Monday, April 18, 2011

Faz-se Monstro!

Vi o vídeo onde Wellington de Oliveira, o assassino das 12 crianças da escola em Realengo (RJ), fala sobre “os corruptos, falsos e impuros”. Havia muita raiva em seu olhar. Através dos seus olhos dá para perceber o ódio que Wellington nutria pela humanidade. Quando seu rosto se aproxima da câmera para desligá-la, seus olhos são assustadores. Na matéria da revista Veja, um dos rapazes que estudou com Wellington, confessa que ele e outros meninos (na época) “zoavam” dele “até não aguentarem mais” e chegaram a colocá-lo dentro de uma lata de lixo. Uma pessoa que leu a matéria ao meu lado disse que esse era exatamente o lugar dele, só que essa pessoa esqueceu que nessa época Wellington tinha apenas dez anos de idade. Wellington era um garoto tímido, reservado, não falava com ninguém. Lembro-me de uma amiga que tive numa das escolas que estudei, a Rosa. Ela simplesmente não falava. Era arredia, excessivamente tímida, vivia num silêncio estranho. No meio de tanto barulho (éramos 40 meninas e meninos dentro de uma sala de aula) o silêncio da Rosa incomodava e a turma a ridicularizava. Menos eu. Devagar, aproximei-me da Rosa e consegui fazer com que ela conversasse comigo. Rosa era filha de uma católica fundamentalista e recebeu ordens para não se misturar com “a ralé do mundo”. Pobre Rosa! Eu era a única menina que ela conversava. Era excessivamente calada, magra e pálida. Não gostava de comer, por isso tinha os ossos salientes e as meninas caiam em cima dela com mil apelidos humilhantes. Eu sentia uma necessidade inexplicável de proteger a Rosa. Discuti com muita colega por causa dela. Na época não sabia o porquê, mas hoje sei que foi por causa das humilhações que sofri num certo colégio de freiras onde estudei antes de conhecer a Rosa. Todos nesse colégio sabiam que meu pai era espírita e quando a turma descobriu, passou a me chamar em alto e bom som, para quem quisesse ouvir de “filha do feiticeiro”. As irmãs não faziam nada e eu me sentia profundamente humilhada. Por causa disso passei a ter um comportamento agressivo e sentir um ódio muito grande da menina que liderava a humilhação. Há uns quatro anos atrás, no auge de uma grande crise de depressão, estava no Shopping Iguatemi quando avistei aquele rosto tão negativamente conhecido. Era ela nos seus quarenta e tantos anos. As lembranças das humilhações vieram e eu não pude evitar a raiva dela e de mim mesma (por ter permitido aquilo). Fiquei olhando de longe, com uma vontade enorme de ir falar com ela e dizer-lhe de todo o sofrimento que ela e aquelas outas crianças me causaram. Mas não fiz. Entrei no banheiro do shopping e chorei. De acordo com depoimentos de familiares e conhecidos, Wellington foi um garoto muito “triturado” na escola, sem contar que sua mãe biológica sofria de esquizofrenia, e por ser incapacitada de cria-lo, teve que entregá-lo a outra pessoa. Será que Wellington herdou os problemas mentais da mãe? Acho que sim. Ninguém, em sua sã consciência, entra numa escola e mata doze crianças só para se divertir. Disseram que ele era terrorista devido a sua admiração ao atentado do 11 de Setembro. Não acho que ele era terrorista, acho que ele era “aterrorizado” com o mundo. Acho que herdou os distúrbios da mãe, misturado com o sentimento de ódio - consequência dos anos de bullying - e do qual não conseguiu se libertar, acabando por tirar a vida de doze adolescentes inocentes, que nada tinham a ver com sua triste história. Pobres meninos e meninas. Pobre Wellington. Pobre sociedade em que vivemos. O mais triste e apavorante de tudo isso é saber que existem muitos wellingtons por aí sendo invadidos pelo sentimento mais destruidor da história humana: o ódio. Existem monstros sendo alimentados, nutridos, não em laboratórios científicos nem pelas mãos de algum Victor Frankenstein, mas no coração de muitos wellingtons espalhados por esse planeta. O ódio não gosta de frios laboratórios nem de robôs. Ele gosta é do coração humano, o seu objeto de maior desejo; vive em busca de gente que sente, pensa e que tem sangue nas veias.

Friday, January 14, 2011

FOI-SE O TEMPO!


Foi-se o tempo em que chuva era sinônimo de alegria. Lembro que eu ficava no portão da minha casa, olhando pro céu cinza, pesado, esperando ansiosamente que ele decidisse abrir as compotas e derramar a chuva tão esperada. Quando os primeiros pingos d’água caíam, ouvia-se a voz de alguém em algum lugar, gritando: “Lá vem chuvaaaaaa!”. Tava tocada a trombeta. Era uma coisa medonha. Dava pra sentir o frenesi do bairro em movimento. Abria o portão quase em desespero e saía correndo pra biqueira que tinha na parede da frente da minha casa. Tinha que ser rápida porque um bando de meninos e meninas ensandecidos, enlouquecidos, afoitos, corria pra debaixo dela, disputando cada pedaço. Ela era bem alta e enorme. Como naquele tempo ainda não tínhamos chuveiro em casa, banhar-se com as mãos livres, sem a cuia, era novidade. Não adiantava argumentar que eu e somente eu tinha direito a ela, pois estava na parede da minha casa. As biqueiras eram os brinquedos mais desejados em dias de chuva e como no Ceará não tem inverno, e sim, chuva de verão, a gente sabia que o aguaceiro terminaria logo, por isso, a disputa pela biqueira se tornava tão acirrada. Tinha também o corre-corre das mulheres em direção ao quintal. Corriam com baldes, bacias, panelas, para aparar água da chuva. Essa água era armazenada, guardada com carinho, pois tinha a importante função de lavar cabelos. Diziam que era água pura, limpa, pois vinha de Nosso Senhor. Eu não entendia porque elas não faziam comida ou remédio, afinal, era água diretamente da fonte divina, devia ser milagrosa. Ainda tenho nas minhas lembranças olfativas o cheiro do Neutrox, o condicionador mais famoso da época. Enquanto as mulheres corriam pros quintais, os homens corriam pros balcões das bodegas, onde bebiam cachaça com tira-gosto de avoante, numa irmandade poucas vezes vista. Também não entendia porque tiravam o gosto da cachaça se gostavam tanto dela. Chuva era festa. Trazia alegria, diversão, feijão verde, milho, fruta, fartura. E quando terminava o ciclo das chuvas, vinham as festas juninas e as chuvas do caju. Meu pai, nascido no Cariri, ficava tão contente que contratava cantadores de viola para se apresentar na sala da minha casa, transformando-a num auditório. Quase todo o bairro vinha ouvir a dupla de repentistas que se confrontava com muita criatividade. Colocavam uma bacia de alumínio diante dos dois violeiros. Quem gostasse atirava moedas. Ainda ouço o barulho delas caindo na bacia. Foi-se o tempo. Hoje, chuva dá medo, gripe, dengue, leptospirose, casa desabando, gente desabrigada, revolta, morte. Hoje, chuva mata, quem podia imaginar uma coisa dessas? As biqueiras altas, aquelas que pareciam cascatas, não existem mais, estão rente ao chão, humilhadas. Não são mais brinquedos, nenhuma criança disputa seu espaço, a função delas é simplesmente jogar a água da chuva na calçada, não são mais canais de alegria, são meros objetos de necessidade. As mulheres dessa nova geração nem sabem que um dia suas mães e avós lavaram os cabelos com a santa água que descia do céu e que a noite chuvosa foi testemunha de cabelos cheirosos que seduziam, produzindo suspiros de amor e muito menino.

Rosane de Castro/Janeiro/2011

Tuesday, January 11, 2011

DESCALÇA E DIVERTIDA


Ler “Fortaleza Descalça”, de Otacílio de Azevedo, é qualquer coisa de muito bom. Crônicas leves e divertidas, cheias de informações sobre Fortaleza antiga, ainda do tempo que a cidade nem calçamento tinha, daí o título. A cidade nem chinelos possuía, mas era dona de um balaio de histórias engraçadas. Uma delas é sobre o Bembém, dono de uma garapeira situada na Praça José de Alencar. Garapeira era onde se vendia caldo-de-cana, naquele tempo chamado de garapa. O Bembém juntou grana durante anos e realizou seu sonho de conhecer Paris. Voltou impressionado por todo mundo lá falar francês, até as crianças, e a única pessoa que falava português como ele era um homem chamado Cicerone, que o acompanhava por tudo quanto era lugar e a única palavra em português que ouvia sair da boca do povo era “mercibocu”. Quando voltou, tratou de mandar fazer uns cartões com o nome do estabelecimento afrancesado. A Bembém Garapeira virou “Bien Bien Garapière”. E tem a crônica do “Cajueiro Botador”. A árvore ficava na Praça do Ferreira. Nela se pregava no tronco (e pendurava em seus galhos) tabuletas com anúncios, endereços de lojas, declarações de amor, protestos, etc. À sombra do Cajueiro Botador havia encontros de intelectuais, políticos, desocupados, ricos e pobres; todos se tornavam iguais quando se viam sob o velho cajueiro, retirado da praça por ordem do prefeito Godofredo Maciel, em 1920. Conta o cronista que todo ano, no primeiro de abril, dia da mentira, havia uma festa de arromba debaixo da famosa árvore, com direito a Banda da Polícia e tudo. Como era o dia da mentira, as tabuletas traziam as mais mentirosas e estapafúrdias notícias. Era um divertimento só. Outra crônica interessante é a descrição da primeira versão da Igreja Coração de Jesus. Um luxo! Foi construída pelo Barão de Aratanha, cunhado de Juvenal Galeno, a pedido de D. Luís, primeiro arcebispo de Fortaleza. Otacílio de Azevedo fala com muito carinho do sino da igreja e do Frei Marcelino de Milão, que, coincidentemente, mamãe conheceu. Conta a minha mãe que freqüentava os bastidores da igreja porque minha bisavó, Maria de Castro, era da Ordem Terceira. Não sei do que se trata essa “Ordem Terceira”. Nem minha mãe lembra. Só sabe que sua avó dizia com muito orgulho que era desse negócio aí. Frei Macelino era bem velhinho e mamãe, bem novinha, tinha cinco anos. A família estava dividida entre católicos e espíritas, coisa que preocupava muito minha bisavó. Em uma das visitas, o velho frei perguntou a minha mãe:
- Isoldinha, minha filha, você é espírita ou católica?
- Sou paulista! - respondeu mamãe inocentemente, pois sabia que nascera em São Paulo.
- Tá vendo, Mariazinha, ela não é nem católica nem espírita, é paulista – divertia-se o frei.
by Rosane de Castro/Janeiro/2011

CHOQUE DE PROMOTORES

Abri a porta da secretaria da faculdade e ela estava lá, sentada de frente pro computador, um ancião cansado, de passos lentos e memória quase parando. O próprio velho PC já não se suporta mais, vive clamando aposentadoria, desejando com ardor ser encostado e esquecido em um canto qualquer. E o modo como protesta é simplesmente não funcionando em momentos de extrema necessidade. No entanto ela o olhava com conformada paciência, esperando ele desistir da rebeldia e iniciar o trabalho. Nem o velho PC resiste aos encantos da dona Socorro. A paciência é uma das virtudes perceptíveis dessa mulher que tanto admiro e a quem, carinhosamente chamo de professora. Há anos está à frente da direção da Faculdade Contemporânea do Ceará e é respeitadíssima, não somente devido à inteligência, delicadeza e à disposição em ajudar, mas por ser um dos maiores testemunhos vivos de coragem que conheci. A professora Socorro lutou contra um câncer de mama por alguns anos e venceu. Nunca se deixou abater e nos tempos de quimioterapia ia trabalhar cheia de alegria, se dizendo feliz por ter condições psicológicas de lutar contra a enfermidade enquanto muitos, só com a notícia, mergulham na mais absoluta depressão. Jurou que o câncer não a venceria e cumpriu. É o tipo que ri de tudo e por ter enfrentado tudo que enfrentou, leva a vida na “maciota”, sempre dizendo que pra tudo há solução. Acredita que não existe problema “irresolvível” e diz que até mesmo a morte pode ser adiada por longo tempo (ela que o diga).
Dia desses chegou à faculdade às gargalhadas. Estacionou seu possante cor prata e desceu com cara de menina sapeca, com aquela expressão infantil de quem aprontou algo. Contou que vinha na Santos Dumont, dirigindo meio distraída, com a atenção levemente afastada da realidade, quando sentiu seu carro “dar um selinho” na traseira de um importadão preto, quatro portas, vidro fumê, carro de gente com bastante grana. Tomou um susto, mas percebeu que não fora nada, apenas uma encostadinha de leve. A porta do importado abriu e desceu um homem elegante, de paletó e gravata, com cara de poucos amigos. A professora desceu disposta a mostrar que não havia acontecido nada, que foi apenas uma encostada, nada demais. Os dois olharam a traseira do carro e ela viu que estava tudo bem. Porém, o sujeito tava estressado, afobado, indignado por alguém ter encostado no seu belo carro, sem falar que eles estavam no meio da avenida, parados, atrapalhando o trânsito que já se impacientava.
- Ô minha senhora, olha só o que a senhora fez! – disse o ricaço, meio afetado.
- Ô moço, foi só uma encostadinha de nada! Tá tudo bem! – respondeu a professora na maior calma.
- Tudo bem??? A senhora bateu na traseira de um carro do ano, importado, caríssimo. Vamos chamar a perícia!
- Que é isso, rapaz, deixa de besteira, não aconteceu nada com seu carro. Se fosse o contrário eu nem ia perder meu tempo discutindo!
- Besteira? A senhora tá me chamando de besta? – o homem ficou nervoso de verdade – A senhora sabe com quem está falando? Saiba que eu sou promotor!
Tranquilamente, dona Socorro respondeu:
- Se for por isso, também sou promotora. O senhor é promotor de quê?
- De justiça, claro! E a senhora?
E a dona Socorro, na maior cara de pau: - Da Avon!
O estressado simplesmente foi mais um que não resistiu. Caiu na gargalhada. E a dona Socorro também, claro. Os dois ficaram por um bom tempo rindo, deixando os transeuntes sem entender o que estava acontecendo com aqueles dois malucos se acabando de rir em plena Santos Dumont, alheios às buzinas insistentes e nervosas.


by Rosane de Castro/Janeiro/2011

Sunday, November 28, 2010

MORTE AO PRECONCEITO E À INTOLERÂNCIA!


A foto ao lado (uma de muitas outras) mostra pichação agressiva e ameaçadora feita na parede de uma igreja inclusiva localizada perto da minha casa. Para quem não sabe, as igrejas “inclusivas” (a palavra já se faz entender) incluem, acolhem pessoas excluídas das camadas sociais tradicionais. No caso dessa igreja da foto, 90% dos seus membros são homossexuais. O templo tem sido vítima de manifestações preconceituosas na calada da noite, portanto, covardes. Quem quer que esteja por trás de tais agressões sabe que tal atitude vai contra a liberdade religiosa oferecida pela constituição brasileira, caso contrário, se faria conhecer. Particularmente, sou a favor da liberdade que todo cidadão tem em discordar sobre algo, porém, de forma pacífica e respeitosa. Ninguém, por lei, pode proibir que pessoas livres se reúnam para expressar sua fé, seja quem for. Luther King uma vez falou que a injustiça em um lugar pode ameaçar a justiça em todos os lugares. Calar em relação à manifestação agressiva sofrida pela igreja inclusiva pelo fato de ser uma “igreja para gays” abre a porteira da intolerância em todos os setores. Por isso o meu repúdio e o meu protesto. A igreja inclusiva tem todo o direito de existir!

Thursday, October 28, 2010

INTOLERÂNCIA NÃO, MAMÃE!

As igrejas evangélicas estão virando “curral eleitoral” e desenvolvendo silenciosamente, cada uma ao seu modo, uma tirania, uma espécie de “ditadura gospel”. Tenho conversado com evangélicos que irão votar na candidata do PT, Dilma Rousseff, mas não assumem de jeito nenhum. Estão calados, acabrunhados, com receio de serem rechaçados dentro de suas respectivas denominações. Nas igrejas pentecostais o medo está na disciplina pastoral, no afastamento de cargos, caso a “blasfêmia” que é votar em Dilma Rousseff venha a ser descoberta, sem contar com a crítica e rejeição dos irmãos (o mai doloroso de tudo), ou seja, discriminação ampla, geral e irrestrita. Nas igrejas batistas o medo não reside no pastor (na que eu congrego, por exemplo, o pastor deu liberdade de voto), e sim, em membros antigos, bem conceituados, mas que, infelizmente, não se deixaram moldar no quesito democracia, liberdade, respeito por aquele que pensa diferente. Estava com adesivos do PT dentro da mochila e tive a idéia de fazer um teste. Ofereci a alguns que eu sei que votarão no PT e eles não aceitaram, dizendo que “fulano e sicrano” ficam com raiva quando alguém na igreja manifesta a intenção de votar em Dilma Rousseff e não querem confusão com essas pessoas. Fulano e sicrano são os membros bem conceituados que citei há pouco; fulano e sicrano são pessoas que eu gosto; fulano e sicrano não são pessoas ruins, muito pelo contrário... Por que será que isso acontece? Minha melhor amiga tem horror ao PT, mas eu a amo assim mesmo, afinal, ninguém é perfeito... rsrs... Quando a gente se encontra nesses dias de campanha eleitoral, simplesmente não tocamos no assunto política, a gente só fala de Jesus, o exemplo único de tolerância que este planeta já teve o prazer e o privilégio de conhecer. Sei que existem petistas intolerantes e desrespeitosos, assim como psdbistas. Não estou aqui para elogiar e criticar um ou outro, mas para defender a liberdade, a amizade, o respeito. Na Bíblia existem quatro evangelhos escritos por quatro evangelistas, Mateus, Marcos, Lucas e João, respectivamente. Cada um apresenta Jesus de forma diferente, apesar das semelhanças; cada um tem seu ponto de vista sobre Jesus. Será que discutiam acerca das diferenças? Será que compreendiam a harmonia que havia em tais diferenças? Acho que sim e acho também que havia rspeito.
Outro caso notório na Bíblia era a diferença entre Pedro e Paulo. Pedro teimou em pregar somente para judeus, enquanto Paulo pregou para os gentios. Por causa da sua intolerância, Pedro não teve condições de sair de Israel, enquanto Paulo ganhou o mundo para Jesus. Mas nem por isso O Senhor abandonou Pedro ou deixou de usá-lo em Israel. Jesus usou os dois na Sua obra, mas é notório que o que teve mais tolerância (Paulo) deixou um legado muito maior, fez mais amizades, conheceu outras culturas, viajou muuuuuuito e teve oportunidade de falar de Jesus de forma absolutamente abrangente. Eu voto Dilma, mas se o Serra ganhar vou ficar triste, claro, porém, essa tristeza vai durar somente alguns dias. Sei que como cristã tenho que orar por quem estiver no poder, seja direita ou esquerda, pois a vida continua e sei também que Jesus é O Senhor da minha vida, meu Candidato Eterno, em quem voto todos os dias, pedindo para que Ele reine em mim pra sempre.

Viva a Democracia! Viva a liberdade que Deus nos deu!

Rosane de Castro/Outubro/2010

Tuesday, October 19, 2010

COVARDIA

O modo como pastores e padres andam espalhando calúnias a respeito da candidata do PT, Dilma Rousseff, é VERGONHOSO. Dizem que a igreja cristã brasileira tem FÉ DEMAIS. Pra mim, ela FEDE MAIS do que nunca. Mais do que quando apoiou a Ditadura Militar - pois comunista era coisa do demônio - e calou sobre a morte por tortura de milhares de brasileiros; mais do que quando apoiou Adolf Hitler na Alemanha, fazendo vista grossa para a morte de milhões de judeus e dando apoio total a prisão e morte por enforcamento do teólogo Dietrich Bonhoeffer, que foi um dos poucos a não aceitar o Nazismo.
Sempre que a igreja se mete em política, é somente para colocar no poder gente retrógrada, preconceituosa e desonesta.
O Brasil não pode voltar ao passado. É pra frente que se caminha.

Rosane de Castro/Outubro/2010

Thursday, September 30, 2010

SEMEADURA DESONESTA

Graças a Deus que a campanha eleitoral chegou ao fim. Mesmo que haja segundo turno, o fim está próximo. Fim da barulheira, dos pedidos de votos, das discussões, das panfletagens, da tensão.
Gostaria de deixar bem claro que eu sou cristã, que freqüento uma igreja evangélica e sou atuante por lá, fazendo parte da escola bíblica; e o mais importante: creio em Jesus como meu Salvador. Porém, quero deixar registrado o quão decepcionada fiquei com a campanha mesquinha que muitos, mas muitos evangélicos fizeram contra a candidata do PT Dilma Rousseff. Recebi dezenas de e-mails onde se dizia que Dilma havia declarado em entrevista que nem mesmo Jesus conseguirá impedir de ela ganhar essa eleição. Mergulhei em dezenas de sites procurando tal declaração e nada; parti pro Youtube e nada encontrei. Foi aí que a “ficha caiu”. Que tempo desperdicei procurando a tal “declaração arrogante”. Entendi que era mais uma das semeaduras de notícias falsas tão comuns nas campanhas eleitorais. O que me deixou triste foi entender que esse tipo de baixeza saiu do meio evangélico. O último reduto onde eu achava que esse tipo de coisa não aconteceria era na comunidade evangélica. Ledo engano. Nós evangélicos estamos que nem o povo israelita quando liberto por Moisés. O povo saiu do Egito, mas o Egito não saiu dele. Os israelitas tiveram que apanhar muito no deserto para aprender sobre o real caráter de Deus, pois até então, construíram um deus que existia só na imaginação deles. Quando se depararam com o Verdadeiro a coisa ficou muito complicada.
Quem acompanha, mesmo que seja um pouquinho, a política desse país, sabe que a MAIORIA dos deputados evangélicos eleitos se corrompeu. Todos eles tinham o mesmo discurso desses que estão aí agora. Diziam que era preciso votar neles para garantir que certas leis não fossem aprovadas. Sabemos o resultado. Teve político crente que orou com um punhado de propina na mão. Todo mundo viu na TV.
Os marketeiros evangélicos pedem pros crentes tomarem cuidado em quem vão votar e falam das leis que tramitam no congresso. Sutilmente pedem voto para candidatos evangélicos. Não o fazem abertamente porque sabem do que aconteceu com a turma da eleição passada, mas de forma quase imperceptível querem convencer que votar em candidato evangélico é mais seguro. Me poupem! Se o pessoal empenhado no marketing deles faz isso que fizeram com a Dilma, imagine eles... Eu, hein!

Rosane de Castro/Outubro/2010

Friday, September 17, 2010

FUJÕES TURBINADOS

Tava agorinha mesmo no blog Pão&Vinho lendo certa matéria sobre pastores e seus jatinhos. Uma turma de pastores cheios do poder aquisitivo comprou, cada um, seu aviãozinho particular. O mais "em conta" custou "apenas" nove milhões de dólares. Uma bagatela, afinal, o deus da Teologia da Prosperidade está aí pra encher a conta deles de grana. Essa turma diariamente está na mídia e são os donos dos grandes templos evangélicos do Brasil. Eles dizem que precisam se locomover para outros estados, até mesmo outros países, para pregar a Palavra de Deus. Segundo eles, o jatinho facilita a salvação de muitas almas perdidas. Sinceramente, não quero ser maldosa, tenho conversado com O Senhor do céu e da terra e tenho prometido tentar ver bondade em tudo, mas pastor com jatinho particular me inquieta, me inquieta muito. Segundo informações recebidas, possuir um negócio desse não sai barato. Tem que pagar o aluguel do hangar (não é uma garagem qualquer); tem que ter piloto e co-piloto (não é salário de motorista); pagar manutenção (não estamos falando de um carro), combustível, imposto. Tudo isso (tirando o imposto anual) custa, por mês, mais de cinquenta mil reais. Gente, cinquenta mil reais por mês só para manter um jatinho.
Medito sobre as desculpas que eles dão. Medito, medito e percebo que o motivo não é bem o que eles dizem. Vejam, esses pastores estão diariamente envolvidos com a mídia até o pescoço. Todos os dias eles vendem produtos que vão de livros até suor e pedem dinheiro aos fiéis o tempo que durar o culto. Como estão na mídia diariamente, ficam conhecidos, claro.
Sabemos que existem dois públicos para os quais os tais pastores estão expostos: evangélicos e não-evangélicos. Os evangélicos eles encaram numa boa, afinal, são os responsáveis pela existência e manutenção dos jatinhos. Não há problema em encontrá-los nas igrejas, eventos, etc., eles sabem manipular bem essa gente. É certo que existe evangélico que nutre verdadeiro pavor dessa turma de "aviadores", mas é uma minoria, não preocupa nem um pouco a turma que quer ir pro céu de qualquer jeito, de preferência, a bordo de um Cesna Executivo. Agora, os não-evangélicos é outra história. Encontrar com essas pessoas e ficar cara a cara com elas em aeroportos, restaurantes, lojas, etc., deve ser barra. Os tais pastores estão acostumados à proteção dos púlpitos, das suas multidões de fiéis, dos seus muitos bajuladores. Cercados assim, eles não precisam encarar os não-evangélicos, que por não terem nenhum compromisso com a igreja, abrem a boca e ridicularizam mesmo. Essa proteção rola no ambiente deles, mas nos aeroportos é diferente. Chegar uma hora antes do vôo e ficar esperando o momento do embarque deve ser torturante. Todos aqueles olhares indignados. Pode parecer besteira minha, mas um deles admitiu. Disse que era constrangedor para as pessoas encontrá-lo no aeroporto, já que é uma figura pública. Constrangedor para as pessoas por ele ser conhecido? Será que é constrangedor encontrar o Marco Nanini ou a Cláudia Leite em algum aeroporto, só porque eles são pessoas conhecidas? Acho que não é bem isso. O problema está no olhar. Deve ser delicioso ser olhado com admiração, mas ser olhado com indignação deve ser torturante. Tenho pra mim que não suportam serem olhados com reprovação, tão acostumados estão com olhares de adoração. Esse é um dos motivos, o outro é a vaidade. Essa turma de pastores não se esconde mais à sombra do Onipotente, mas em jatinhos particulares. Daqui um tempo necessitarão de iates para levar a salvação às ilhas do mundo inteiro. Acho que a minha tese está correta, apesar de sua aparência boba.
Tem outra coisa que percebo. Se eles têm medo do olhar é porque o olhar incomoda; se incomoda, é porque gera sentimento de culpa; se gera sentimento de culpa é porque eles sabem que algo está muito errado.
Que poder tem um olhar! Jesus sempre utilizou o olhar para dizer o que sentia. Olhou bem dentro dos olhos de Pedro na noite em que foi preso. O peso do olhar de Jesus esmagou o pescador por completo. Nem uma palavra foi dita. Jesus apenas olhou. E Pedro chorou amargamente.
Os fujões turbinados conseguem se esconder do olhar das pessoas, mas eu creio absolutamente que não conseguirão se esconder, nem no céu nem na terra, do olhar e do acerto de contas de Cristo Jesus. Esse dia vai chegar, sim, esse dia vai chegar!

By Rosane de Castro/Setembro/2010

Thursday, September 16, 2010

Telecandidatos

Não sei em quem votar. Isso pode parecer bobagem, mas dá uma tristeza no peito não saber em quem votar. Antigamente eu sabia. Mas antigamente era antigamente. Acho que meus quase cinquenta anos estão pesando; tô ficando ranzinza, chata e amargurada com esse negócio de eleição. Antes, eu escolhia meu candidato e ponto final. Brigava por ele, acreditava, confiava, tinha certeza que ele era o melhor para o país, mesmo que não fosse, mas era o MEU candidato, por isso não aceitava que falassem mal. Nas eleições de antigamente eu podia escolher entre um candidato ruim (o adversário do meu candidato) e um candidato bom (o meu candidato). Hoje é estranho. Não acho meu candidato bom o suficiente; não tenho certeza se ele é o melhor para o país; não sinto confiança no que ele fala.
Quando vejo a propaganda eleitoral me sinto uma jurada de TV em um teste para telenovelas. Os que passarem no teste irão para suas respectivas novelas: a das seis (deputados), onde só tem idiota e quer porque quer passar por inofensiva, mas de inofensiva não tem nada; a das sete (senadores), que diz ter criatividade, mas na realidade é uma repetição de velho folhetim; e por fim a poderosa novela das oito (presidência), onde todo mundo se mata para presidir uma METALÚRGICA.
E nós, impotentes e indefesos telespectadores, temos que escolher. Escolher quem tem mais talento para fingir, quem melhor vende a ilusão de que existe um túnel. Não, não escrevi errado. Não estou querendo escrever "luz no fim do túnel". Nesses tempos amargurados, luz no fim do túnel é sonhar alto demais.

By Rosane de Castro/ Setembro/2010

Monday, September 13, 2010

Joaquim Sabão


Quando eu era criança, morava no Jardim América o Joaquim Sabão. Ele tinha essa alcunha por que adorava comer sabão Pavão (o mais famoso e vendável da época) com manteiga Itacolomy. Nessa época, sabão era vendido somente em barra. Os mais abastados compravam uma barra completa, ou várias barras; os pobres compravam meia barra, um quarto. Minha mãe tinha uma bodega e quase todos os dias o Joaquim comprava meia barra de sabão Pavão e um pouco de manteiga Itacolomy, que era vendida a granel. Lembro que mamãe vendia a manteiga embrulhada em um papel de pão, daquele bem grosso. Pois bem, o Joaquim passava a Itacolomy no sabão e nhoc! No início mamãe nem imaginou que fosse pra comer; é que o Joaquim Sabão não comia na frente da minha mãe, pois desconfiava que ela não vendesse mais, e foi o que aconteceu. Horrorizada com a descoberta, mamãe nunca mais vendeu sabão pro Joaquim, mas ele achou outra mercearia e continuou comendo a estranha iguaria, até cair durinho da silva num leito de hospital. Ainda lembro o velório do Joaquim Sabão. Os amigos de copo foram em peso e fizeram uma homenagem ao Joaquim. Adivinha como? Puseram no caixão do defunto uma barra de sabão Pavão, claro, completamente besuntada de manteiga Itacolomy. Um dos amigos, muito triste e bêbado, falou baixinho para o companheiro ao lado, como que para consolá-lo: "Se ele morreu de consciência limpa, eu não sei, mas taí um cabra que morreu de estômago lavado e enxaguado!"

Monday, August 23, 2010

Dez Comentários Sobre Um Domingo Na Serra do Lajedo - Texto 1



Passei um domingo na Serra do Lajedo. Aninha me convidou pra uma festa de casamento de um casal parente seu. Cinqüenta anos de casados eles iam fazer, portanto, o acontecimento merecia um festão. Eu nunca havia ido á uma festa no interior, só conhecia de ouvir falar.

Subimos a serra no domingo bem cedinho da manhã, eu, Costa Jr., Aninha e suas irmãs. Ana me disse que o nome verdadeiro é lajeiro, porém, acho que a palavra lajedo se encaixa mais. A palavra deriva de laje, pedra pavimentada, rocha de superfície plana, abundante naquela região.

Fomos por uma estrada de piçarra, de chão seco, árido. A certa altura paramos o carro, descemos e ficamos contemplando a paisagem lá em baixo. Maranguape e Itapebussú despertavam num espreguiçamento que somente quem é nordestino pode compreender. O nordestino não é desses que pula da rede num salto. Primeiro ele se espreguiça lennntamennnte, bem devagarzinho, que nem gato quando acorda, se esticando todo. Depois desse ritual “espriguiçatório”, o dia começa. O verde da serra estava rareado. Aqui e acolá se via algo esverdeado, a cor predominante era o amarelo das rochas gigantescas e davam ao lugar um ar fantasmagórico, mas nem por isso destituído de beleza. Os raios solares batiam nas pedras e pequenas pepitas brilhavam, ofuscando e nos fazendo esquecer-se dos arbustos secos, minguados e tristes que enchiam a paisagem. Lembrei de Moisés subindo o Sinai com seu rebanho e se deparando com o arbusto inflamável, onde a voz de Deus o chamou pelo nome.

Alguém me falou de assaltos na estrada. Os ladrões param o ônibus em plena serra e tomam os poucos pertences dos viajantes. Que triste! O último lugar que se pensa em assalto é numa estrada de terra em cima da serra. Aquele ambiente não tem absolutamente nada a ver com esse tipo de coisa e me impressionou o fato dessas coisas de cidade grande ter chegado até lá. O mal subiu a serra de pedra pavimentada. Lembrei dos salteadores dos quais Jesus fala na parábola do Bom Samaritano. Imaginei o pobre homem da parábola caído naquela estrada solitária e poeirenta e fiquei me perguntando se por ali existia um bom samaritano. Mais tarde, numa situação inesperada e hilariante, descobri que a Serra do Lajedo é habitada por bons samaritanos, sim.


Lembranças e Saudades Inesperadas - Texto 2


Quando chegamos, fomos direto para a casa do Marcos, irmão da Ana, onde tomamos café e depois seguimos para a casa da sua mãe que fica bem em cima da serra. Nem bem cheguei e a singeleza da casa, o cheiro do bananal, o céu profundamente azul e a simpatia da dona da casa me conquistaram. Adentrei até a cozinha e me deparei com um fogão à lenha em pleno funcionamento. O fogão me reportou à infância, onde no quintal de casa, em plena capital, meu pai mandou construir um fogão à lenha. Nele se cozinhava feijão, um remédio chamado Cibazol e doces. A memória também reviu o “quarto do carvão”, bem ao lado do fogão e que eu achava super misterioso. É impressionante como a memória pode ressuscitar odores. A mente humana é recipiente de cheiros, nenhum se perde, todos ficam guardados, esperando o olho ver alguma coisa que traga lembrança e que abra a porta, aí eles podem sair e festejar.
No fogão da Raimundinha (mãe da Ana), uma panela cheia de favas cozinhava pacientemente. O cheiro era bom, mas por minutos o cheiro do Cibazol, do quarto do carvão e dos doces rivalizou com as favas. Por uns minutos apenas, esses odores passearam pelas minhas narinas e trouxeram uma saudade que eu nem sabia que tinha. Fiquei quieta, sem querer sair da cozinha, me sentei num banquinho de madeira, de frente pra janela que dá para o terreiro e esperei os odores se acalmarem. Eles foram embora, mas deixaram as primeiras lembranças puxando outras lembranças que, por sua vez, traziam saudades diferentes. Todo esse furdunço emocional foi só porque o olho viu. Saudade boa, gostosa. Bem que Jesus falou que “se o teu olho for bom, todo o teu corpo terá luz”. Meu olho pousou num fogão à lenha e o meu coração foi iluminado de saudade boa.
Quando os odores da infância foram embora, satisfeitos, o cheiro da fava reinou. Cheiro bom. Fiquei com água na boca, doida pra provar da iguaria típica da Serra do Lajedo, porém, os felizardos eram os porcos que chafurdavam no quintal. Na casa da Raimundinha não há acepção do que quer que seja. Onde se cozinha comida de gente se faz comida de bicho também. O fogão à lenha é para todos. A fava de cheiro bom era para os porcos. Me deu vontade de comer delas, mas fiquei com vergonha de confessar. Tive vontade de parodiar Jesus e dizer pra Raimundinha “não lanceis vossas favas aos porcos”! Disseram-me que as favas para os porcos são amargas, só eles conseguem comer. Aí me conformei. Sendo assim...
De repente, surgiu uma panela de batata doce, colocada no fogão pra cozinhar, depois outra com carne de porco pra assar; uma garrafa de café quentinho e tomates minúsculos apanhado no terreiro. Em poucos minutos estávamos bebendo café com batata doce e carne de porco assada com farofa e cebola. Isso era apenas pra “forrar o bucho”, pois a festa ia começar ao meio-dia. Ficamos ali, jogando conversa fora e trazendo alegria pra dentro do peito.

Casa Sem Alma - Texto 3



Aninha percebeu meu carinho pelo fogão da sua mãe e me convidou a ir até a casa onde seu pai nasceu e ver um típico fogão à lenha. É que o fogão da Raimundinha foi revestido de cerâmica. Você já viu um matuto de verdade, metido num terno e gravata, no meio do roçado? É o fogão à lenha da Raimundinha. Todo arrumado, todo querendo ser moderno, porém, adornado por aquelas panelas “carimbadas” pelo tempo, amassadas, com resquícios de carvão, que fazem a comida parecer mais gostosa.

A Ana quis me mostrar um original, com a idade de 84 anos, um matuto vestido de matuto. Descemos uma ladeira íngreme, cheia de pedras, por entre o bananal e tocamos pra lá. Que casa maravilhosa surgiu diante dos meus olhos deslumbrados. Absolutamente sertaneja; preservada em quase tudo. Digo em quase tudo, porque quando fomos para a cozinha ver o fogão à lenha já ancião, ele não estava mais lá, não existia mais. Alguém mandou demolir o velhinho. Os olhos da tia da Ana se encheram de lágrimas quando contou como e porque ele foi demolido. O olho dela não via mais o velho fogão e a saudade ruim, aquela que dói, remoia seu peito. Falou do fogão como se fala de um bom amigo, de um bom companheiro que morreu e deixou muitas saudades. Às vezes, o que os olhos não vêem o coração sente dobrado. A casa é linda, mas sem o fogão é como se ela não tivesse alma. Roubaram a alma da pobre casa. Ele se foi e deixou como prova de sua existência o preto da fumaça nas telhas, o cheiro de lenha queimando e embriagando o ar. Pobre casa desfalcada! Como adentrar no céu das iguarias, da comida cheirosa e gostosa sem um fogão à lenha? Mas Deus é Pai, Bom e Misericordioso, pois adornou as mãos da Dona Fransquinha (tia da Ana e moradora da casa) e as fez independente de fogões. Não é que ela nos ofereceu uma galinha caipira com pirão de farinha feito do caldo, daqueles de fazer nego chorar de alegria? E feito num fogão a gás? Que delícia, meu Deus! Depois peguei um caneco de alumínio bem areado, mergulhei no fundo do pote e bebi a água mais gostosa da minha existência. Podia dizer do Salmo 23 “preparas uma galinha caipira para mim na presença dos meus amigos, unges o meu coração de alegria, o meu copo transborda de prazer”.

A ausência do fogão foi compensada pelo restante da casa. Portas com trancas de madeira; piso de antigas lajotas de barro, daquelas que se tem que “aguar” quando o dia tá quente. A pia de lavar louça ainda é a janela da cozinha que dá para o quintal, com a bacia de alumínio sustentada por uma mesa de ripas de madeira. As esponjas de lavar panelas ainda são as buchas vegetais e as cabaças ainda servem de recipientes. “Ainda” é uma palavra que cabe muito bem na velha casa da Serra do Lajedo. Lá, as coisa boas e antigas “ainda” funcionam, menos o velho e saudoso fogão à lenha.

Quando a gente conversa com a dona Fransquinha, a gente entende que modernidade não a impressiona, não a escraviza. Ela é livre. A geladeira está lá e ajuda a preservar os alimentos, mas quando a goela pede água é o pote que reina. E por falar em reinado, bem no alto do monte coberto de bananeiras que fica ao lado da casa, impera soberana e absoluta uma gigantesca rocha, que mais parece um altar judaico. A gente olha para o alto e ela está lá, imponente, soberba, nos lembrando da nossa pequenez. Parece que flutua e temos a impressão que ela poderá rolar na primeira chuvarada que der, mas está lá há anos, escultural e bela. Fiquei com vontade de subir, deitar óleo nela e adorar ao Criador. Jesus diz que devemos construir nossa casa sobre a rocha, pois só assim as tempestades não a derrubam. O avô da Ana levou esse conselho ao pé da letra. A senhora casa de 84 anos foi construída sobre pedras imensas, sobre os lajedos ofertados pela Natureza. A casa é simples. Suas paredes são brancas, seu chão e teto, de barro, matéria-prima que Deus usou para fabricar o Homem, mas seus alicerces são rochas. Parece com aquela pessoa que ama O Senhor de coração. Tem aparência frágil e simples, mas sua vida é alicerçada nos lajedos divinos, na Rocha Viva que está no céu.


O Cão de Guarda - Texto 4


Já perto do meio-dia voltamos, sem antes eu levar uma bela mordida do cão de guarda que não arreda as patas da casa. A culpa foi toda minha. Quando cheguei na casa, ele estava deitado na varanda, dentro de casa. Eu o afaguei e ele recebeu o afago abanando o rabo. Quando o cão de guarda está dentro de casa e o visitante também, ele sabe que aquela pessoa foi aprovada pelo dono casa e curte o carinho, mas estando no terreiro, ele cumpre seu papel direitinho e não permite intimidades. Está de serviço e hora de trabalho não é hora de brincadeiras. Eu esqueci essa lei canina e fui afagá-lo fora da casa. Me dei mal. Ele agarrou meu braço e senti quando seus dentes entraram na carne do meu braço. Que dor! Que susto! Aflição! Dona Fransquinha lavou o ferimento com sabão virgem e me tranqüilizou que ele é vacinado (mesmo assim, tomei duas injeções anti-rábicas). Voltei com muita dor no braço, tendo de encarar a ladeira que, se não foi lá essas facilidades toda descer, imagine subir. Subi no maior esforço, com o braço latejando e ainda tremendo do susto. No meu braço está a marca da fidelidade e da competência canina. “Longe de quem come, e mais longe ainda de quem guarda!”, este é o lema dos cães lajedienses.

O Ovo - Texto 5


Cheguei esbaforida na casa da Ana. Subir a ladeira não foi fácil. Quando cheguei, me joguei numa cadeira da varanda, esperando o cansaço diminuir. Olhei para o lado e vi em cima de uma esteira, um ovo. Fui lá e peguei. Estava quentinho e eu achei que era um ovo cozido, jogado ali por uma das crianças da casa. Mostrei pro Costa e ele me disse que a galinha havia posto naquele momento, por isso estava quentinho. Bem, pra desculpar minha ignorância, podia não ser um ovo cozido e sim, um ovo “cuzido”...rsrs...

A Festa - Texto 6


Tomamos banho com água congelada (rsrs) e fomos para a festa. Quem já tomou banho com água de caixa d’água em cima da serra, me entende. Eita água fria. Pois bem, tocamos para a festa de casamento. A casa era pequena, mas a quantidade de comida era grande, enorme, macro. Imagine um banquete romano regado a cachaça em vez de vinho. Três carneiros foram sacrificados para o ritual de cinqüenta anos de casamento; fora as galinhas caipiras, as lingüiças e a carne de gado. Sem contar ainda as saladas, arroz e feijão em abundância e frutas, muitas frutas. Se eu fosse chegada a uma cachacinha e forró, tava feita. De longe ouvi o forró troando, mas o que eu queria mesmo era comer numa festa interiorana, ter essa experiência que, confesso, foi inesquecível e agradabilíssima, apesar dos acontecidos. Uma coisa que me impressionou muito foi o fato de a casa estar cheia de gente. Claro que uma festa enche uma casa de gente, principalmente quando se trata de casamento, mas TODO MUNDO ser da mesma família? Peraí! Acho que a única “não-abreu” era eu. Até do meu amigo Costa Jr. desconfiei ser um Abreu, pois a cumplicidade com que ele adentrou a casa foi interessante; parecia que já conhecia o povo, a casa. E começou um festival de “aquela é minha tia, aquele é meu primo, aquela outra, minha prima segunda...”, etc., etc. Era mais fácil saber quem NÃO era da família: eu mesma. Para quem não sabe, vai a dica: em cima da serra do Lajedo tem a “Abreulândia”, terra dos Abreus.

A Cumplicidade Está no Pote - Texto 7


É interessante perceber que nessas festas todo mundo entra, come e bebe. Ninguém se importa, ninguém se preocupa, ninguém desconfia de ninguém. Ninguém quer saber quem é aquele que acabou de chegar, entrou e comeu fartamente, só sabe que é Abreu, isso é o suficiente. A casa é de todo mundo. Todos dividem tudo, inclusive a caneca de tirar água do pote. Contei que na casa da dona Fransquinha tinha um pote com caneca, etc., porém, a caneca é somente para tirar água do pote, não se pode beber nela. Na festa, o sistema era diferente. A caneca tanto servia para tirar água do pote como para beber. E era somente uma caneca. Ali, tive uma aula prática e aprendi o que é cumplicidade. Todo mundo que tava com sede ia ao pote, metia a caneca e bebia. E as crianças? As crianças também e ainda pondo em prática os ensinamentos de que água é coisa valiosa no sertão (principalmente nesses tempos sem chuva), portanto, tem que economizar. Elas bebiam e o que sobejava, devolviam ao pote. Só depois de um tempão foi que observei o fato. Tarde demais! Quando cheguei à festa estava com muita sede e ainda embriagada pelo sabor da água do pote da Dona Fransquinha, pedi um copo d’água toda contente e bebi cheia de alegria. Fazer o quê, né?