Monday, December 04, 2006

Gotas de Humor com Mário Quintana


Tive um amigo, se não me engano chamava-se Fagundes, o qual, sempre que tinha queixa contra alguém, desabafava: - "Tomara que morra"!
- Cruzes, Fagundes! Isso é coisa que se diga?! - protestava eu.
E ele: - Acha você que ele vai morrer, só por eu ter dito isso? Se ele morrer, será apenas uma FELIZ COINCIDÊNCIA...

Saturday, December 02, 2006

Gotas de Sofia com Rubem Alves - Amar é Ouvir


Amamos não a pessoa que fala bonito, mas a pessoa que escuta bonito... A arte de amar e a arte de ouvir estão intimamente ligadas. Não é possível amar uma pessoa que não sabe ouvir. Os falantes que julgam que por sua fala bonita serão amados são uns tolos. Estão condenados à solidão. Quem só fala e não sabe ouvir é um chato... O ato de falar é um ato masculino. Fala é falus: algo que sai, se alonga e procura um orifício onde entrar, o ouvido... Já o ato de ouvir é feminino: o ouvido é um vazio que se permite ser penetrado. Não me entenda mal. Não disse que fala é coisa de homem e ouvir é coisa de mulher. Todos nós somos masculinos e femininos ao mesmo tempo. Xerazade, quando contava as estórias das 1001 noites para o sultão, estava carinhosamente penetrando os vazios femininos do machão. E foi dessa escuta feminina do sultão que surgiu o amor. Não há amor que resista ao falatório.
Nota de Sofia: A ilustração é uma escultura de Camille Claudel, "Camille e Rodin"

Gotas de Sofia com Carlos Drummond de Andrade - Canção Para Ninar Mulher


Olha o bicho preto
que vem lá de longe,
olha e fica quietinha.

Olha a lua nascendo
atrás daquela porta.
Tem um gato, um passarinho,
um anel de brilhante,
todos três pra você.

Dorme, que eu te dou
um vestido, um país,
te dou... ah, isso não dou, não.

Dorme que o gatuno
de olho no vidro
e smoking furtado
subiu na parede
para te espiar.

Dorme devagar.

Dorme bem de manso,
senão eu te pego,
te dou um abraço
e te espinho toda.

(Eu não sou daqui,
sou de outra nação,
eu não sou brinquedo)

Dorme na Argentina,
ou no Maranhão,
dorme bem dormido.

Dorme que o capeta
está perguntando
quedê a mulher acordada
pra eu dormir com ela?

Nota de Sofia: A ilustração é uma escultura de Auguste Rodin

Minha Pretenciosa Gota de Sofia - O Queijo Nosso de Cada Dia

Eu tenho mania por gatos. Amo de paixão. Criar gatos torna-se um vício, quero que saibam os iniciantes. Lembro que comecei com um só. O bichano, ainda bem pequeno, miou baixinho na porta da minha casa e foi o bastante. Aquele miado fraquinho, insistente, que dá peninha, mas que tem poder suficiente pra derreter qualquer coração.
Disse a mim mesma que seria somente aquele e o batizei de José Gato de Castro, o Gatinho. Fiquei completamente apaixonada pelo Gatinho, então, pra completar, ganhei a Neve, uma fêmea do pêlo branquinho e olhos amarelos. Vocês podem imaginar no que deu. Hoje, são dezesseis gatos, fora os que já morreram, vítimas da maldade humana; todos com nome, sobrenome e apelido. O Teófilo de Castro, por exemplo, é o Téozinho, a Shanana de Castro é a Shan, a Neve de Castro é a Nevinha, e por aí vai. Bem, diz o velho ditado que cada doido tem sua mania e a minha é gato, com nome, sobrenome e apelido. E tem mais: conheço o miado de cada um.
Quero confessar desavergonhadamente que eles são muito mal acostumados e adoram queijo. Culpa minha. No final de semana, quando faço as refeições em casa, alguns, na hora do café, ficam me olhando com aquele olhar penoso, “pidão”, fixo, implorando por um pedaço de queijo, apesar de estarem cheios de ração. Eles ficam com os rostos levantados, me olhando fixamente, esperando um gesto, um sinal de que o queijo será dado. Não resisto e acabo distribuindo a iguaria para toda a minha gatarada.
Nessa hora, não existe uma vez sequer que eu não lembre do salmo 123, que diz: ”como os olhos dos servos estão fitos nas mãos dos seus senhores (...), assim os nossos olhos estão fitos no Senhor, nosso Deus”. Do jeito que meus gatos fazem comigo, eu faço com Deus: todas as manhãs quando acordo, através da oração, fito meus olhos espirituais Nele e peço um pedaço do “queijo divino”.

A Bíblia diz que as misericórdias do Senhor se renovam a cada manhã, não fossem elas há muito teríamos perecido.
Igualzinho aos meus gatos, não me contento, quero mais. E da mesma forma que eu não resisto aos miados dos meus gatinhos, Deus não resiste á súplica de um aflito, pode ter certeza.
Sou testemunha viva de que o Senhor é um alto refúgio em qualquer situação, em qualquer tempo.

Nota de Sofia: A ilustração é uma tela da pintora alemã, Paula Becker

Colcha de Retalhos de Sofia - Fragmentos de uma carta de Rainer Maria Rilke ao Poeta Franz Xaver Kappus Sobre a Volúpia

(...) A volúpia carnal é uma experiência dos sentidos, análoga ao simples olhar ou à simples sensação com que um belo fruto enche a língua. É uma grande experiência sem fim que nos é dada; um conhecimento do mundo; a plenitude e o esplendor de todo o saber. O mal não é que nós a aceitemos; o mal consiste em quase todos abusarem dessa experiência, malbaratando-a fazendo dela um mero estímulo para os momentos cansados de sua existência, uma simples distração, em vez de uma concentração interior para as alturas. Até o comer, os homens transformaram em algo diferente: a carência de um lado, o excesso de outro perturbaram a clareza desta necessidade; e todas as necessidades elementares em que a vida se renova tornaram-se igualmente turvas.
O indivíduo, porém, pode esclarecê-las para si mesmo e vivê-las às claras (não todos os indivíduos, demasiados dependentes, mas pelo menos os solitários). Estes podem lembrar-se de que toda beleza em animais e plantas é uma forma silenciosa e durável de amor e desejo; e podem ver o animal como a planta, unindo-se, multiplicando-se e crescendo paciente e docilmente, não por gozo físico nem por dor física, mas curvando-se diante de necessidade maiores que a volúpia e a resistência.
Pudesse o homem acolher com maior humildade este segredo de que a terra está cheia até em suas coisas mais ínfimas; carregá-lo e suportá-lo com mais gravidade, sentindo-lhe o peso, em vez de o tratar com leviandade (...).

Nota de Sofia: Essa maravilhosa visão sobre a volúpia e seu papel na vida do homem lembra um texto do apóstolo Paulo, que diz: "Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas me convém. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas".
Rainer mostra, na carta a Kappus, a distorção humana sobre a volúpia e em como os exageros em tudo que fazemos na vida pode tirar o belo e desviar o verdadeiro papel daquilo que nos é presenteado pelo divino. Ao tratar da questão das plantas e animais, Rainer nos faz meditar que é exatamente o privilégio de sermos os únicos seres racionais e emotivos que nos prejudica, por não sabermos usar essa tão grande benção.
A ilustração é uma fotomontagem de José Luis Sanz, "Marylin Distorcida".

Friday, December 01, 2006

Gotas de Sofia com Dietrich Bonhoeffer - Quem Sou Eu?

Quem sou eu? Com frequência eles me dizem
que saio do confinamento de minha cela
calmamente, alegremente, firmemente,
como um cavalheiro saindo de sua casa de campo.

Quem sou eu? Com frequência eles me dizem
que converso com os guardas
com liberdade, amabilidade e clareza,
como se eu tivesse o poder de mandar.

Quem sou eu? Com frequência eles me dizem
que eu vivo os dias infelizes
equilibradamente, sorrindo, com orgulho,
como quem está acostumado a vencer.

será que sou realmente tudo isso que os homens dizem?
ou sou apenas o que eu próprio sei a meu respeito?
Inquieto, ansioso e doente, como um pássaro na gaiola.
Lutando para respirar, como se mãos apertassem minha garganta,
desejando ver cores, flores, vozes de pássaros,
tendo sede de palavras bondosas, de vizinhos,
aguardando grandes acontecimentos,
tremendo impotente pelos amigos infinitamente distantes,
cansado e vazio na oração, no pensamento, nos atos,
desmaiando e pronto para dizer adeus para tudo?

Quem sou eu? este ou o outro?
Sou uma pessoa hoje e outra amanhã?
Sou ambos ao mesmo tempo? Um hipócrita diante dos outros,
e diante de mim mesmo um fraco, miserável, desprezível?
Ou há ainda dentro de mim alguma coisa como um exército derrotado,
fugindo desordenadamente da vitória já alcançada?

Quem sou eu? Elas zombam de mim, essas minhas perguntas solitárias.
Quem quer que eu seja, Tu sabes, ó Deus, eu sou Teu!


Nota de Sofia: Dietrich Bonhoeffer foi um teólogo alemão que se opôs fortemente ao nazismo, por isso, foi preso e condenado à morte por enforcamento aos 39 anos. Escreveu vários livros na prisão, escondido dos guardas e ajudado por um carcereiro que se tornou seu amigo. O carcereiro recebia seus escritos e os entregava à familia Bonhoeffer. Foi também grande poeta e apreciador das artes plásticas e da música clássica. Na noite de seu enforcamento, um guarda nazista, ao colocar a corda em seu pescoço, disse: - Para você, é o fim, Dietrich - no que ele respondeu: - Não! É apenas o começo!

Thursday, November 30, 2006

Minha Pretenciosa Gota de Sofia - Provocação Musical


A voz quente de Aretha Franklin parece voar dentro da sala. Ela canta “What A Friend We Have In Jesus” (Que amigo nós temos em Jesus), um clássico da música gospel, gravado ao vivo em pleno culto da Igreja Batista, da qual seu pai, James Cleveland, foi pastor por longos anos.
Esse trabalho foi feito no final de 1972, perto do Natal, e na foto do disco (esse aí de cima), Aretha está sentada nos degraus da igreja, vestindo uma roupa típica da África. O trabalho é clássico não só porque é a grande Aretha Franklin cantando músicas cristãs, mas principalmente porque é uma homenagem a Martin Luther King e à costureira negra Rosa Parks, os dois personagens principais da luta contra a segregação nos E.U.A.
Os brancos sulistas ainda não haviam engolido a vitória dos negros e em 1972 a violência chegou ao auge com o discurso rancoroso de Malcom X. King estava morto, mas seu sonho de ver o fim da segregação estava mais vivo do que nunca, pois leis estavam sendo mudadas.
Amazing Grace”, título do disco, foi, digamos, um “insulto” à “superioridade” da fres/brancura americana.
Aretha representava a geração/neta de escravos que devia conformar-se e aceitar ser inferior, ou voltar para a África. A foto de capa em si já é uma provocação. Aretha, através da imagem diz: “Sou negra AMERICANA, tenho direitos iguais e vou ficar”.

Outra coisa interessante no disco é a versão que ela dá às músicas “My Sweet Lord, do então já ex-beatle George Harrison, “You've Got A Friend”, de Carole King e a belíssima, conhecidíssima,“Bridge Over Troubled Water”, de Paul Simon, acompanhada pelo coral da Igreja Batista . Com esse trabalho, Aretha, além de construir uma ponte entre a música secular e a música gospel, faz uma provocação à igreja protestante americana branca que também fazia uma espécie de "segregação musical”.
Amazing Grace é um trabalho que vale a pena ouvir pela beleza dos arranjos, pela técnica de voz de Aretha e por sua importância histórica. Ele é o resultado daqueles sonhos impossíveis que se tornam realidade quando colocados nas mãos de Deus.
Uma pena não encontrar aqui no Brasil trabalho musical tão importante. O meu eu não dou, não vendo, não empresto nem troco, foi presente de um grande amigo, um presentaço, aliás. Daqueles descidos do céu.

Gotas de Sofia com Drummond - Consolo na Praia


Vamos, não chores...
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humor?

A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.

Nota de Sofia: A primeira vez que li este poema, tive a forte impressão que o autor falava comigo.
A ilustração é uma caricatura do Drummond feita por Batistão, caricaturista do Jornal Folha de São Paulo.

Gotas de Sofia com Chico Buarque - A Banda



Estava à toa na vida
O meu amor me chamou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

A minha gente sofrida
Despediu-se da dor
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

O homem sério que contava dinheiro parou
O faroleiro que contava vantagem parou
A namorada que contava as estrelas
Parou para ver, ouvir e dar passagem.

A moça triste que vivia calada sorriu
A rosa triste que vivia fechada se abriu
E a meninada toda se assanhou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou
Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou
A moça feia debruçou na janela
Pensando que a banda tocava pra ela

A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu
A lua cheia que vivia escondida surgiu
Minha cidade toda se enfeitou
Pra ver a banda passar cantando coisas de amor

Mas para meu desencanto
O que era doce acabou
Tudo tomou seu lugar
Depois que a banda passou

E cada qual no seu canto
Em cada canto uma dor
Depois da banda passar
Cantando coisas de amor

Nota e opinião de Sofia: Esta é a pérola musical do maravilhoso Chico. A época em que ela foi composta, era de plena ditadura. Os militares haviam subido ao poder usando a violência e a repressão como armas (ou como autoproteção?). Mas o poeta não deixou de sonhar. Você já parou para pensar que a banda – personagem principal da cena musical - pertencia ao exército do lugar? Bandas musicais, naquela época, sempre pertenciam aos militares. Pode sentir o sonho e ao mesmo tempo a sutil crítica? A banda enche as pessoas de alegria, as transforma, as protege da tristeza e dos interesses pessoais com a música - quee também é um personagem na cena - Mas foi tudo muito passageiro. O que era para dar alegria, proteção (no caso, o exército) estava, na realidade, reprimindo, sufocando e “desencantando” as pessoas.
Para Paula Celedonio, com carinho.

Wednesday, November 29, 2006

Gota de Sofia com Joaquim Machado Filho - Ser Livre

A liberdade é vento
endoidando a terra.
É chuva
Festa
Banda
Mutirão
É caminho de pássaro
Destino de Estrela
Enchente de rio
Sexo das coisas
Hora imatura
Mijo no muro
E mais tudo
E contudo
É mais tudo...

Gota de Sofia com Tom Jobim - Caminhos Cruzados


Quando um coração que está cansado de sofrer
Encontra um coração também cansado de sofrer
É tempo de se pensar
Que o amor pode de repente chegar
Quando existe alguém que tem saudade de alguém
E este outro alguém não entender
Deixa este novo amor chegar
Mesmo que depois
Seja imprescindível chorar
Que tolo fui eu, que em vão tentei raciocinar
Nas coisas do amor que ninguém pode explicar
Vem nós dois vamos tentar
Só um novo amor
Pode a saudade apagar

Nota de Sofia: Esta música é a mais bela canção da Música Popular Brasileira. É uma pérola lapidada pelo Tom e pela grande Dolores Duran. A caricatura foi feita por Batistão, caricaturista do Jornal Folha de São Paulo.

Gotas de Sofia com Eduardo Galeano - O Menino e o Mar


Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar.
Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava oculto do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos.
E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
- Me ajuda a olhar!

Minha Pretenciosa Gota de Sofia - Grávidos de Deus


O poeta português Fernando Pessoa nos brindou com a pérola: “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”. Verdade poderosíssima que devemos trazer para nossas vidas.
Quando Deus quer realizar algo importante para a humanidade, quando quer presentear nosso planeta com algo marcante, que influencie milhões e milhões de pessoas por longos anos, Ele costuma “engravidar” alguém com sonhos.
Vejamos o sonho de Mahatma Gandhi: Deus o engravidou do sonho de ver a Índia livre do jugo inglês. A “gravidez” de Gandhi foi difícil, dolorosa, mas o sonho foi crescendo, crescendo em suas entranhas e a obra nasceu. Outro grande “grávido” de Deus foi Martin Luter King. O feto que cresceu dentro dele foi o fim da segregação racial nos Estados Unidos. Quando King disse: “Eu tenho um sonho”, muito antes dele sonhar Deus tinha a VONTADE. A obra nasceu, apesar de ser mais uma gravidez difícil, árdua, que lhe custou a vida, mas que abençoou milhões de vidas e continua abençoando até os dias de hoje.
Seria bom procurarmos ler sobre outros “grávidos de Deus”, como Sócrates, Abraham Lincoln, Madre Tereza de Calcutá, Nelson Mandela...
Assim, Deus também pode fazer na minha e na sua vida, individualmente. Se temos sonhos, devemos perguntar: estou grávido(a) de Deus? Se a resposta for positiva, então podemos ir em frente, porque APESAR e ALÉM de todas as dificuldades, a obra nascerá porque Deus reconhecerá a paternidade.
A mais famosa grávida de Deus foi Maria. Uma adolescente israelita que teve a ousadia de crer e aceitar a vontade de seu Senhor, mesmo não vendo nenhuma lógica no que lhe foi anunciado - “Como? Grávida, mesmo virgem? Tudo bem, eu topo”. E vejam no que resultou.
Deus não escolheu Maria para ser a mãe de Jesus porque era bonita ou inteligente, ou intelectual ou rica. Não. No “curriculum” da menina judia havia fé e perseverança. Este foi e É o segredo de todos que foram e querem ser engravidados por Deus.
Sonhos realizados mudam a vida do sonhador e, em alguns casos, da humanidade inteira.
Analise seu sonho. Ele beneficiará alguém? Abençoará alguém? Se você puder, sinceramente, responder que sim, então vá em frente e acredite. Não aborte seu sonho. O tempo da “gravidez” só o Pai é que sabe, e quando as dores começarem, aí é que você não pode desistir porque chegou a hora do parto. Logo, logo, você terá uma obra em suas mãos, ávida por crescer e se multiplicar.


Nota de Sofia: A ilustração é uma tela de Paula Becker

Tuesday, November 28, 2006

Gotas de Sofia com Manoel de Barros


"O rio que fazia uma volta detrás de nossa casa era a imagem de um vidro mole que fazia uma volta atrás da casa.
Passou um homem depois e disse: - Essa volta que o rio faz por trás da sua casa se chama enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que fazia volta atrás da casa.
Acho que o nome empobreceu a imagem".

"Poesia é voar fora de casa".

"Lugar sem comportamento é o coração".

Nota de Sofia: A ilustração é uma tela de Armando Vianna.

Gota de Sofia com Anilda Figueiredo


(...) No ramo, a nossa cidade
Tem qualidade e fartura
Tem louco de toda idade
Vai do berço à sepultura
Do mais novo ao mais idoso
Do esperto ao preguiçoso
Tem doido de todo jeito
Tem doido por precisão
Outros fazem profissão
E doido que nasce feito
Tem doido nos hospitais
Receitando outros doentes
Tem doido nas estatais
Uns tristonhos outros contentes
Tem em toda profissão e digo de coração
Preste atenção que vai ver
Que de mestre e de louco
Todo mundo tem um pouco
É só olhar pra você.

Monday, November 27, 2006

Gotas de Sofia com Eduardo Galeano - Noite


Não consigo dormir. Tenho uma mulher atravessada entre minhas pálpebras.
Se pudesse, diria a ela que fosse embora; mas tenho uma mulher atravessada em minha garganta.
- Arranque-me, senhora, as roupas e as dúvidas. Dispa-me! Dispa-me!
Eu adormeço às margens de uma mulher: eu adormeço às margens de um abismo.
Solto-me do abraço, saio às ruas.
No céu, já clareando, finita a Lua.
A Lua tem duas noites de idade.
Eu, uma.

Nota de Sofia: A ilustração é uma tela de Modigliani

Minha Pretenciosa Gota de Sofia - Você Matou a Minha Mãe!


Todos os dias o Miguel Doido passava defronte de nossa casa aos gritos. Gritava alto e agressivamente. Como tinha uma boa dicção devido à gravidade e potência de sua voz, o grito que o Miguel dava metia medo nas mais artimosas das crianças. As mães, para conseguirem acalmar a rebeldia de seus pequenos, não diziam mais o velho chavão: - Vou chamar o seu pai! - e sim - Vou chamar o Miguel!.
O Miguel enchia os pulmões, dava aquele tom teatral, trágico e gritava numa voz cheia de sofrimento: - VOCÊ MATOU A MINHA MÃE! – O bairro inteiro ouvia de longe a acusação desesperadora. O pessoal havia se acostumado com os gritos do Miguel e nem se preocupavam mais com o pedaço de pau que ele sempre levava na mão. O Miguel olhava para o “escolhido da hora” com os olhos esbugalhados, a voz grave, a cara vermelha, o pedaço de pau na mão e gritava cheio de acusação, apontando para a assustada pessoa – VOCÊ MATOU A MINHA MÃE!
No começo, quando o Miguel endoidou, o pessoal tomava o pedaço de pau temendo que ele fizesse alguma loucura, mas com o tempo foram entendendo que o Miguel só tinha grito, que era um doido calmo. Muitas vezes fora internado no hospital de loucos, mas sempre voltava e aí o bairro todo adotou os gritos do Miguel e até as crianças se acostumaram aos gritos do Miguel, iam atrás dele fazendo chacota, gritando num uníssono cantante: - VOCÊ MATOU A MINHA MÃE! – e saíam correndo às gargalhadas.
Ninguém sabe o que aconteceu realmente com a mãe do Miguel. Sabe-se apenas que aquele homem moreno, de estatura mediana e com voz grave, apareceu pelo bairro e ali ficou dormindo nas calçadas, ganhando um prato de comida aqui e ali, fazendo pequenos serviços e sumindo de vez em quando.
De repente o Miguel cismava e ia embora por uns tempos. Ninguém sabia para onde; ele simplesmente sumia para voltar depois, dando o seu brado: - VOCÊ MATOU A MINHA MÃE! – Era assim que ele adentrava no bairro e ouvia-se logo a gritaria da meninada na rua.
Um dia, meu tio, irmão de minha mãe, que passara muitos anos morando em São Paulo, após inesperada viuvez, resolveu passar uns tempos conosco. Nessa época o Miguel havia tomado um chá de sumiço e o bairro estava bem calmo.
Meu tio viera de São Paulo com uma vontade enorme de fazer algo que para os que moram no Nordeste é simples e corriqueiro, mas para ele, morador de São Paulo, se tornara um verdadeiro relicário que ele não conseguiu fazer nos quarentas anos em que morou na grande metrópole: colocar a cadeira na calçada à noite e ficar vendo o tempo passar. Segundo ele, isso sempre foi impossível em São Paulo e era uma das mais gostosas lembranças que ele tinha de Fortaleza. Claro que ele resolveu recuperar o tempo perdido e, todas as noites colocava a cadeira de balanço na calçada pra tirar um cochilo.
Um dia, resolveu sair para fazer umas compras e pediu o carro do meu irmão. Na volta aconteceu algo que o chateou: ele atropelou uma cadela e a matou. Muito aperreado, desceu do carro para socorrer o pobre animal, mas já era tarde, a cadelinha jazia inerte no frio asfalto. Ele chegou muito aborrecido em casa e, para afugentar a chateação, naquela mesma noite, mais do que em qualquer outra, meu tio pegou a cadeira de balanço e foi para a calçada. Fazia um ventinho gostoso, aquela brisa boa, noite de lua cheia, meu tio caiu no sono. Dormia tranqüilo quando acordou sobressaltado com um grito horroroso. Olhou assustado, o coração aos pulos. Bem diante de si estava o Miguel Doido, que acabara de voltar ao bairro, com um pedaço de pau na mão, olhos esbugalhados, gritando ensandecido, como sempre: - VOCÊ MATOU A MINHA MÃE!

Gota de Curiosidade


Você sabia que nas menores flores há uma perfeição mais completa do que nas maiores? A titanarum é a maior flor do mundo. Mede seis metros de altura, mas quando se abre é preciso usar uma máscara para se aproximar dela por causa do mau cheiro. Entretanto é quase impossível permanecer indiferente à beleza de uma pequena orquídea ou ao perfume de uma minúscula dama-da-noite. Parece que a grandiosidade da arte divina se revela naquilo que é minúsculo.

Nota de Sofia: A ilustração é a foto de um lírio

Sunday, November 26, 2006

Gota de Sofia com Graciliano Ramos - Carta à Heloísa


Palmeira, 18 de Janeiro de 1928

Heloísa:
Mandei-te uma carta pelo último correio, e já a necessidade me aparece de falar novamente contigo.
Se pudesse, empregaria todo o tempo em escrever-te, só para ter o prazer de receber respostas. Tenho tanto que te dizer... Nem sei por onde começar, fico indeciso, com a pena suspensa, vendo interiormente esses olhos que me endoideceram quando os vi pela primeira vez. Muitas coisas para dizer-te, mas coisas que só se dizem em silêncio e que talvez compreendas, se houver afinidade entre nós.
Santo Deus! Como isto é pedantesco! Eu desejava ser simples, dizer-te ingenuamente o que sinto e o que penso. Mas sentimento e pensamento, indisciplinados, não se deixam agarrar. Vou jogar aqui o que me vier à cabeça, à toa, sem ordem.
É verdade que és minha noiva? Não é possível, sei perfeitamente que tudo isto é um sonho, que vou acordar, que ainda estamos em princípio de dezembro, que tu não tens existência real. Esta carta nunca te chegará às mãos, porque não tens mãos, és uma criatura imaginária. A flor que me deste e que agora vejo, murcha, é simplesmente um defeito dos meus nervos. Beijando-a, tenho a impressão de beijar o vácuo. Já tiveste em sonho a consciência de estar sonhando? É assim que me acho. Vem para junto de mim e acorda-me.
Causaste uma perturbação terrível no espírito dum pobre homem que nunca te fez mal nenhum. Isto com certeza te dará alegria, porque todas vocês gostam de rasgar o coração da gente. Com esses modos românticos, esse rosto de santa que desce do altar, és uma fera. Vieste chamar-me para passar quinze horas a fio cercado de saias. E quando me tens seguro: “ora, meu caro senhor, deixe-se de histórias. Tudo isso foi pilhéria, não houve nada”.
Depois, uma reviravolta, estamos noivos. Ou não estamos? Ainda será engano meu?
Amo-te com ternura, com saudade, com indignação e com ódio. Confesso-te honestamente o que sou. Se te não agradam sentimentos tão excessivos, mata-me. Mas não me mates logo: mata-me devagar, deitando veneno no que me escreveres. Provavelmente sabe fazê-lo. Não devias ser como és.
Estou a atormentar-te, meu amor. Perdoa. Se não fosses como és, eu não gostaria de ti.
És uma extraordinária quantidade de mulheres. Quando me vieste pedir não sei quê para o Natal, eras uma. Depois, em um só dia, ficaste duas, muito diferentes da primeira. Desejei ver qualquer das três e levei à casa do padre um bacharel que vendia livros. Apareceu-me outra. Daí por diante o número cresceu, cresceu assustadoramente. Na sexta-feira, antevéspera de tua partida, encontrei pelo menos vinte. No sábado, em nossa casa, havia uma na sala, outra na sala de jantar, dez ou doze ao pé da janela. És multidão. Como me poderei casar com tantas mulheres? O pior é que todas me agradam, não posso escolher.
Por que não te deixaste ficar mais uma semana? Por que não ficaste definitivamente? Tenho recebido parabéns pelo meu novo estado, há quem suponha que me casei contigo. Era o que devíamos ter feito. Tudo tão fácil! E agora? Quanto tempo é necessário esperar ainda? Conheces algum padre que me possa casar sem confissão? Não estou disposto a ajoelhar-me aos pés de ninguém. Mentira: estou disposto a ajoelhar-me aos teus pés, a adorar-te.
Tenho o pressentimento de que te arrependeste do que fizeste. Estás arrependida? Se estás sê misericordiosa, não mo digas agora.
Quando me escreveres, diz-me com singeleza o que há em teu coração... contanto que não sejam coisas desagradáveis.
Que incoerências! Que disparate! Tudo por tua causa.
Adeus, meu amor. Recomendações a dona Lili (excelente amiga) e a todos os teus. Estou muito agradecido a teu pai por ter ouvido com resignação a arenga do padre Macedo.
Beijo-te as mãos. Teu Graciliano.


Nota de Sofia: Graciliano casou-se com Heloísa e quando ele morreu, ela estava com ele. Foram felizes. A ilustração é uma tela de Van Gogh, "Lua".

Minha Pretenciosa Gota de Sofia - Ele Quer Nos Enfeitar


Sempre que passo pela Praça da Bandeira, gosto de dar uma olhada nas pequeninas flores brancas que nascem nas “coxias”, que nascem “ao léu”, “sem eira, nem beira”, como diz o “dialeto” cearense. Elas formam um tapete bonito de se ver, apesar de durarem pouquinho. Em questão de poucos dias não existem mais, e dá uma sensação de que a velha praça, maltratada pelo tempo e abandonada pela prefeitura, perdeu seu único e frágil elo com a beleza. Como uma mulher que perde suas bijuterias e não tem mais como se enfeitar. Mas as pequenas flores sempre voltam, vez e outra estão lá, como que tentando dar beleza ao feio lugar. Ninguém as percebe ninguém as nota, mas elas insistem em existir. Tenho a impressão de que as florzinhas da Praça da Bandeira estão sorrindo o tempo todo. Mas sorrindo para quem? Só pode ser para Deus, penso eu. Quem se preocuparia em colocá-las num lugar tão sem graça? Elas bem que poderiam estar nos canteiros bem tratados dos condomínios de luxo de Fortaleza, mas estão sempre nas praças esburacadas, nas calçadas, nos terrenos baldios.
Certa vez estava na fazenda de um amigo em Acopiara, sentada á margem de um pequeno açude, quando me chamou atenção um pequeno bichinho que tem o vulgar nome de Mané-mago. O bichinho parece-se com um graveto, pequeno, frágil, perdido no meio do mato, sem atrativo nenhum, mas de um andar tão elegante, tão harmonioso que me lembrou a leveza de um bailarino.
Deus tem suas manias. Em algumas de suas criações, percebe-se que Ele não está nem um pouquinho preocupado em mostrá-las ao homem, me escandalizo ao constatar que é para deleite dEle mesmo.
Nos evangelhos, Jesus fala da beleza do lírio dos vales e todas as vezes que leio esta passagem o imagino dizendo: “Olhai as florzinhas da Praça da Bandeira, não tecem nem fiam e mesmo Salomão em toda sua elegância jamais se vestiu como elas. Se Deus cuida de plantas que vêm e vão, imagine de vocês que são tão amados e que tem para Ele mais valor que as flores”.
É bom saber que Deus cuida de nós para Seu próprio deleite, sem importar se percebemos ou não. As florzinhas, os Mané-magos, nem lembramos que existem, mas Deus lembra que NÓS existimos e que, mesmo que não acreditemos, precisamos de Sua presença, de Sua atenção ás nossas pequenas necessidades materiais, ás nossas pequenas necessidades emocionais, afetivas. Dentro do mais feio e sem graça de nós, Deus quer plantar “pequenas flores” para nos enfeitar.
Jesus, segundo o profeta Isaías, não tinha nenhuma beleza, nenhum atrativo, nada que chamasse atenção, que agradasse, mas os profetas o chamaram de a “Rosa de Saron”, uma flor que dá em todo o Israel, que nasce em qualquer solo, independente das circunstâncias. Jesus é a flor que Deus enviou para enfeitar esse mundo tão feio, lugar de tantas lágrimas, onde acontece tanta coisa sem graça. A diferença é que desta vez não foi só para Seu deleite, mas para o NOSSO também, se assim quisermos, se não permitirmos que Jesus, como as florzinhas da Praça da Bandeira, fique esquecido e Seu grande amor passe despercebido por nós.