Monday, November 24, 2008

O Barulho e o Sapo










Passei um final de semana na pousada Vale dos Ventos, na Serra de Maranguape; um lugar muito bonito, com muito verde e cheinho de pássaros e pavões. Cheguei à noite, e depois de comer uma deliciosa salada de verduras, achei que cairia num sono profundo e que ouviria apenas o soprar do vento nas folhas das árvores, mas qual o quê. Quando deitei, banho tomado, corpo relaxado, barriga cheia, começou o barulho da “insetaria”, como chama a Adélia Prado (achei essa palavra fantástica). Era um barulho de entorpecer os tímpanos. Parecia um trânsito louco de insetos, uma farra dos pequenos seres, um som ensurdecedor. Eu pensei: “Meu Deus, deve ser entrada de Ano Novo ou Carnaval na mata!” Pois sim.

Bem cedinho da manhã, clareando o dia, os pássaros (centenas), galos e pavões não deixaram por menos, não quiseram ficar por baixo e haja cantoria. Adeus sono! Tinha um canto esquisito, estranho, apesar de bonito, que eu nunca havia ouvido na vida, um grito fino, muito fino, como se fosse o Tarzan gritando “gooooool”. De arrepiar. Pela madrugada, lá pelas tantas, quando meus ouvidos se adequaram ás vozes da insetaria, veio o barulho dos meus pensamentos na “calada” da noite. Eles faziam zoada igual aos insetos, ou pior, já que pensamentos trazem emoções que fazem barulho no coração e que doem nos tímpanos da alma.

Meditando esses sons, cheguei á conclusão que não existe silêncio nenhum nesse mundo, cada lugar tem o seu barulho.

Filosofando intimamente, levantei pra ir ao banheiro. Sonolenta, liguei a luz e sentei no sanitário. Dei uma olhadinha de lado, aquele olhar aleatório e, bem no cantinho da parede, debaixo do chuveiro, quieto e silencioso, estava um sapo, um cururu enoooorme. Cururu não precisa fazer barulho, né? O visual dele, em si já é uma orquestra assustadora. Bem, eu já estava sentada, fazendo meu xixizinho básico da madrugada, quando vi o dito cujo, com aqueles olhões me paquerando. Fiz um movimento brusco e ele se esquivou humildemente, se enfiando mais no canto da parede. Entendi que ele e eu estávamos com medo um do outro, então pensei que ele poderia vir pra cima de mim numa atitude de autodefesa; aí tratei de ter um diálogo: “Olha, colega, eu sei que você está com medo de mim e eu de você, portanto, vou sair bem devagar. Num se preocupa, não, viu? Sou do bem, amo os animais, essa invenção maravilhosa de Deus, principalmente os sapos!” Ele continuou me olhando e eu continuei sem coragem de levantar. De repente, o medo foi passando e o aspecto do sapo foi mudando aos meus olhos. Ele me pareceu tão frágil, tão indefeso e tão bonito que tive vontade de tocá-lo. Continuava quieto e acho que o meu aspecto também deve ter mudado aos seus olhos, deve ter me achado frágil, indefesa, até bonita e também deve ter tido vontade de me tocar. Perdeu o medo dos humanos e eu perdi o medo dos sapos.

Entre pessoas acontece o mesmo. Julgamos uns aos outros, elaboramos opiniões pré-conceituosas, reparamos nos “aspectos”, até o dia em que nos deixamos aproximar e descobrimos que aquela pessoa não é horrenda e nem feia como pensávamos; muito pelo contrário, descobrimos que é um ser humano frágil, muitas vezes indefeso e de uma beleza interior surpreendente.

Saí do banheiro na maior tranqüilidade, rindo para o meu mais novo amigo. Voltei pra cama feliz, certa de que agora conseguiria dormir, mas qual o quê. Quando estava fechando os olhos para adentrar no mundo dos sonhos, ouvi um grito estridente e apavorante. Era o grito de uma amiga que entrara no banheiro pra fazer o xixizinho básico e sagrado da madrugada, e que, sentada no sanitário, sonolenta, resolveu dar aquele olhar aleatório para o canto da parede. 

5 comments:

Iris Pequeno said...

Olá,Rô!muito pertinente a sua dissertação sobre pré julgamentos.Somos exatamente assim,e é por isso que, muito frequentemente,deixamos de conhecer pessoas fantásticas.
Quem dera existissem mais e mais pessoas com a sua sensibilidade e o seu natural e aguçadíssimo dom de observar as coisas mais simples e tirar preciosas lições de vida delas.
Que o bom Deus abençoe voce mais e mais,minha amiga!
P.S:Confesso que preciso "repensar" os sapos,pois ainda não consegui vencer o pensamento "preconceituoso" de que eles são meio...asquerosos!Morro de medo deles e das geladas rãs!Rs..
Prometo "tentar" pensar neles de forma diferente (vai ser difíííícil!!!!Rss).
Beijo!

Anonymous said...

Convem observar,ouvir,olhar mais vezes e por dierentes ângulos. Seria bom que fizéssemos isso antes de julgar ou rotular alguém.As surpresas podem acontecer e ser positivas ou negativas.É,se os sapos podem revelar beleza ao serem vistos sem reservas,também as pessoas dotadas de discursos bonitos na sua retórica habitual podem esconder fraudes.Observar atentamente e sem pressa:acho que esse é o caminho para um olhar mais lúcido sobre os outros.

Anonymous said...

Agora,quanto aos sapos,nada de buscar a sua essência.Eu mooorro de medo de qualquer anfíbio.Não vou "repensar os sapos" como nossa amiga Iris disse DE FORMA ALGUMA.
Sem chance!
rsrsrs

Raquel said...
This comment has been removed by the author.
said...

Maravilhoso!!!
A família Vale do Vento agradece!!!
Parabéns pelo dom de descrever tão perfeitamente tudo isso.
Que Deus te abençoe hoje e sempre...
Abraço.

Jeize Andrade.
(Informações /Reservas)
www.valedovento.com
32263465 / 88476678