Estava, como sempre, na Praça do Ferreira, num fim de tarde maravilhoso. Esperava Mirna. Tínhamos combinado um cappucino e eu sentei no lugar onde costumamos nos encontrar. De repente, sentou ao meu lado um bêbado, daqueles sujos, mal cheirosos, indesejáveis. Sentou e ficou. Aos poucos, as pessoas que estavam sentadas foram levantando e só eu fiquei. Eu tenho a mania de gostar de conversar com pessoas desconhecidas, saber o que elas pensam; gosto de ouvir, afinal, tem um pensamento que diz se temos dois ouvidos e uma boca é porque devemos ouvir mais e falar menos. Sempre aprendemos quando paramos para ouvir, mesmo que seja aprender o que NAO devemos fazer. O escritor Rubem Alves disse numa entrevista que poucas pessoas sabem ouvir porque ouvir é complicado, pois exige que os outros sentidos sejam silenciados. Estranhamente senti vontade de conversar com o sujeito completamente embriagado que estava do meu lado. Iniciei o diálogo com um olhar. Ele já foi me pedindo um real para comer alguma coisa, argumentei que não acreditava que ele fosse comer e que sabia que iria beber. Ele disse que eu estava certa, queria mesmo era beber uma. Iniciamos a conversa. Falei pra ele do AA (Alcoólicos Anônimos) e ele disse que não tinha a menor vontade de parar de beber. Contou-me que já tinha sido do exército e muito bem casado. No inicio bebia socialmente; como morava numa casa grande, nos finais de semana recebia os amigos em casa para churrascadas e, claro, muita cerveja. Era tudo muito bom, ele disse, ganhava bem, tinha regalias por ser do exército, uma boa esposa e um filhinho que amava muito. Um dia, ele bebeu umas cervejas e saiu com o filho no carro. O garoto, que ia no assento do lado, pediu pra ele correr, no que ele atendeu. No desejo de brincar com o filho, de mostrar que era "o cara", meteu o pé no acelerador e só lembra do carro virando e do garoto ser cuspido para fora. O menino morreu na hora. Tinha oito anos. Por causa desse acidente seu casamento acabou - a esposa o acusava - e ele caiu de vez na bebida. Abandonou o exército e a vida. Disse que não se matava porque era covarde. Perdeu tudo, filho, esposa, e dos irmãos não queria saber, queria, sim, beber até morrer. Sentia-se culpado e a única coisa que aliviava seu sentimento de culpa era álcool. Confidenciou que praticava pequenos furtos para garantir a bebida e sempre se dava mal. Dei a idéia de ele buscar a Deus e ele disse que Deus não existia. Percebi que ao tocar no assunto sobre Deus, ele ficou com expressão de revolta que depois foi se transformando e seu rosto foi ficando mais sereno. Falei que eu também tinha sido alcoólatra, que tinha perdido pessoas que amava e ele chorou. Nessas alturas da conversa o efeito da bebida havia passado. Ele confessou que havia no seu coração um pouquinho de vontade de ver sua vida reestruturada, mas achava impossível. Ele tinha sonhos. Mirna chegou e fomos tomar o cappucino combinado. Quando eu saía, o homem disse: - Obrigada por conversar comigo; Deus lhe abençoe! - Fiquei tocada e não me saiu da cabeça o fato de saber que ninguém, por pior que seja a situação, deixa de sonhar, condição inerente ao ser humano. Eu tenho os meus sonhos. Aquele homem me ajudou. Ficava me perguntando pra que sonhar, se meus sonhos não irão realizar-se mesmo. Quem disse que não? O sol ainda nasce, a chuva ainda cai, eu ainda respiro. Isso traz á realidade a velha frase "enquanto houver vida, há esperança".Também aprendi outra coisa: cada bêbado, mendigo ou desvalido que encontramos, neles existe uma historia a ser contada, a ser ouvida, a ser aprendida. A vida é uma corda bamba e necessitamos de equilíbrio. Todos somos equilibristas e, como somos imperfeitos, precisamos de algo que nos ampare, pois quedas sao inevitaveis. Deus tem de ser o equilibrio da nossa vida e o nosso ajudador quando cairmos. Com Deus nos equilibrando, não haverá quedas fatais e sim, um novo começo de algo bom que estará para acontecer.
Thursday, June 28, 2007
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1 comment:
Rô, tua sensibilidade me encanta... e me encanta mais ainda saber que Deus qdo esteve aqui na forma humana fez questão de ficar entre os maltrapilhos desse mundo, os desesperançados, os miseráveis, os bêbados, gente que a sociedade já havia condenado por antecipação ao inferno do isolamento, da marginalização. Jesus deu pouca atenção a gente como nós... preferia, como vc, sentar na Praça do Ferreira e conversar com o bêbado, oferecendo-lhes a Vida... dando-lhes um pouco de dignidade.
Amo vc, mulher!
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