Thursday, March 08, 2007

Gotas de Sofia...- "Homocausos"

Nesses dias, encontrei na Praça do Ferreira o meu amigo Alex, o gay mais antigo de Fortaleza. Com 77 anos, segundo ele, muito bem vividos, o Alex é uma “lenda viva” da terceira idade gay. De vez em quando o encontro nos bancos da praça e faço questão de papear e ouvir suas histórias.
Tem uma história sobre o Alex que ele morre negando, mas os amigos mais íntimos dizem ser absoluta verdade, um “causo” que se tornou lendário.
Nos anos setenta, o Secretário de Segurança Pública do Ceará foi o temido Coronel Assis Bezerra, famosíssimo por criar o COE - uma espécie de polícia dentro da polícia que dava aula de violência e abuso de poder a qualquer polícia do Brasil - e por ser homofóbico assumido. O temido coronel ODIAVA gay. Dizem que a ordem que ele dava aos seus policiai era que, no caso de um homossexual ser preso “primeiro mate, depois pergunte”.
A “bicharada” da cidade tinha verdadeiro pavor ao coronel, que deu ordens aos “seus garotos” do COE para fechar na base da violência (preferencialmente), qualquer estabelecimento que reunisse homossexuais.
Existia em Fortaleza uma barraca na Beira-Mar chamada “Barraca da Vozinha”, o primeiro reduto gay da cidade e que teve um fim quase trágico por mando do coronel. A polícia baixou por lá, espancou tudo que foi de bicha e arrebentou com a barraca, fazendo com que a Vozinha, uma senhora já idosa, proprietária da barraca, vendo tamanha violência, sofresse um AVC.
Pois bem, por causa da homofobia do secretário, o único reduto gay sumiu e a gueiarada passou a fazer festas em surdina, em lugares escondidíssimos. Como tava surgindo o Eusébio, um conglomerado de sítios que havia se tornado o must da cidade, as bichas mais abastadas resolveram realizar os famosos desfiles gays pelas bandas de lá e o Alex foi convocado para ser o apresentador oficial dos tais desfiles.
Conta-se que num desses, com direito a premiar o transformista mais criativo, o Alex, faltando poucos minutos para começar o evento, teve os óculos quebrados. Como vinha acompanhando a organização do evento, o Alex já sabia de antemão quem iria desfilar e o que iria apresentar. É que nosso herói era míope (como ainda o é) e teria que ler o nome das beldades que desfilariam.
O sítio estava lotado. O público se aglomerou ao redor de uma grande passarela onde os transformistas apresentariam suas fantasias. E o nosso querido Alex iniciou o desfile sempre olhando para a porta do camarim de onde saíam os participantes, para ver bem de perto a fantasia que iria ser mostrada.
- E agora com vocês, uma de Carmem Mirandaaaaaaa!!!
E lá veio a bicha cheia de bananas e abacaxis na cabeça, sambando e gesticulando como a famosa cantora, enquanto o sonoplasta (naquela época era sonoplasta, não DJ) colocava na “radiola” “O que é que a baiana tem?”, famoso sucesso de Dorival Caymmi, na voz de Carmem Miranda. Os aplausos estouravam com gritinhos nervosos de “arrasou”, “fechou” e por aí vai.
- E agora, uma de Marilyn Monroeeeeeee!!!! – A galera veio abaixo. Surgiu uma loura estonteante, onde se jurava ser a ressurreição da própria Marilyn.
- E agora mais uma de... Cleópatraaaaaaaa!!!! – E outra vez a galera vinha abaixo.
O Alex vestia um longo preto, todo bordado de lantejoulas (trabalho executado pelo mesmo durante seis meses); calçava sandálias de saltos altíssimos, usava uma peruca de cabelos longos e pretos, e havia caprichado na maquiagem. Pois é... De repente fez-se suspense. Espremendo os olhos para enxergar melhor, nosso apresentador, conhecido como Naynon Morelly, olhou para a porta do camarim que ficava do lado do palco e anunciou:
- E agora com vocês... Uma de guardaaaaa... E mais outra de guardaaaaaaa... E mais outra... E outra... É muita bicha de guarda, gente.... SOCORRO!!!!!... É A POLÍCIAAAAAAA!!!!!
Não deu tempo o pobre Alex correr. Foi agarrado por dois truculentos policiais, enquanto uma confusão de travestis e transformistas apavorados, corria deixando perucas e saltos para traz. O importante era salvar a pele.
Nota de Sofia: Essa figura aí é Alex, o protagonista da crônica.

1 comment:

Victor Ramos said...

Nossa!
Uma história tão engraçada quanto angustiante...
Qdo os guardas começaram a surgir no palco jurei q Alex iria dizer, ou melhor, cantar: It's raining man, aleluia...
kkkkkkkkkkkkkkkk