Wednesday, November 26, 2008

Talentos Desperdiçados

Acabei de ler na Bíblia a parábola onde Jesus nos adverte a não enterrarmos os talentos que Deus nos deu. Na parábola, o homem que escondeu na terra seu talento se deu mal diante do seu senhor, enquanto o que duplicou o seu, ganhou novas habilidades.

Existe aqui em Fortaleza um grupo de pessoas que visita, uma vez por mês, lugares muito pobres no interior do estado. Levam comida, roupas, remédios e Jesus.

Vi algumas fotos do trabalho desse grupo e fiquei horrorizada com tanta miséria. Fiquei sabendo que a maioria das crianças que vivem em lugares ermos do interior, se alimenta de mingau de farinha para enganar a fome. Vi fotos de crianças mais que subnutridas, verdadeiros esqueletos ambulantes. Nem sei por que ainda vivem e tão pouco tenho coragem de dizer que é pela misericórdia de Deus, pois para viver desta maneira seria melhor mesmo nem ter nascido.

Criança que vive com fome não tem condição de desenvolver talento nenhum. Não tem talento nem para enterrar, imagine para duplicar. Fico imaginando quantos médicos, arquitetos, engenheiros, escritores, artistas plásticos, etc., se perdem devido à subnutrição, à falta de oportunidade tirada dessas crianças que poderiam desenvolver seus talentos e duplicá-los em prol de suas comunidades. Quantas habilidades são enterradas no sertão do Nordeste devido à ganância de poucos. Quanta inteligência desperdiçada.

Pergunto-me se os talentos a que Jesus se refere são talentos meramente humanos e chego à conclusão que não. Jesus refere-se a talentos espirituais e um deles é o de melhorar a vida desses pequeninos. As pessoas que formam esse grupo, por exemplo, receberam o talento de ajudar pessoas desafortunadas, que vivem famintas não só de comida (pois nem só de pão vive o homem), mas também de saber que existe alguém que se importa. Imagine o bálsamo que é para o coração e para o estômago dessas crianças quando grupos como esse se faz presente. Não tenho filhos, portanto sou desprovida de autoridade e experiência para falar sobre a dor de uma mãe ao ver seu pequeno chorar de fome e não ter nada para oferecer, mas posso imaginar o inferno que deve ser.

Talento Espiritual difere do talento humano. O talento espiritual existe para que o talento humano seja desenvolvido. O humano é para nosso bel prazer, um dia passa; o espiritual sempre envolve a vida de alguém e é justamente dele que vamos prestar conta um dia, porque todos nós nascemos com algum. Se não desenvolvermos os talentos espirituais que Deus nos deu e só pensarmos em desenvolvermos o humano, o resultado será sempre crianças com fome, miséria e doenças.

“Venha a nós o Vosso reino”, assim orou Jesus ao Pai. Não o imitamos. A nossa indiferença é uma oração silenciosa que pede: “Venha a mim o MEU reino, seja feita a MINHA vontade...”. E haja mingau de farinha.
Que Deus tenha misericórdia de nós!    

Monday, November 24, 2008

O Barulho e o Sapo










Passei um final de semana na pousada Vale dos Ventos, na Serra de Maranguape; um lugar muito bonito, com muito verde e cheinho de pássaros e pavões. Cheguei à noite, e depois de comer uma deliciosa salada de verduras, achei que cairia num sono profundo e que ouviria apenas o soprar do vento nas folhas das árvores, mas qual o quê. Quando deitei, banho tomado, corpo relaxado, barriga cheia, começou o barulho da “insetaria”, como chama a Adélia Prado (achei essa palavra fantástica). Era um barulho de entorpecer os tímpanos. Parecia um trânsito louco de insetos, uma farra dos pequenos seres, um som ensurdecedor. Eu pensei: “Meu Deus, deve ser entrada de Ano Novo ou Carnaval na mata!” Pois sim.

Bem cedinho da manhã, clareando o dia, os pássaros (centenas), galos e pavões não deixaram por menos, não quiseram ficar por baixo e haja cantoria. Adeus sono! Tinha um canto esquisito, estranho, apesar de bonito, que eu nunca havia ouvido na vida, um grito fino, muito fino, como se fosse o Tarzan gritando “gooooool”. De arrepiar. Pela madrugada, lá pelas tantas, quando meus ouvidos se adequaram ás vozes da insetaria, veio o barulho dos meus pensamentos na “calada” da noite. Eles faziam zoada igual aos insetos, ou pior, já que pensamentos trazem emoções que fazem barulho no coração e que doem nos tímpanos da alma.

Meditando esses sons, cheguei á conclusão que não existe silêncio nenhum nesse mundo, cada lugar tem o seu barulho.

Filosofando intimamente, levantei pra ir ao banheiro. Sonolenta, liguei a luz e sentei no sanitário. Dei uma olhadinha de lado, aquele olhar aleatório e, bem no cantinho da parede, debaixo do chuveiro, quieto e silencioso, estava um sapo, um cururu enoooorme. Cururu não precisa fazer barulho, né? O visual dele, em si já é uma orquestra assustadora. Bem, eu já estava sentada, fazendo meu xixizinho básico da madrugada, quando vi o dito cujo, com aqueles olhões me paquerando. Fiz um movimento brusco e ele se esquivou humildemente, se enfiando mais no canto da parede. Entendi que ele e eu estávamos com medo um do outro, então pensei que ele poderia vir pra cima de mim numa atitude de autodefesa; aí tratei de ter um diálogo: “Olha, colega, eu sei que você está com medo de mim e eu de você, portanto, vou sair bem devagar. Num se preocupa, não, viu? Sou do bem, amo os animais, essa invenção maravilhosa de Deus, principalmente os sapos!” Ele continuou me olhando e eu continuei sem coragem de levantar. De repente, o medo foi passando e o aspecto do sapo foi mudando aos meus olhos. Ele me pareceu tão frágil, tão indefeso e tão bonito que tive vontade de tocá-lo. Continuava quieto e acho que o meu aspecto também deve ter mudado aos seus olhos, deve ter me achado frágil, indefesa, até bonita e também deve ter tido vontade de me tocar. Perdeu o medo dos humanos e eu perdi o medo dos sapos.

Entre pessoas acontece o mesmo. Julgamos uns aos outros, elaboramos opiniões pré-conceituosas, reparamos nos “aspectos”, até o dia em que nos deixamos aproximar e descobrimos que aquela pessoa não é horrenda e nem feia como pensávamos; muito pelo contrário, descobrimos que é um ser humano frágil, muitas vezes indefeso e de uma beleza interior surpreendente.

Saí do banheiro na maior tranqüilidade, rindo para o meu mais novo amigo. Voltei pra cama feliz, certa de que agora conseguiria dormir, mas qual o quê. Quando estava fechando os olhos para adentrar no mundo dos sonhos, ouvi um grito estridente e apavorante. Era o grito de uma amiga que entrara no banheiro pra fazer o xixizinho básico e sagrado da madrugada, e que, sentada no sanitário, sonolenta, resolveu dar aquele olhar aleatório para o canto da parede.