Thursday, August 16, 2007

Gota de Sofia com Lêdo Ivo - Cama e Mesa

No Banheiro do Cego
amamos sobre tábuas duras.
É o amor sem conforto
de dois animais vivos.
Amamos sem lençol
e sem travesseiro.
O sol que ilumina
nossos gestos obcenos
é a luz do candeeiro.
Ó sol de querosene
nos peitos molengos
de uma peniqueira!
Hei de morrer cativo
a esta lengalenga
que faz mover o sol
- o sol e as estrelas.
Hei de morrer impuro.
Que sabão lavará
a minha infância suja
que nessa comilança
já hoje se lambuza?
Sou um bicho. E me escondo
numa gruta de Vênus.
Sou como os caranguejos
que afundam na lama
dos mangues. E amo
depressa como os galos.
E relincho na noite
igual aos cavalos.
E amo desengonçado
como todos os homens.
Na cama que é uma mesa
no Banheiro do Cego
mato a minha fome.
Tiro a roupa. E como.


Tuesday, August 07, 2007

Gotas de Sofia com C.S.Lewis - Só Um Pedaço de Papel Colorido?

Lembro-me de certa vez quando dei uma palestra para a Força Aérea e que um velho e experiente oficial levantou-se e disse: "Não sei qual a utilidade disso tudo. Veja bem, eu também sou um homem religioso. Sei que há um Deus. Eu o senti quando estava sozinho, no deserto, á noite:um grande mistério. E esta é precisamente a razão porque eu não acredito nos seus dogmas e nas suas fórmulas reducionistas e bem comportadas sobre Deus. Para qualquer um que já o tenha encontrado, tudo isso parace tão mesquinho, pedante e irreal!"
De certa forma eu até concordei com aquele homem. Penso que ele deve ter tido alguma experiência real com Deus no deserto. E quando ele voltou dessa experiência para os credos cristãos, acredito que ele voltou de algo real para algo menos real. Assim, também, se uma pessoa olha da praia para o oceano Atlântico e, depois olha o Atlântico no mapa, ele também estará voltando de algo real para alguma coisa menos real: das ondas do mar para um pedaço de papel colorido. Mas é aí que está o ponto. O mapa é reconhecidamente um pedaço de papel colorido, mas há duas coisas que você deve lembrar. Primeiro, ele é baseado no que milhares de pessoas descobriram navegando o Atlântico de verdade. Dessa forma, um indíviduo tem atrás de si milhares de experiências tão reais quanto a que você poderia ter tido na praia; com a diferença de que, enquanto a sua seria um vislumbre único, o mapa dá conta de todas as variadas experiências juntas. Segundo, se você quer chegar a algum lugar, o mapa é absolutamente necessário. Para quem está interessado em apenas fazer algumas caminhadas na praia, a visão de tudo é muito mais agradável do que olhar para um mapa. Acontece que o mapa terá mais utilidade do que as caminhadas pela praia se você deseja chegar a outro continente.
A teologia é como um mapa - nada mais do que aprender e pensar sobre as doutrinas cristãs. Ficar nisso é menos real e menos emocionante do que o que aconteceu com o meu amigo no deserto. As doutrinas não são Deus; elas não passam de uma espécie de mapa. Acontece que esse mapa é baseado na experiência de centenas de pessoas que realmente estiveram em contato com Deus; experiências comparadas com quaisquer emoções ou sentimemtos piedosos que você e eu poderíamos experimentar, considerados elementares e até confusos. Se você quiser chegar mais longe, terá de usar o mapa. Veja bem, o que aconteceu com meu amigo no deserto pode ter sido verdadeiro, e certamente foi empolgante, mas isso não resulta em nada. Não há nada que se possa fazer a respeito. Na verdade, eis aí a razão por que uma religião vaga, algo como sentir Deus na natureza e assim por diante, é tão atraente. É só emoção, sem qualquer trabalho; é como observar as ondas do mar a partir da praia. Mas você jamais chegará a outro continente estudando o oceano Atlântico dessa maneira, e jamais conhecerá Deus só sentindo a Sua presença nas flores e na música. Nem chegará a lugar nenhum apenas olhando os mapas, sem ir para o mar. Tampouco estará seguro se entrar no mar sem um mapa.