Tuesday, January 11, 2011

CHOQUE DE PROMOTORES

Abri a porta da secretaria da faculdade e ela estava lá, sentada de frente pro computador, um ancião cansado, de passos lentos e memória quase parando. O próprio velho PC já não se suporta mais, vive clamando aposentadoria, desejando com ardor ser encostado e esquecido em um canto qualquer. E o modo como protesta é simplesmente não funcionando em momentos de extrema necessidade. No entanto ela o olhava com conformada paciência, esperando ele desistir da rebeldia e iniciar o trabalho. Nem o velho PC resiste aos encantos da dona Socorro. A paciência é uma das virtudes perceptíveis dessa mulher que tanto admiro e a quem, carinhosamente chamo de professora. Há anos está à frente da direção da Faculdade Contemporânea do Ceará e é respeitadíssima, não somente devido à inteligência, delicadeza e à disposição em ajudar, mas por ser um dos maiores testemunhos vivos de coragem que conheci. A professora Socorro lutou contra um câncer de mama por alguns anos e venceu. Nunca se deixou abater e nos tempos de quimioterapia ia trabalhar cheia de alegria, se dizendo feliz por ter condições psicológicas de lutar contra a enfermidade enquanto muitos, só com a notícia, mergulham na mais absoluta depressão. Jurou que o câncer não a venceria e cumpriu. É o tipo que ri de tudo e por ter enfrentado tudo que enfrentou, leva a vida na “maciota”, sempre dizendo que pra tudo há solução. Acredita que não existe problema “irresolvível” e diz que até mesmo a morte pode ser adiada por longo tempo (ela que o diga).
Dia desses chegou à faculdade às gargalhadas. Estacionou seu possante cor prata e desceu com cara de menina sapeca, com aquela expressão infantil de quem aprontou algo. Contou que vinha na Santos Dumont, dirigindo meio distraída, com a atenção levemente afastada da realidade, quando sentiu seu carro “dar um selinho” na traseira de um importadão preto, quatro portas, vidro fumê, carro de gente com bastante grana. Tomou um susto, mas percebeu que não fora nada, apenas uma encostadinha de leve. A porta do importado abriu e desceu um homem elegante, de paletó e gravata, com cara de poucos amigos. A professora desceu disposta a mostrar que não havia acontecido nada, que foi apenas uma encostada, nada demais. Os dois olharam a traseira do carro e ela viu que estava tudo bem. Porém, o sujeito tava estressado, afobado, indignado por alguém ter encostado no seu belo carro, sem falar que eles estavam no meio da avenida, parados, atrapalhando o trânsito que já se impacientava.
- Ô minha senhora, olha só o que a senhora fez! – disse o ricaço, meio afetado.
- Ô moço, foi só uma encostadinha de nada! Tá tudo bem! – respondeu a professora na maior calma.
- Tudo bem??? A senhora bateu na traseira de um carro do ano, importado, caríssimo. Vamos chamar a perícia!
- Que é isso, rapaz, deixa de besteira, não aconteceu nada com seu carro. Se fosse o contrário eu nem ia perder meu tempo discutindo!
- Besteira? A senhora tá me chamando de besta? – o homem ficou nervoso de verdade – A senhora sabe com quem está falando? Saiba que eu sou promotor!
Tranquilamente, dona Socorro respondeu:
- Se for por isso, também sou promotora. O senhor é promotor de quê?
- De justiça, claro! E a senhora?
E a dona Socorro, na maior cara de pau: - Da Avon!
O estressado simplesmente foi mais um que não resistiu. Caiu na gargalhada. E a dona Socorro também, claro. Os dois ficaram por um bom tempo rindo, deixando os transeuntes sem entender o que estava acontecendo com aqueles dois malucos se acabando de rir em plena Santos Dumont, alheios às buzinas insistentes e nervosas.


by Rosane de Castro/Janeiro/2011

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