrito em 1896, publicado em 1905 e trata-se de cartas nunca entregues a Lord Douglas, amante de Oscar e o motivo de sua prisão.
A ilustração é uma tela de Salvador Dali.

Saturday, November 25, 2006

Gota de Sofia com Lêdo Ivo - O Olhar de Deus



A escada do bordel range sob nossos pés.
Na poeira do tapete esfiapado
oculta-se o olhar de Deus.
Não somos dignos
de ter a Altíssima testemunha
na hora em que pecamos.
melhor fora que nenhum Deus
nos observasse quando fornicamos
ou quando, após o coito,
acendemos um cigarro.
Não somos dignos de piedade.
Melhor fora que Deus não existisse
e vivêssemos todos fora
de seu olhar incômodo.


Nota de Sofia: "Os olhos do Senhor estão em todo lugar, contemplando os maus e os bons" (Pv 15:3)

Minha Pretenciosa Gota de Sofia


Lembro-me claramente do quarto de minha avó.
Posso sentir o cheiro suave do talco, espalhado no ar.

Cheiro que contrastava com a velha e austera cômoda num canto de parede.
A cama, com seu colchão que lembrava nuvens – devido a maciez – era coberta com uma colcha de retalhos, pedaços de panos que agora, comparo com minha vida nas mãos de Jesus: restaurada e útil.

Gota de Sofia com Leandro de Castro



AMIGOS x LIVROS
Devemos buscar amigos como buscamos livros.

Acertar na procura.
Não exija que sejam muitos, mas que sejam bons.
Não exija que sejam ricos, mas que sejam fiéis. Não exija que tenha boa profissão, mas sim de bom coração.
É triste o homem que não pode buscar livros por não saber lê-los.
Mas é ainda mais triste o homem que não pode buscar amigos por não saber conquistá-los.
É triste a estante vazia por falta de livros, mas é ainda mais triste o homem oprimido por falta de amigos.
Os livros nos tiram da turbulência da alma, nos fazem refletir sobre grandes acontecimentos, Mas o amigo converte tormentas e tempestades em chuva de sentimentos.
Não podemos chamar de rico o homem que não tem livros,
Mas podemos afirmar que é mendigo o homem que não tem amigos.

Nota: Este é o PG (Pequeno Grupo). Ainda faltam algumas pessoas MUITO importantes, mas brevemente estarão aqui conosco. Amo esse povo. Que Deus seja com cada um.

Friday, November 24, 2006

Gota de Sofia com Drummond e de Beleza com Mirna


Cariocas
Como vai ser este verão, querida, com a praia, aumentada/ diminuída?
A draga, esse dragão, estranho creme de areia e lama oferta ao velho Leme.
Fogem banhistas para o Posto Seis, O Posto Vinte...
Invade-se Ipanema hippie e festiva, chega-se ao Leblon e já nem rimo, pois nessa sinuca superlota-se a Barra da Tijuca

(até que alguém se lembre de duplicar a Barra, pesadíssima).

Ah, o tamanho natural das coisas estava errado!
O mar era excessivo, a terra pouca.
Pobre do ser vivo, que aumenta o chão pisável, sem que aumente a própria dimensão interior.
Somos hoje mais vastos? mais humanos?
Que draga nos vai dar a areia pura, fundamento de nova criatura?
Carlos, deixa de vãs filosofias, olha aí, olha o broto, olha as esguias pernas, o busto altivo, olha a serena arquitetura feminina em cena pelas ruas do Rio de Janeiro que não é rio, é um oceano inteirode (a) mo (r) cidade.

Uma pequena/grande homenagem à minha amiga Mirna que esteve no Rio e deixou-o mais belo por uns dias.

Gota de Sofia com René Depestre


Todos os Reconhecem
Em todos os cantos do mundo.
Os reconhecem
Pelo leite que emana de seu riso;
Os reconhecem
Por seu coração dilacerado,
Por seus músculos em repouso.
Os reconhecem
Por suas pernas delgadas,
Seus pulsos de rijo metal,
E pelos rouxinóis que em suas gargantas fazem ninho.
Em todos os cantos do mundo.
Negros de tristes tempos

Gota de Sofia com Charles Baudelaire


É impossível percorrer uma gazeta qualquer, seja de que dia for, ou de que mês, ou de que ano, sem nela encontrar, a cada linha, os sinais da perversidade humana mais espantosa, ao mesmo tempo em que as gabolices mais surpreendentes de probidade, de bondade, de caridade, e as afirmações mais descaradas a respeito do progresso e da civilização. Os jornais, sem exceção, da primeira à última linha, não passam dum tecido de horrores. Guerras, crimes, roubos, impudicícias, torturas, crimes dos príncipes, crimes das nações, crimes dos particulares, uma embriaguez de atrocidade universal. É com esse repugnante aperitivo que o homem civilizado acompanha a sua refeição de cada manhã. Tudo, nesse mundo, transpira o crime: o jornal, a muralha e o semblante do homem. Não compreendo que uma mão pura possa tocar num jornal sem uma convulsão de repugnância.

Nota de Sofia: Pode-se dizer o mesmo da televisão

Gota de Sofia com Rabindranath Tagore

O REBELDE
Quando O magoei, mesmo sem saber, me aproximei de Você.
Quando lutei com Você, derrotado, finalmente O aceitei como mestre.
Quando furtivamente O roubei, tornei oneroso meu débito com Você.
Lutei orgulhosamente com Sua correnteza, apenas para sentir Sua força em meu peito.
Rebelde, apaguei a luz de minha casa, e Seu céu me surpreendeu estrelado.

Gotas de Sofia com William Blake

"Enquanto os outros viam o sol se pondo por detrás da colina,
eu via os filhos de Deus gritando de alegria"


O Menininho Perdido
Meu pai, meu pai, para onde vai?
Ai, não caminhe tão apressado
Fale pai, fale ao teu menino
Ou logo estarei abandonado,
A noite era escura, nenhum pai presente
A criança de orvalho molhada,
O charco fundo, a névoa subia lentamente
E a criança soluçava.
O Menininho Encontrado
O menininho no charco solitário,
Tangido pela luz bruxuleante,
Começou a chorar, mas Deus a noite
Surgiu-lhe como um pai aconchegante
Ele beijou a criança e pela mão
Trouxe-a de volta à mãe, que bem cedinho,
Já pálida de dor, no ermo do vale,
Buscava soluçando o menininho.

Minha Pretenciosa Gota de Sofia


A Psicologia do Lavar Pratos

É bom lavar pratos. Eu gosto. Gosto de sentir a água fria escorrendo pelas mãos. Inventaram a máquina de lavar louça; ainda bem que não pegou, ou seja, ainda bem que esse acessório que eu considero absolutamente fútil, não barateou o suficiente para que a população se interessasse em comprar. Seria mais uma vitória da máquina sobre o homem.
Lavar pratos é terapêutico. A compra dessa máquina retiraria todo o prazer das donas-de-casa que já tem a vida tão difícil. Elas deviam descobrir o prazer que há numa lavagem de pratos, mas infelizmente só conhecem a obrigação de lavar a louça após o almoço, o que dificulta na percepção do prazer. Experimente ir para a pia lavar pratos ouvindo uma boa música. Experimente fazê-lo sem o estigma da obrigação (é um recado para as donas-de-casa).
Conheço duas maneiras de saber o que uma pessoa pensa da vida lavando pratos em sua casa ou estando ao seu lado enquanto dirige o carro.
Faço sempre esse teste; é tiro e queda. Mas faço sempre com amigos, é claro, com pessoas que tenho um certo grau de intimidade.
Quando, estando eu na casa de amigas, após o almoço, vou para a pia na intenção de lavar a louça, as reações são as mais diversas. Cada reação mostra um pouquinho do que há no coração daquela pessoa.
Tenho uma amiga que todas as vezes que vou em direção à sua pia e pego nos pratos para os lavar, ela diz: “Não, Rosane, nem pensar”. Observo então que para ela, lavar pratos alheios é, digamos, uma ação diminutiva. Ou o dono dos pratos os lava por obrigação ou paga-se uma profissional para o ato. Visita é visita. Não há intimidade. Seu coração está cheio de desconfianças, portanto, receber ajuda de alguém, para ela, é um horror.
Na casa de outra, lavar os pratos é uma forma de pagamento. Quem lava é a pessoa que não cozinhou, mas comeu. Ela sempre me olha com o seguinte argumento no olhar: “Bem, eu cozinhei, você lava”. Me ofereço e me arrasto para a pia com a sensação de todas as donas-de-casa. Por uns momentos lavar pratos se torna chato e cansativo, até que começo a sentir a água em minhas mãos e aí vem o prazer. É uma pessoa rígida, exigente e cheia de modelos humanos.
Já na casa de outra, da Neide, lavar pratos é uma comunhão. Sinto cumplicidade, irmandade. Amo sua pia. Sinto-me morando em sua casa, fazendo parte da família. Não existe obrigação, não há desconforto. Pode lavar os pratos quem quiser. Quando ela diz: “Deixa aí Rô!”, é pelo simples fato de querer ficar na mesa estendendo a conversa , nada mais.
Lavar pratos na casa das minhas amigas Neide e Neuma é, também, lavar a alma.

Minha Pretenciosa Gota de Sofia


Antes da Flor, a Chuva.

Eu e uma amiga conversávamos sobre o lado emocional do ser humano e ela falou da curiosidade em saber porque as pessoas se desestruturam tanto quando afetadas no lado emocional.
Quando sofremos por estarmos enfermos ou por passarmos dificuldade financeira, sempre tem alguém que nos ajuda e assim nos sentimos amparados de alguma maneira, mas quando a dor é puramente emocional –como por exemplo, uma rejeição amorosa ou a perda de alguém por morte – os amigos, as palavras não parecem fazer efeito. A dor é tão profunda que a solidão é a melhor companheira. Tudo perde o sabor, a cor.
Ao enfrentarmos este tipo de problema começamos a entender o valor do tempo e agradecemos a Deus em silêncio. O tempo é um bisturi nas mãos do Criador, são gotas de bálsamo irrigando feridas. Caetano disse em uma de suas músicas que o tempo é compositor de destinos. Acho que o nobre poeta enganou-se, o tempo são notas musicais nas mãos do verdadeiro compositor de destinos.
A Bíblia diz que há tempo para tudo. É verdade. Não adianta querermos adiantar ou atrasar os acontecimentos, o relógio de Deus funciona diferente.
Todos conhecem o El Ñino, fenômeno que desestrutura as estações. O verão se mete no inverno, o outono quer tomar o lugar do verão, chove onde não deve chover, faz calor onde há necessidade de estar frio, e por aí vai.
No mundo espiritual não existe El Ñino. Época de chuva é chuva, de flores, flores. Se tivermos que passar por rigoroso inverno, passaremos. Mas o mundo espiritual é também um mundo de esperança. O salmo 30:5 diz que “o choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã”. Chove, mas haverá flores, e para que elas nasçam, é preciso chover.
Eis um poema do Lêdo Ivo, chamado A Tempestade. A poesia sempre explica melhor:
“Para que os cajueiros possam florir, caiu esta chuva/que apagou as estrelas e encharcou os caminhos/água e vento derrubaram cancelas antigas, quebraram telhas, vergaram árvores, suprimiram cercas, desalojaram abelhas e maribondos, enxotaram os pássaros predatórios e o galinheiro é um cemitério de pintos amarelos. /Este é o regimento do mundo: relâmpagos e raios antes da flor e do fruto”.

Gotas de Sofia com Mário Quintana:


PÉ ANTE PÉ
"Vem todos caminhando na ponta dos pés.
Alguém morreu? Não.
É mais fundo o mistério...
Chegam todos, agora, na ponta dos pés,
Para vê-lo dormir o primeiro soninho".

"O céu é dos sábios; o mundo, dos sabidos"

"Canibalismo é a maneira exagerada de apreciar o seu semelhante".

"Não importa o enredo das histórias: o que vale é o êxtase de quem escuta..."

"A coisa mais triste deste mundo é um cachorro sem pulgas".

"O problema da solidão não consiste em saber como solucioná-la, mas em saber como conservá-la".

"O aborto não é, como dizem, um assassinato. É um roubo. Não pode haver roubo maior. Porque, ao malogrado naciturno, rouba-lhe este mundo, o céu, as estrelas, o universo, tudo! O aborto é o roubo infinito".

"Os que agem com segundas intenções não conseguem enganar ninguém. Está na cara... O perigo mesmo - porque é invisível - está nos que tem terceiras intenções".

SLOGAN PARA O MINISTÉRIO DA
SAÚDE:
"O fumante é
um retardado que ainda não conseguiu deixar de mamar".

"Teologia é o caminho mais longo para chegar a Deus"

"Falam muito do Sono Eterno. Sempre falaram, aliás... E daì?

Daí, só uma coisa me impressiona, e muito: a ameaça de uma Insônia Eterna".

"Digam o que disserem, mas a Lua continua sendo o LSD dos poetas".

"A gente deve atravessar a vida como quem está gazeando a escola e não como quem vai para a escola".

"Há criaturas que não vivem; apenas estão fazendo hora para morrer".



Nota de Sofia: A criança na foto chama-se Ana Beatriz. Não é linda?