Saturday, March 31, 2007

Gotas de Lágrimas com Ana Beatriz


São as lágrimas que dão à terra o sorriso florido.
A terra, insultada, vinga-se dando-nos flores.
(Rabindranath Tagore)
Nota de Sofia: Olha que coisa mais linda a chorar. É Ana Beatriz. Parece que num gostou muito de estar nos meus braços, não... (rrss)

Gotas de Sofia com Carlos Drummond de Andrade - Beija-Flor


O beijo é flor no canteiro
ou desejo na boca ?
Tanto beijo nascendo e colhido
na calma do jardim
nenhum beijo beijado
(como beijar o beijo ?)
na boca das meninas
e é lá que eles estão
suspensos
invisíveis

Gotas de Sofia com Carlos Drummond de Andrade - Os Homens, As Viagens


O homem, bicho da Terra tão pequeno
chateia-se na Terra
lugar de muita miséria e pouca diversão,
faz um foguete, uma cápsula, um módulo
toca para a Lua
desce cauteloso na Lua
pisa na Lua
planta bandeirola na Lua
experimenta a Lua
coloniza a Lua
civiliza a Lua
humaniza a Lua.
Lua humanizada: tão igual à Terra.
O homem chateia-se na Lua.
Vamos para Marte – ordena á suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em Marte
pisa em Marte
experimenta
coloniza
civiliza
humaniza Marte com engenho e arte.
Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro – diz o engenho
sofisticado e dócil.
Vamos a Vênus.
O homem põe o pé em Vênus,
vê o visto – é isto?
idem
idem
idem.
O homem funde a cuca se não for a Júpiter
proclamar justiça junto com a injustiça
repetir a fossa
repetir o inquieto
repetitório.
Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira Terra-a-terra.
O homem chega ao Sol e dá uma volta
só pra te ver?
Não-vê que ele inventa
roupa insiderável de viver no Sol.
Põe o pé e: mas que chato é o Sol,
falso touro espanhol domado.
Restam outros sistemas fora do solar a col-onizar.
Ao acabarem todos
só resta ao homem
(estará equipado?)
a dificílima dangerosíssima viagem
de si a si mesmo: pôr o pé no chão
do seu coração
experimentar
colonizar
civilizar
humanizar o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria de con-viver.

Friday, March 30, 2007

Gotas de Sofia com Walt Whitman

Alguém pedindo para ver a alma?
Veja sua própria forma e seu semblante,
Pessoas, bichos, plantas,
Os rios de águas correntes,
As pedras e as areias,
Tudo retém os júbilos do espírito
E os libera a seguir...
Quero fazer poemas das coisas materiais
Pois imagino que esses hão de ser
Os poemas de mais espiritualidade,
E farei poemas do meu corpo e do que há de mortal,
Pois acredito que eles me trarão os poemas
Da alma e da imortalidade.

Wednesday, March 21, 2007

Gotas de Sofia com Chico Buarque - Amando Sobre os Jornais


Amando noites afora
Fazendo a cama sobre os jornais
Um pouco jogado fora
Um pouco sábios demais
Esparramados no mundo
Molhamos o mundo com delícias
As nossas peles retintas
De notícias

Amando noites a fio
Tramando coisas sobre os jornais
Fazendo entornar um rio
E arder os canaviais
Das páginas flageladas
Sorrimos, mãos dadas e, inocentes
Lavamos os nossos sexos
Nas enchentes

Amando noites a fundo
Tendo jornais como cobertor
Podendo abalar o mundo
No embalo do nosso amor
No ardor de tantos abraços
Caíram palácios
Ruiu um império
Os nossos olhos vidrados
De mistério

Gotas de Sofia com Adélia Prado - Anímico


Nasceu no meu jardim um pé de mato
que dá flor amarela.
Toda manhã vou lá pra escutar a zoeira
da insetaria na festa.
Tem zoado de todo jeito:
tem do grosso, tem do fino, de aprendiz e de mestre.
É pata, é asa, é boca, é bico,
é grão de poeira e pólen na fogueira do sol.
Parece que a arvorinha conversa.
Nota de Sofia: O que amo na Adélia Prado é sua "adega" de palavras. "Insetaria". Que palavra linda! E "arvorinha"? Mais carinhoso, impossível. Ler Adélia é como beber um bom vinho.

Sunday, March 18, 2007

Gotas de Sofia com Emily Dickinson

Alguns guardam o Domingo indo à igreja
Eu o guardo ficando em casa
Tendo um sabiá como cantor
E um pomar por santuário.
Alguns guardam o Domingo em vestes brancas
Mas eu só uso minhas asas
E ao invés do repicar dos sinos na igreja
Nosso pássaro canta na palmeira.
É Deus que está pregando, pregador admirável.
E o Seu sermão é sempre curto.
Assim, ao invés de chegar ao céu, só no final,
Eu o encontro o tempo todo em meu quintal.
Nota de Sofia: Homenagem às minhas manas Neuma e Neide pelas agradáveis noites de sexta-feira. O cheiro e a presença do Amor paira no ar.

Saturday, March 10, 2007

Dicas de Sofia




Saiu pela José Olympio Editora, “Cartas Apaixonadas de Frida Kahlo”; uma compilação de cartas da pintora, organizada por Martha Zamora.
Nas cartas, Frida deixa clara a ambigüidade de sua personalidade. O leitor, extasiado, descobrirá uma Frida Kahlo frágil e forte; emocional e racional; feminista e submissa.
Como nunca imaginou que suas cartas seriam, um dia, publicadas, a artista mexicana despe-se sem reservas para amigos, amantes e familiares. Imperdível!

Gotas de Sofia com Adélia Prado - O Desbunde

Tinha, como direi, eu, que sou uma senhora a seu modo pacata e até pudica, uma, ou melhor, um derrière esplendido. Não é preciso ser homem pra essas avaliações. Firme em definidos e perfeitos contornos, rebelde ao disfarce das saias e anáguas daquele tempo, inscrevia-se na cara de sua dona, que, movendo os olhos como as ancas, subia a rua em falsa pudicícia, apregoando-se: tenho. Os homens ficavam loucos. Eu era mocinha boba e escutei no armazém do Calixto ele dizer pro Teodoro, meu futuro marido, naquele tempo preocupado em fazer bodoques de goma: eh, ferro! O Vicente não vai dar conta daquela ali, não. É preciso muita saúde. Calixto falava com o Teodoro do que eu suspeitava serem os tesouros da Oldalisa e ela nem aí, toda, sobe e desce rua. Exatamente o que era me escapava, só podia ser coisa de homem e mulher. Felicitei-me por estar viva e participar de segredos tão excitantes. O Vicente era muito magrinho, não jogava bola, não nadava, "não salientava em nada", o Vicente
Cisquim. Pois foi dele que a Raimunda — como o Calixto a chamou naquele dia — gostou. Casaram e tiveram pencas de filhos. O Calixto ficou chupando o dedo. Ser bonitão e dono de armazém não contou ponto pra ele. Pois é, falou o Teodoro, hoje, assim que botou o pé em casa: O que é a tecnologia, hein? Tecnologia? É o avanço da medicina. Teodoro falava era do avanço do tempo. Tou aqui matutando, disse ele, porque a Oldalisa escolheu o Vicente, não tem base. Tô vendo aquela dona pegando as compras no caixa e... Plim! Era ela, a velha senhora. A Oldalisa do Vicente? É. O Vicente estava junto? Não. Estava com duas alianças e um menino, neto dela com certeza. Será que o Vicente morreu da praga do Calixto? Acho que não, porque eu procurei o traseiro da Oldalisa e nada da olda, só mesmo a lisa, magra e murcha. Ter encontrado a Oldalisa expropriada de seu dote mais tentador deixou Teodoro bem filosofante sobre as agruras do corpo. Teria ele também sido um apaixonado da Oldalisa e eu corrido sérios riscos? Porque amor não olha idade, não é mesmo? Agora, daquela do escritório eu não tive medo não, por causa de meus outros poderes, tive inveja. A uma cintura de vespa seguia-se, instruída e fatal, o que a Oldalisa trazia com inocência. Batia à máquina, agarradinha no Teodoro, de saia justa e batom cor de sangue. O apelido dela na firma era Corrosiva, e foi Teodoro quem pôs. Se chamava Rosiva, a perigosa. Imagina o risco que eu corri.
Nota de Sofia: A fotografia acima é de uma escultura de Rodin, "A Jovem Cortesâ".

Gotas de Sofia - "Homocausos" 2

A Praça do Ferreira tava uma ferveção só, de tanta gente. Era um final de tarde de sexta-feira, haveria um show da Leci Brandão, o céu tava um pouco nublado e sem contar que, sendo véspera de sábado, a adrenalina sobe.
Procurei em vão o lugar menos movimentado para ler um pouco e não encontrando, resolvi ceder ao movimento da praça.
Havia uma pequena feira de roupas, enfeites, bolsas, comidas; barracas com corte de cabelo grátis formando filas intermináveis; exposição de fotografias; grupos de terceira idade que chegavam em ônibus particulares e bandos de rockeiros, que, não se sabe porquê, aportaram por aquelas bandas. Sem falar na multidão de homens e mulheres que faziam ginástica ao som de música eletrônica; camelôs, engraxates e o já tão conhecido grupo de aposentados da Praça do Ferreira, com seus semblantes assustados e incomodados pela invasão. A praça parecia que ia explodir.
Já que não iria conseguir ler mesmo, resolvi sentar no lado da praça onde fica o “banco das bichas”. É que a Praça do Ferreira é demarcada, loteada por grupos. Tem o lado dos aposentados, o lado dos pregadores da Bíblia, o lado das bichas e o lado dos “passantes”; gente que simplesmente está só de passagem. Há, democraticamente, banco para todos.
Como o “banco dos gays” (como é conhecido), ironicamente estava longe do “furdunço” e é MUITO mais divertido, sentei perto de um “grupito” que conversava animadamente. Faziam especulação sobre o valor do cachê da sambista Leci Brandão. O “escândalo dos cachês” da Prefeitura de Fortaleza era o assunto mais quente desses dias.
Abri meu livro e fingi ler, mas eu tava mesmo era muito a fim de ouvir a conversa, pois senti que dali poderia sair alguma coisa de interessante. Posso garantir que meu faro foi certeiro.
Chegou um senhor, que notei ser uma “bicha experiente”, que é como eles chamam as de avançada idade, chamado Vidigal e na roda tinha um outro, apelidado de Quartinha, devido ser baixinho e gordinho. O Vidigal ao chegar entrou na conversa e disse:
- Por falar em dinheiro, eu estou com uma pequena empresa especializada em festa para criança. Se vocês souberem de alguém que queira fazer aniversário de criança, é só ligar pra mim! Eu agora sou EMPRESÁRIA, não tenho mais tempo pra ficar vagabundeando na Praça do Ferreira! – disse debochando do grupo.
Bem, antes de contar o final desse diálogo, gostaria de descrever o rosto do Sr. Vidigal. Literalmente parecido com o Fofão, aquele personagem da TV, com cara de leão, monstro, sei lá, que até hoje não se sabe por que fez tanto sucesso entre a criançada. O Vidigal tem umas bochechas enooooormes, um narigão de matar de inveja o Pinóchio e ainda por cima, o pouco de cabelo que havia na sua ainda-não-assumida-careca, era vermelho. Vocês podem imaginar, né?
Então a Quartinha, que do grupo era o mais falante, disparou:
- Quanto tu cobra pra ASSOMBRAR um bando de criança lá no Conjunto Ceará?
O Vidigal “queimou ruim”, o grupo caiu na gargalhada e eu mordi minha língua pra não rir junto. O festeiro infantil “inchou” de raiva, deu uma olhada na minha direção e eu continuei séria, num esforço sobrenatural, fingindo ler meu livro.
- Vai te lascar, bicha cangalha, cafuçú horrorosa, dispeitada...! – perdeu a compostura o pobre do Vidigal.

E saiu afetadíssima.

Nota de Sofia: A foto acima é a Praça do Ferreira, em tardes de calmaria.

Gotas de Sofia com Frida Kahlo - Lembrança

Eu sorrira. Nada mais. De repente, porém, eu soube
na profundeza do meu silêncio
que ele me seguia. Como minha sombra, leve e sem culpa.
Na noite uma canção soluçou...
Os índios se estendiam, como serpentes, pelas vielas da cidade.
Uma harpa e uma jarana eram a música, e as morenas sorridentes
eram a felicidade.
Ao fundo, atrás do "Zócalo", o rio cintilava
e escurecia, como
os momentos de minha vida.
Ele me seguia.
Acabei chorando, isolada no pórtico da igreja paroquial,
protegida por meu xale de bolita, encharcado por minhas lágrimas.

Thursday, March 08, 2007

Gotas de Sofia...- "Homocausos"

Nesses dias, encontrei na Praça do Ferreira o meu amigo Alex, o gay mais antigo de Fortaleza. Com 77 anos, segundo ele, muito bem vividos, o Alex é uma “lenda viva” da terceira idade gay. De vez em quando o encontro nos bancos da praça e faço questão de papear e ouvir suas histórias.
Tem uma história sobre o Alex que ele morre negando, mas os amigos mais íntimos dizem ser absoluta verdade, um “causo” que se tornou lendário.
Nos anos setenta, o Secretário de Segurança Pública do Ceará foi o temido Coronel Assis Bezerra, famosíssimo por criar o COE - uma espécie de polícia dentro da polícia que dava aula de violência e abuso de poder a qualquer polícia do Brasil - e por ser homofóbico assumido. O temido coronel ODIAVA gay. Dizem que a ordem que ele dava aos seus policiai era que, no caso de um homossexual ser preso “primeiro mate, depois pergunte”.
A “bicharada” da cidade tinha verdadeiro pavor ao coronel, que deu ordens aos “seus garotos” do COE para fechar na base da violência (preferencialmente), qualquer estabelecimento que reunisse homossexuais.
Existia em Fortaleza uma barraca na Beira-Mar chamada “Barraca da Vozinha”, o primeiro reduto gay da cidade e que teve um fim quase trágico por mando do coronel. A polícia baixou por lá, espancou tudo que foi de bicha e arrebentou com a barraca, fazendo com que a Vozinha, uma senhora já idosa, proprietária da barraca, vendo tamanha violência, sofresse um AVC.
Pois bem, por causa da homofobia do secretário, o único reduto gay sumiu e a gueiarada passou a fazer festas em surdina, em lugares escondidíssimos. Como tava surgindo o Eusébio, um conglomerado de sítios que havia se tornado o must da cidade, as bichas mais abastadas resolveram realizar os famosos desfiles gays pelas bandas de lá e o Alex foi convocado para ser o apresentador oficial dos tais desfiles.
Conta-se que num desses, com direito a premiar o transformista mais criativo, o Alex, faltando poucos minutos para começar o evento, teve os óculos quebrados. Como vinha acompanhando a organização do evento, o Alex já sabia de antemão quem iria desfilar e o que iria apresentar. É que nosso herói era míope (como ainda o é) e teria que ler o nome das beldades que desfilariam.
O sítio estava lotado. O público se aglomerou ao redor de uma grande passarela onde os transformistas apresentariam suas fantasias. E o nosso querido Alex iniciou o desfile sempre olhando para a porta do camarim de onde saíam os participantes, para ver bem de perto a fantasia que iria ser mostrada.
- E agora com vocês, uma de Carmem Mirandaaaaaaa!!!
E lá veio a bicha cheia de bananas e abacaxis na cabeça, sambando e gesticulando como a famosa cantora, enquanto o sonoplasta (naquela época era sonoplasta, não DJ) colocava na “radiola” “O que é que a baiana tem?”, famoso sucesso de Dorival Caymmi, na voz de Carmem Miranda. Os aplausos estouravam com gritinhos nervosos de “arrasou”, “fechou” e por aí vai.
- E agora, uma de Marilyn Monroeeeeeee!!!! – A galera veio abaixo. Surgiu uma loura estonteante, onde se jurava ser a ressurreição da própria Marilyn.
- E agora mais uma de... Cleópatraaaaaaaa!!!! – E outra vez a galera vinha abaixo.
O Alex vestia um longo preto, todo bordado de lantejoulas (trabalho executado pelo mesmo durante seis meses); calçava sandálias de saltos altíssimos, usava uma peruca de cabelos longos e pretos, e havia caprichado na maquiagem. Pois é... De repente fez-se suspense. Espremendo os olhos para enxergar melhor, nosso apresentador, conhecido como Naynon Morelly, olhou para a porta do camarim que ficava do lado do palco e anunciou:
- E agora com vocês... Uma de guardaaaaa... E mais outra de guardaaaaaaa... E mais outra... E outra... É muita bicha de guarda, gente.... SOCORRO!!!!!... É A POLÍCIAAAAAAA!!!!!
Não deu tempo o pobre Alex correr. Foi agarrado por dois truculentos policiais, enquanto uma confusão de travestis e transformistas apavorados, corria deixando perucas e saltos para traz. O importante era salvar a pele.
Nota de Sofia: Essa figura aí é Alex, o protagonista da crônica.

Sunday, March 04, 2007

Certa vez fiquei na Internet até três horas da madrugada, tendo que levantar bem cedo para ir ao médico e depois para o trabalho. Acordei tarde. Tinha que estar no médico ás 08h e acordei 08h45min. Fiquei revoltada comigo mesma. O estranho é que tive a impressão que passei menos de uma hora na net; quando olhei para o relógio não acreditei: naveguei cinco horas e meia. Incrível! Como a net nos engole, consome nosso tempo sem que percebamos.
Fui ao quarto de minha mãe, abri a porta bem devagar. Ela dormia como um bebê. Meu coração apertou. Mamãe tem 78 anos, eu poderia ficar mais tempo com ela. Chego tarde em casa, sempre tenho algo para fazer após sair do trabalho e o pouco tempo que fico em casa tenho estado na Internet.
Téozinho, um garoto que trabalha comigo, falou que a net é um “empata relacionamento”. É verdade. A net destrói não só relacionamentos com o outro, mas conosco mesmo e com Deus; a net é um “Don Juan virtual”, um templo de adoração a um deus que finge nos dar amigos. Passa a falsa impressão que estamos nos relacionando, quando na verdade, estamos cada vez mais longe um do outro.
No dia seguinte jantei na casa de uma amiga que não a via há dias. Quando a abracei e senti sua alegria por ver-me, percebi quão artificiais são os relacionamentos via computador. O cheiro do arroz, do molho da carne, as risadas na mesa, a alegria de estar junto, o “olho no olho” , são coisas que NUNCA poderão ser substituídas pela Internet.
Não tenho nada contra a tecnologia, muito pelo contrário, facilita a vida, mas não a preenche, não a enfeita, não a completa.
Além de tudo, descobri muitas falhas na net. Encontrei, por exemplo, um texto do Machado de Assis como sendo do Eça de Queiroz, uma biografia do Presidente Lula afirmando ser ele paulista e uma crônica do Arnaldo Jabor como sendo da Martha Medeiros.
A Bíblia diz que não devemos entregar nossa força a estranhos. Tempo é força. A Internet deve ser tratada como uma empresa que nos presta serviço e não como um deus. Ela foi feita para nós, para nos servir, não ao contrário.
Para o caríssimo internauta a frase pode parecer boba, mas a achei verdadeira, apesar de meio infantil. Alguém proseando num banco da Praça do Ferreira – aliás, coisa gostosíssima de se fazer - comentando sobre este assunto, falou, fazendo trocadilhos com palavras: “Prefiro tomar um yogurte com um amigo apenas, contemplando seu rosto, do que ficar no Orkut com mil”.

Saturday, March 03, 2007

Gotas de Sofia com Luis MacNeice - Prece Antes de Nascer

Eu ainda não nasci; vê se me ouve.
Não deixe que o morcego morfético, nem o arminho,
o rato ou o vampiro manco cheguem perto de mim.
Eu ainda não nasci; me console.
Temo que a raça humana me ilhe em altas muralhas,
me abobe com drogas brabas, me tente com mentiras sabidas,
me arreie em paus de tortura, me jogue em banho de sangue.
Eu ainda não nasci; vê se me arranja
água que afague, mato que cresça para mim,
árvores que conversem comigo, céus que solfejem, passarinhos,
e uma clara luz que dentro da cabeça me guie.
Eu ainda não nasci; vê se perdoa
os pecados que em mim o mundo vai cometer, minha palavras
quando me discorrerem, meus pensamentos quando pensarem,
minha traição engendrada por traidores que estão além de mim,
minha vida tão logo eles matarem por minhas mãos e minha morte assim que me viverem.
Eu ainda não nasci; vê se me ensaia
nos papéis que eu tenho que representar e nas deixas
quando coroas me educarem, burocratas me urrarem,
montanhas me fecharem a cara, amantes rirem de mim,
a onda branca me intimar à loucura e o deserto intimar à perdição;
quando o mendigo recusar a esmola que eu der e os filhos me amaldiçoarem.
Eu ainda não nasci; vê se me ouve.
Não deixe que o homem que é uma fera ou que pensa que é deus
chegar perto de mim.
Eu ainda não nasci; vê se me enche
de força contra quem quiser congelar
minha humanidade, me reduzir a um letal autômato,
fazer de mim um dente da engrenagem,
uma coisa com uma cara, embora coisa,
e contra todos os que quiserem dissipar minha integridade
ou me soprar como penugem pra lá e pra cá ou pra cá e pra lá,
como água que retida na mão derramaria.
Não deixem me fazerem de pedra,
Nem deixe que eles me derramem,
Senão é melhor me matar.