Tuesday, July 13, 2010

De deus á Bichinho de Estimação


A passagem de Mateus 15:21-28 nos conta o momento mais importante da vida da mulher mais atrevida do Novo Testamento. Diz o texto que ela era cananéia, ou seja, era descendente dos cananeus e ainda por cima era mulher. Em Israel, mulher já não era grande coisa, imagine mulher pagã...Ela e lixo eram a mesma coisa, não tinham valor nenhum. Podemos dizer (usando a linguagem nordestina) que aquela mulher era metida, enxerida, cara-de-pau, atrevida.

Baseados em interpretações intimistas do Velho Testamento, os israelitas acreditavam que O Messias viria para salvar somente o povo de Israel, não o povinho pagão. Naqueles tempos, a visão que os israelitas tinham de superioridade não é a que temos hoje. Para eles, povo superior não era povo rico, poderoso, culto, valente, cheio de grana e armas, mas sim, povo escolhido e protegido pelo Único Deus existente, e esse povo eram eles. Por mais poder que os romanos ou qualquer outro povo tivesse, para eles não passavam de gentinha ignorante, não importava a cultura que tivessem. E veja só, a tal mulher era descendente desses povos pagãos que circunvizinhavam Israel.

Ela soube que Jesus estava pelas redondezas, o que era absolutamente inesperado. O último homem de Deus a colocar o pé em Sidon, a terra da rainha Jezabel, foi Elias, quando multiplicou a farinha e o azeite da viúva de Sarepta, e agora, 800 anos depois, Jesus estava lá. Fazendo o quê? Afinal, lá só tinha cananeus, sidonitas, assírios, só gente com a qual Jesus não podia se misturar.

Ela viu que aquela era a oportunidade, talvez a única oportunidade para por um fim no grande e irresolvível sofrimento pelo qual passava: sua filha estava MISERAVELMENTE endemoninhada.

A palavra endemoninhada em si já é terrível. Estar endemoninhado é tornar-se “ninho de demônios”; agora imagine um ser humano estar MISERAVELMENTE endemoninhado. Podemos imaginar as coisas terríveis que deviam estar acontecendo dentro da casa da pobre mulher. Era grande o seu desespero. Tenho certeza que a pobre cananéia já devia ter tentado de tudo, sem nada conseguir.

O profeta Elias, quando esteve em Sidon 800 anos antes de Jesus, encontrou uma mulher viúva morrendo de fome com seu único filho, e ele, a mandado de Deus, salvou a vida daquela mulher, morou com aquela mulher, protegeu aquela mulher. Elias era um cara rude, grosseiro, muitas vezes sem educação, radical, implacável; Elias era adepto da frase “para os amigos, tudo; para os inimigos, a lei”; ele num alisava, não. Deus mandou Elias ir até lá salvar a viúva e ele foi, tinha que ir, senão morria de fome e sede. O profeta rude e espiritualmente arrogante aceitou conviver com uma mulher idólatra, pagã e conterrânea da rainha Jezabel, o “calo” do seu sapato, o motivo de cada cabelo branco seu. Mas ele foi e humildemente tratou a viúva com carinho, também pudera, depois de ser alimentado por um pássaro impuro com carne e pão, morar com uma mulher pagã era fichinha. O profeta bateu na porta da mulher e o problema foi resolvido.

Mas a situação 800 anos depois era diferente. Jesus era conhecido em todo o Israel pela sua misericórdia, pela cordialidade com que tratava as pessoas, pela Sua humildade, pelo carinho e respeito com que tratava as mulheres, e de repente, uma mãe aflitíssima, desesperada, angustiada ao extremo, desesperadamente precisando da Sua ajuda, corre ao seu encontro e implora a Ele que cure sua filha que está MISERAVELMENTE endemoninhada. E a reação de Jesus dá um susto tremendo em quem está lendo a passagem pela primeira vez. Entendemos de imediato que Jesus humilha a mulher cananéia, dizendo não ser justo tirar o pão da boca dos filhos e dar aos cachorros. Que horror! Será que Mateus não se enganou? Será que foi assim mesmo? Este é Jesus?

Naqueles tempos, o cachorro era um animal sagrado para os sírios, egípcios e muitos outros povos da época, assim como o rato, hoje em dia, é um animal sagrado para os indianos. Os indianos deixam de dar leite ás crianças para dar aos ratos; os povos pagãos que eram vizinhos de Israel faziam o mesmo, deixavam de alimentar os filhos para alimentarem os cães, pois viam nos cães a presença do seu deus. Baal, a divindade fenícia, tinha cabeça de cachorro. Não foi á toa que Deus fez com que os cachorros comessem o corpo da rainha Jezabel, a rainha que adorava o deus com cabeça de cachorro e perseguia os profetas do Senhor. Simbolicamente ela foi devorada pelo seu próprio deus.

Ao dizer a frase, Jesus faz com que aquela mulher perceba de onde vem o sofrimento da sua filha e o seu. O sofrimento humano geralmente é resultado das várias formas de idolatria. O mercado idolátrico é criativo, abundante, mas astutamente sutil. Existe idolatria de todas as formas, pra todos os gostos, cheiros, sabores, e em minha opinião, o grande interessado em idolatria é marketeiro astuto, pois vende um produto dizendo que ele não existe. Você já viu isso em algum lugar? Ninguém assume ou percebe que é idólatra.

Jesus constrói uma metáfora com o próprio costume do povo a qual mulher pertencia e ela entende de imediato, quem não entende somos nós, interpretamos que Jesus a humilhou. Inteligentemente, ela compreende que não estava diante de um curandeiro, de mais um profeta israelita, mas sim, diante do Filho do Deus Verdadeiro, O Único que tinha autoridade sobre os demônios, sobre o mal, sobre o sofrimento. Ali, naquele momento, ela corta todo o vínculo com sua cultura, sua religião e se entrega a Pessoa de Jesus.

Ela mesma coloca a figura do cachorro no seu devido lugar, quando afirma a Jesus que os cachorros comem das migalhas que caem da mesa de seus senhores. O cachorro não é mais a divindade, a partir daquele dia, ele será apenas um bichinho de estimação, porém, o seu Deus será Jesus Cristo. Ela poderia ter dado mil desculpas a Jesus, mas ela concorda com Ele e se humilha, dizendo que apenas uma só migalha vinda Dele seria o suficiente para resolver todo o seu problema.

Entendemos então que Jesus foi até Sidon somente para conquistar aquela mulher para Deus; para quebrar seus paradigmas religiosos. Elias multiplicou a farinha e o azeite da viúva; Jesus deu aquela mulher a Vida Eterna. Comparo a mulher cananéia com muita gente que necessita aproximar-se de Deus e quebrar paradigmas, porém, as denominações evangélicas dizem que essas pessoas não são dignas de adorar ao Senhor Jesus. Os discípulos que ouviam o clamor da pobre cananéia acharam muita pretensão daquela criatura querer falar com O Mestre e pedem que Ele não dê atenção, mas a história dá uma guinada inesperada. A cultura israelita, as interpretações intimistas descem pelo ralo e Jesus salva a pobre mãe aflita e ainda cura sua filha. Jesus tem estado em lugares onde ninguém poderia imaginar que Ele pudesse estar. O Senhor tem apriscos que só aqueles que enxergam com os olhos espirituais podem ver.

Rosane de Castro,

Julho/2010

3 comments:

George Facundo said...

Rô, adorei a contextualização histórica e cultural que vc deu em torno desta passagem. Muiti rico e esclarecedor. Até pq quando eu leio essa passagem eu pensava da forma que vc colocou: "nossa... como jesus foi insensível!"

muito massa rô!

:-)

Priscila Lopes said...

Pra variar mais dez anos d econhecimento acrescentados em cinco minutos rsrrsrs.
Sempre me sinto assim quando converso contigo ou leio algum texto seu. Que Deus continue a te abençoar e te usar pra esclarecer a muitos sobre os tesouros escondidos na Palavra!!!!

Anonymous said...

Grande parte das pessoas não lêem a Bíblia pq não entendem o que ali está escrito. Vc tem o talento de explicar as Escrituras de uma forma deliciosa e empolgante. Foi vc que DEUS usou para me fazer ler a Palavra. Tua forma de falar das diversas histórias bíblicas faz com que qualquer pessoa se apaixone por este livro sagrado.
Escreva mais! Divulgue mais! Leve mais a sério esse talento que O SENHOR te deu.
BEIJO. TE AMO.
Neuma