Tuesday, January 11, 2011

DESCALÇA E DIVERTIDA


Ler “Fortaleza Descalça”, de Otacílio de Azevedo, é qualquer coisa de muito bom. Crônicas leves e divertidas, cheias de informações sobre Fortaleza antiga, ainda do tempo que a cidade nem calçamento tinha, daí o título. A cidade nem chinelos possuía, mas era dona de um balaio de histórias engraçadas. Uma delas é sobre o Bembém, dono de uma garapeira situada na Praça José de Alencar. Garapeira era onde se vendia caldo-de-cana, naquele tempo chamado de garapa. O Bembém juntou grana durante anos e realizou seu sonho de conhecer Paris. Voltou impressionado por todo mundo lá falar francês, até as crianças, e a única pessoa que falava português como ele era um homem chamado Cicerone, que o acompanhava por tudo quanto era lugar e a única palavra em português que ouvia sair da boca do povo era “mercibocu”. Quando voltou, tratou de mandar fazer uns cartões com o nome do estabelecimento afrancesado. A Bembém Garapeira virou “Bien Bien Garapière”. E tem a crônica do “Cajueiro Botador”. A árvore ficava na Praça do Ferreira. Nela se pregava no tronco (e pendurava em seus galhos) tabuletas com anúncios, endereços de lojas, declarações de amor, protestos, etc. À sombra do Cajueiro Botador havia encontros de intelectuais, políticos, desocupados, ricos e pobres; todos se tornavam iguais quando se viam sob o velho cajueiro, retirado da praça por ordem do prefeito Godofredo Maciel, em 1920. Conta o cronista que todo ano, no primeiro de abril, dia da mentira, havia uma festa de arromba debaixo da famosa árvore, com direito a Banda da Polícia e tudo. Como era o dia da mentira, as tabuletas traziam as mais mentirosas e estapafúrdias notícias. Era um divertimento só. Outra crônica interessante é a descrição da primeira versão da Igreja Coração de Jesus. Um luxo! Foi construída pelo Barão de Aratanha, cunhado de Juvenal Galeno, a pedido de D. Luís, primeiro arcebispo de Fortaleza. Otacílio de Azevedo fala com muito carinho do sino da igreja e do Frei Marcelino de Milão, que, coincidentemente, mamãe conheceu. Conta a minha mãe que freqüentava os bastidores da igreja porque minha bisavó, Maria de Castro, era da Ordem Terceira. Não sei do que se trata essa “Ordem Terceira”. Nem minha mãe lembra. Só sabe que sua avó dizia com muito orgulho que era desse negócio aí. Frei Macelino era bem velhinho e mamãe, bem novinha, tinha cinco anos. A família estava dividida entre católicos e espíritas, coisa que preocupava muito minha bisavó. Em uma das visitas, o velho frei perguntou a minha mãe:
- Isoldinha, minha filha, você é espírita ou católica?
- Sou paulista! - respondeu mamãe inocentemente, pois sabia que nascera em São Paulo.
- Tá vendo, Mariazinha, ela não é nem católica nem espírita, é paulista – divertia-se o frei.
by Rosane de Castro/Janeiro/2011

1 comment:

George Facundo said...

Rô, que delícia teu texto... Sempre gosto de ler crônicas do passado (principalmente Fortaleza) e pensas nas muitas coisas que aconteciam no (hojee tão sem personalidade) centro da cidade!
Saudades muitas de vc minha amiga!
Feliz 2011!
bjão